Todos os 20 times da série A do campeonato brasileiro são patrocinados por algum site de aposta. Na série B, a mesma coisa: todos os 20 times também são patrocinados por alguma empresa de “bet”. Segundo um levantamento, cerca de 70% dos 124 times que disputam as séries A, B, C e D das divisões nacionais são patrocinados por essas empresas, incluindo patrocínios “master”.
A própria CBF, que controla o futebol nacional, possui pelo menos 3 sites de apostas como patrocinadores, inclusive com uma delas processando a entidade máxima de futebol por suposta quebra de exclusividade.
Mas os patrocínios das empresas de apostas não se limitam aos times e confederações: eles também estão presentes em transmissões (rádio, TV e internet) e ocupam praticamente todos os espaços publicitários disponíveis, além de campanhas massivas com influenciadores digitais, atores, apresentadores e outras personalidades.
Se você consome qualquer conteúdo de mídia, é quase impossível não ter se deparado com uma propaganda de site de aposta.
Todo esse crescimento das empresas de bet se explica com a facilidade de se explorar um site de apostas no Brasil: ausência de regulamentação. Hoje, para se abrir legalmente um site dessa natureza, basta que o servidor esteja hospedado fora do país – somente isso. A lei que abriu o mercado para as empresas de bet foi publicado em 2018, e, desde então, carece de regulamentação. Ou seja: a ausência de legislação foi um convite para que milhares de empresas iniciassem uma disputa desenfreada por uma fatia de um mercado completamente novo para os brasileiros. Além disso, todos os lucros decorrentes desse mercado são remetidos para países no exterior, sem tributação, e na maioria das vezes localizados em paraísos fiscais, onde é praticamente impossível descobrir o beneficiário final. Existe uma movimentação em Brasília para que o mercado de apostas seja regulamentado o quanto antes, impulsionada pelos recentes escândalos de manipulação de apostas envolvendo jogadores das principais divisões do futebol nacional. Entretanto, o prejuízo já foi sentido, inclusive com algumas autoridades e pessoas do meio defendendo a suspensão do campeonato brasileiro até que sejam apurados os fatos.
Todo esse cenário contribui para o aliciamento de jogadores, além de outros crimes. Com exceção dos times de maior expressão, a realidade salarial dos jogadores de futebol, principalmente das divisões inferiores, é baixa, sendo convidativo para que aliciadores se aproveitem dessa invulnerabilidade para manipular cartões amarelos e vermelhos, faltas, escanteios, e até mesmo gols e resultados, entre outras coisas, com as “odds” determinando a lucratividade do esquema. Além disso, a ausência de regulamentação permite que os esquemas cheguem também à arbitragem e às diretorias dos times, uma vez que não há controle ou fiscalização. Adicionalmente, é no mínimo questionável, seja eticamente ou esportivamente, que uma mesma casa de apostas patrocine mais de um time, ou até mesmo a confederação que executa o campeonato! E mais, muitas vezes, uma única empresa de apostas patrocina concomitantemente o time (ou times), a federação e a emissora de TV! O fato de algo ser imoral ou antiético, não significa que é ilegal, mas fica evidente o conflito de interesses quando a mesma entidade controla, financeiramente, todo o espetáculo esportivo – cuja esportividade, aliás, deixa de existir se o resultado for alterado por fatores externos que transcendem as quatro linhas.
A manipulação de resultados não é algo novo no Brasil, mas a “legalização” do mercado de apostas, sem controle ou regulamentação, abriu uma porta escancarada de oportunidades, não só para patrocinados e patrocinadores, mas também para aqueles que operam à margem da lei.
É claro que a regulamentação no Congresso Nacional é importante, mas as entidades desportivas, juntamente com a grande mídia – justamente aqueles que se beneficiam diretamente dos investimentos em patrocínio – deveriam aproveitar o debate para se auto regulamentar, criando mecanismos de controle e fiscalização, além de punição exemplar para os envolvidos em fraudes e contravenções, uma vez que o produto oferecido aos consumidores perde valor e credibilidade ao se ver envolto em uma atividade ilegal. O futebol é patrimônio do Brasil, e não pode ser manchado pelo crescimento frenético do mercado de apostas, trazendo consigo as obscuridades que orbitam o seu entorno pela falta de legislação, fiscalização e punição.