“O paradoxo parece ser, como Sócrates demonstrou há muito tempo, que o indivíduo verdadeiramente livre é livre apenas na medida de seu próprio auto-domínio. Enquanto não formos capazes de nos governar, seremos condenados a ser dominados por outras pessoas.” – STEVEN PRESSFIELD
A arte conspira. Ela é um ser que troca de roupa o tempo todo. Inquietamente e insatisfeita. Intrigante. Paciente usurpadora das nuas normas do status quo. Sem rodeios, sussurra avidamente aos ouvidos de todos; uns a ouvem e estremecem, outros a confundem com o fim do mundo ou o início de sua própria vergonha.
Não vou dissecar a palavra arte ou o seu conceito. Não tenho essa capacidade, nem mesmo tal pretensão. Quero apenas contar uma história que julgo ser prisioneira em minha mente, e que necessita se ver livre, de alguma forma. Acredito na natureza rebelde da arte, na sua ruptura com a realidade, no seu compromisso consigo mesma e na insuportável temperatura capaz de conferir plasticidade a qualquer coisa.
Um tweet é tão avassalador quanto um traço rupestre. Mesmo sem ter plena consciência disso, ambos os autores desejaram a mesma coisa: vencer a morte. A intenção é a espada da arte. Mas, ela, a intenção, será sempre refém da nossa capacidade de afiar nossos desejos. Numa caverna úmida e escura do paleolítico ou diante de uma brilhante tela sensível ao toque, os personagens desejam apenas sobreviver às intempéries de suas próprias realidades.
A história possui esse nome porque a arte nos obriga a escrevê-la. Não interessa a forma ou o meio, interessa sobreviver. Com os olhos cheios de sangue, o caçador das planícies aguarda sua presa, na expectativa de não dividi-la com outro inoportuno predador. Entretanto, seu maior desafio, caso saia vivo da experiência de ida às compras, será registrar o fato de maneira clara, com as cores exatas e com o devido drama nas paredes de sua caverna. Algo o convenceu a postar seus atos. Ele deseja ser lembrado, ele deseja impressionar e garantir a sobrevivência de sua prole. Somos inveterados contadores de história.
Seres humanos não seriam humanos sem as marcas que criam, e todas elas nunca são obras do acaso. Claro que nem todas tornam-se eternas, mas, na busca pela eternidade, isso nunca nos incomodou. O mendigo da esquina com o violão, o pintor intransigente em seu fétido estúdio, o dedicado monge copista enclausurado numa cripta, o notívago nerd vidrado em suas linhas de código, o poeta rabiscando um guardanapo numa mesa de bar, uma mãe que olha para seu filho nos braços, um repentista em conflito com as próprias frases que cria em milésimos de segundo, todos, inevitavelmente, estão à mercê da intenção. De sua própria arte e os efeitos que desejam causar no mundo.
Somos cronistas de nossa própria arte. Somos artistas em busca de sobrevivência. Somos viciados no tempo, e dependentes de seus benefícios. Estamos em constante guerra com nossas intenções, desconfiados do incerto futuro, insatisfeitos com o imediato presente e cada vez mais míopes sobre o passado. Estamos todos com os olhos cheios de sangue, à espreita da presa, mesmo temendo possíveis predadores, porque nossa história depende disso.
A filha mais nobre da criação humana é a tecnologia. As mídias sociais, por exemplo, são o resultado máximo da guerra da arte. Temos tablets para escrever nossas próprias odisseias, livres no tempo e no espaço, para sermos qualquer um e para deixar marcas pelo mundo, enquanto novos e velhos tipos de predadores nos inspiram a repensar nossas intenções, em nome da sobrevivência, da beleza da vida e da própria arte. O que será do nosso futuro? Sinceramente, não sei. Afinal, responder a essa pergunta não era a minha intenção.