A moda, por mais contraditório que pareça, não é um ambiente exatamente inovador. Empresários, estilistas e fornecedores buscam um padrão de consumo, de cliente, da indústria, de desfile e tendências que não mais voltará
Passou da hora de olhar pra frente e convidar a tecnologia para entrar na festa do produto de moda.
No SXSW deste ano, o estilista norte-americano Marc Jacobs foi entrevistado pela Sally Singer, diretora criativa da Vogue America, sobre o tema The Fashion Designer in the Age of Social Media.
O cara é divertidíssimo e carismático. Fez piadas, debochou do Instagram, explicou a relação com os fãs e suas pesquisas virtuais no Insta, mas não acrescentou nada realmente relevante ao tema.
Chamou a atenção o seguinte diálogo:
Sally: Marc, o que você acha dos wearables? Tem interesse?
Marc Jacobs: Não.
Seco, definitivo e levemente arrogante. Risada geral na plateia.
Num evento em que se discute tendências e todos tentam parecer saber sobre o futuro, é sempre legal quando surge alguém do contra e banca o “não tô nem aí pra isso”.
Especialmente se este alguém for Marc Jacobs, o cara que colocou a gigante Louis Vuitton de volta ao topo da moda mundial e deixou a direção criativa da marca por vontade própria, depois de 16 anos. O gracejo de MJ, funciona como uma permissão para todo mundo relaxar um pouco nas aparências e descer do salto.
Mas na realidade, quando vemos Marc Jacobs desdenhando da tecnologia, vem a sensação de manutenção de um status quo, de um premiado estilista na zona de conforto. Um bom cenário pra disrupção, the calm before the storm…
Não que o nome ou a marca do genial Marc esteja a perigo ou decadente. Mas o próximo Marc Jacobs não vai surgir no tipo de mercado que o Jacobs surgiu. Provavelmente nem será um estilista.
Os wearables e a moda
Os wearables são a ponta mais evidente do casamento entre tecnologia e moda, mas o que faz a primeira ser extremamente necessária é entregar a alavanca criativa e funcional que já falta à segunda, além de fornecer as soluções de sustentabilidade que a sociedade quer e precisa.
Nos últimos 50 anos se fez de tudo na moda, com cores, proporções, recortes, texturas e revivals infinitos: nos últimos 20 anos o que vimos de revivals e inspirações dos 70 anos anteriores foi um loop enlouquecedor de nostalgia e falta de criatividade que se desgastou completamente – por exemplo, o grunge lançado nas passarelas por Jacobs lá no início dos anos 1990, popularizado por Kurt Cobain, voltou pela enésima vez. Ou nunca saiu. Os anos 30 e 40 foram re-interpretados 1000 vezes. Os anos 60 e 70 idem. Pouco se olhou realmente pra frente.
Além disso, sem mudança tecnológica não temos planeta que atenda à crescente demanda por consumo. E o crescimento do consumo no formato que conhecemos atualmente não vai gerar mais riqueza, apenas devastação.
E nesta hora é bom lembrar que as gigantes de tecnologia têm interesse neste mercado, sinergia nos negócios e caixa de sobra para se associar ou comprar marcas de moda mundiais.
Não me admiraria ver parcerias entre Nike & Apple; Puma & Facebook; Gap & Intel; Adidas & Sony, Hurley & Snapchat.
Além da grana e tecnologia necessárias para viabilizar a nova geração do vestuário, algumas destas gigantes têm o canal de mídia pra empurrar estes produtos e o big data dos clientes.
O Snap já tem óculos funcionando com seu app. A funcionalidade é bacana e totalmente relevante à ferramenta. Só falta convidar alguns designers de nível mundial pra fazer signature series e a coisa explode de vez, vira mania global.
Há muito espaço para se inovar em Moda, não apenas na tecnologia do produto: no formato de apresentação das coleções, desfiles, experiência do usuário, interfaces de realidade, hacker-marketing, co-criação e variantes de customização e do-it-yourself, entrega e logística reversa ao fim do ciclo do produto, e por aí vai.
No Brasil, por exemplo, a Reserva se aventura em iniciativas de aparente risco, acredintado que algumas devem se tornar a realidade do mercado em 4 ou 5 anos: produtos sob-demanda, customizações, formatos de lojas, vitrines, entregas e outras “loucuras”.
A mais recente é a loja sem estoque: do Fashion Mall, Rio de Janeiro, que virou a loja física UseReserva.com. Qual a diferença para as demais?
Digamos que cada loja precise manter um estoque de 2500 produtos. Quando se tem 60 lojas, você empenha 150.000 produtos na sua rede que, espalhados, em pouco tempo geram sobras e faltas, lá e cá. Entre outros riscos e ineficiências.
Até aqui foi assim.
Por conceito, a nova loja não tem estoque no local, apenas uma peça de cada tamanho para o cliente experimentar. Assim que fecha a compra, o cliente decide: retira a(s) peça(s) no dia seguinte naquela mesma loja ou recebe tudo em casa, em até 3 horas.
É um ganha-ganha: mais comodidade para o cliente, que não precisa ficar carregando sacolas pela rua ou shopping e pode receber tudo em casa (ou aonde indicar).
Mais facilidade para a equipe de vendas, que não precisa mais administrar estoques locais e pode se concentrar num atendimento melhor.
Mais economia para a marca, que não precisa gerir a ineficiência de um estoque tão grande espalhado pela rede, convivendo com sobras e faltas, riscos de encalhe, liquidações, etc. Com isso, a loja recebeu uma cauda longa de produtos que antes não caberia ali se precisasse de estoque local.
Com este cenário combinado à produção sob-demanda de alguns itens, chega-se a uma combinação interessante. As vendas desta unidade cresceram 70% nos mostrando que é um modelo vencedor.
Por fim, as big techs
Voltando às big techs citadas mais acima, seria um erro encará-las como empresas de tecnologia restritas a um software ou produto.
Tomando Google e Apple como exemplo: ambos têm iniciativas (já consagradas ou ainda promissoras) nos setores de telefonia, TV, carros robóticos, energia limpa, produtos de mapeamento e geo-localização.
Disfarçam o monopólio de suas iniciativas originais apresentando-se como empresas de tecnologia diversificada. Ao mesmo tempo em que a exuberância de seu negócio original (no caso do Google, o buscador e sua astronômica receita com publicidade) não atrai atenção indesejada sobre as novas iniciativas.
Mas o que faz a diferença é que estas big techs podem se dar ao luxo de pensar em outras coisas além de ganhar dinheiro, como inovações de longo prazo e disruptivas no mercado alheio.
Marcas de moda não podem. Mesmo as melhores precisam sobreviver num mercado de margens espremidas, gerando caixa desesperadamente para não quebrar ou, se tanto, conseguir projetar a coleção do ano seguinte.
E o Marc lá, desdenhando dos wearables.
No link a seguir, um wearable que nos encantou