Livros para ler: “Escrever é humano”, de Sérgio Rodrigues.

Entre os exemplos pessoais e a ascensão da tecnologia, o escritor imputa a algo essencialmente humano a maior defesa contra as IA ‘s: a paixão pela criação.

Já é certo que escrever envolve elementos inalcançáveis à tecnologia, como paixão, frustração, trabalho, estudo, leitura e escrita. Se em teoria Escrever é humano (Companhia das Letras, 195 páginas) do jornalista Sérgio Rodrigues traça o que há de comum na trajetória de quem se arrisca a escrever, é o subtítulo do livro – como dar vida à sua escrita em tempos de robôs – que adiciona lenha na fogueira. 

Inclusive, clichês como “lenha na fogueira” deveriam ser dinamitados. Ao longo dos seus capítulos, Sérgio Rodrigues alicerça sua ideia de que não há honestidade na competição entre pessoas e máquinas. 

Se alguns deslizes podem dar forma à particularidade do escritor, pois nem todo erro precisa ser “padronizado” pela sugestão da IA, tarefas como revisar, informar e editar um texto serão feitas por elas com competência e velocidade jamais alcançadas por um humano. 

Não é gratuito, portanto, que toda a primeira parte do livro seja dedicada às razões pelas quais as pessoas escrevem. Elencar a gênese do processo, a frustração das primeiras páginas preenchidas e a luta ingrata atrás de uma voz literária torna-se importante para deixar nítida que essa necessidade é puramente humana – Não há razão para os algoritmos criarem ficção. Tampouco, para consumi-la. 

“O que torna mais difícil o trabalho literário é o fato de que ele se funda antes de mais nada na própria linguagem. Isso consegue ser ao mesmo tempo uma obviedade e uma espécie de segredo de quem escreve”, define o autor. 

Foto: Roberto Moreyra
Foto: Roberto Moreyra

Sérgio Rodrigues já escreveu mais de 10 livros, venceu prêmios, é colunista da Folha de S.Paulo e redator do Conversa com Bial, na rede Globo. Tem bagagem para indicar onde estão os buracos da travessia e para adiantar quais são os próximos destinos que os escritores, redatores e demais apaixonados por escrever podem chegar. Os exemplos pessoais colaboram para o clima de bastidor que esses livros geralmente têm, mas, nesse atual momento, a ironia e visão crítica do escritor a respeito do processo criativo e da própria literatura tornam a leitura de Escrever é humano um tipo de estudo. 

Como redator publicitário, minha curiosidade sobre o livro se deve às respostas do escritor à inteligência artificial. Rodrigues reservou o Epílogo do livro para distender o tema. 

“Dito de outra forma, o grau de compromisso moral e emocional do robô com o texto é zero, apenas simulado; um reflexo, uma imitação. […] Não há pensamento ali, nem imaginação, fantasia ou humor. Não há hipóteses abrangentes, mesmo provisórias, que sirvam de moldura para o enquadramento do sentido”, defende o autor de “Escrever é humano”. 

O livro, obviamente, foca na literatura, na arte. Mas tais palavras não se encaixam na publicidade? Para mim, sim. Propaganda não é arte, mas se abastece dela a cada novo briefing. Voltando especificamente para o texto, títulos inesquecíveis como “Se ninguém repara no seu pulso, tecnicamente você está morto”, feito para Rolex, e “Se a sua mãe estivesse com dor de cabeça naquele dia, você não existia”, escrito pelo papa Eugênio Mohallem para Aspirina, só para citar exemplos brasileiros, exemplificam o quanto o processo criativo não poderá ser substituído por uma IA. Não se chega nesse tipo de raciocínio de graça! 

A ironia e humor de Eugênio Mohallem.
A ironia e humor de Eugênio Mohallem.

O motivo? Justamente a parte humana, a paixão, a frustração e curiosidade, não na informação. Uma IA pode reunir tudo o que já foi dito sobre o tema; transformar essa massa em algo criativo requer outra habilidade. Sérgio escreve que “o problema é essencial, não superficial: a literatura não é informação, é o contrário”. E isso vale para a escrita publicitária também! 

Aliás, para os jovens redatores que usam o ChatGPT para “tirar insights”, vale um ponto de atenção: sem experiência, sem maturidade, frustração, curiosidade e sem literatura, a ferramenta vai te entregar milhares de opções, como você vai filtrá-las se o processo criativo implica somente em fazer perguntas a um robô? 

Entre as possibilidades que o livro de Sérgio Rodrigues enxerga, nenhuma delas nega que as IA’s são parte da cultura. O estrago no mercado de trabalho está acontecendo e em três anos a realidade será outra; pode ser que, com criatividade, todos nós encontraremos outros espaços, vamos nos adaptar. Pode ser… 

Contudo, “escrever é humano”. Criar títulos é um exercício cada vez mais importante e largar a tela para avistar outras paisagens pode levar ao ato que os algoritmos jamais entenderão: paixão por criação. A magia está no processo, não no “comando”. 

Você consegue terceirizar isso a um robô?