Entrevista de emprego. Well, maybe.

Entrevista de emprego. Well, maybe. Entrevista de emprego. Well, maybe.

Eu comecei como estagiário de redação e depois redator júnior na McCann, confinado num então Departamento de Criação isolado do resto da agência, dividido entre redatores de um lado e diretores de arte lá no fim do corredor, do outro lado.

Logo quis conhecer o dia a dia real de uma agência, a ação no front, onde as coisas de fato acontecem. Busquei trabalho na então agência pequena e agitada, a Pentágono. E me arrisquei, saindo da McCann pra esse mundo novo.

Foi um breve, mas muito produtivo e enriquecedor período. Eu pensava as estratégias maiores, criava as peças de comunicação, redigia tudo, revisava o que eu próprio escrevia, acompanhava as sessões de fotos, a produção gráfica nas madrugadas.

Era tudo folheto e material técnico para a indústria de automóveis, então bombando na época. Coisa miúda, mas valiosa como aprendizado.

Minha equipe se resumia a mim e mais 2 pessoas (o Denis e um assistente). Eu dividia a sala com a Ilana, diretora de Mídia, arrumava a sala de reuniões, fazia e servia café, atendia ao telefone, cuidava do telex (alguém sabe o que era isso?), limpava o chão.

Um ano depois, a McCann me chamou, por indicação de amigos que continuavam lá.

O Sergio Lima era um deles e foi logo me dizendo que o cargo era complicado: ser o redator sênior de um grupo de criação especial da GM. Isso foi em 1973.

Detalhe: toda a chefia e os profissionais top do grupo especial eram americanos de Detroit, experts em comunicação automotiva. Havia também alguns brasileiros, redatores e diretores de arte no grupo: a Marília, o Stephano, depois o Jailson, o Grillo, o Cassino. Eu funcionaria como uma ponte entre os gringos e nossa equipe local.

Mas meu Inglês não ia além de maybe, perhaps (sem saber a diferença de um pra outro), yes, no, thank you, good morning, essas obviedades surdas.

Fui pra entrevista com o chefão desse grupo criativo especial, de elite, Gary Spedoske, mid-west americano legítimo, que estava há pouco tempo no Brasil e não falava uma palavra em Português.

Botei na cabeça que eu estava acima dele, afinal eu pelo menos sabia meia dúzia de palavras em Inglês.

Foi uma longa e bela reunião… em Inglês.

Limitei-me a mostrar meus trabalhos, a rosnar alguns pontos da minha curta carreira e a responder laconicamente, sem saber exatamente o quê e o porquê o Gary estava me perguntando tanta coisa que eu não entendia direito.

O Gary dizia “powqopgmapoitbm~ç?, 8lNÇC?”. Pelo menos era isso que eu entendia.
Eu respondia, na intuição:“well, maybe”.

O Gary de novo: “wuceg,m (;;% $$$) pfghk… or not?”
E eu: “yes, of course”.

E assim foram perguntas e respostas, tudo no chute e na intuição, Papai-do-Céu me soprando no ouvido, na base de expressões lacônicas, sem muita chance pra papo: “for sure”, “good enough”, “thank you”.

Meus colegas da McCann, torcendo pra minha volta à agência, depois me perguntaram como tinha sido a entrevista, se o Gary havia gostado, se ele havia me dado alguma resposta, qual a expectativa e próximos passos, se falamos de grana, qual o salário.

Eu não sabia responder, porque não tinha entendido porra nenhuma de nada.

Semanas depois fui chamado pra uma nova reunião com o Gary.

Thanks God, dessa vez estava na sala a Mônica, secretária do Gary, que serviu de tradutora, de ponta a ponta durante a reunião. A Moniquinha foi uma santa, uma baby-sitter pra mim. Anjo da guarda.

Só pela presença da Moniquinha, já pressenti que eu havia dançado. Mas não. Entre vários candidatos, o Gary havia me escolhido.

A Mônica me traduziu: “Ele gostou do seu trabalho, do seu pensamento e da sua atitude confiante, sua cara de pau de enfrentar uma entrevista em Inglês, mesmo sem falar a língua, o que ele percebeu nos primeiros minutos da conversa.

O Gary propõe um salário de tantos cruzeiros, já que você não entendeu a oferta na primeira entrevista” (era mais do que o dobro do que eu recebia na Pentágono).

“O Gary impõe uma condição…”, enfatizou a Mônica: “… que você ensine Português pra ele e que você aprenda Inglês com ele, pra poderem trabalhar juntos.”

Não sei como o Gary conseguiu avaliar meu pensamento, meus conceitos, minha atitude, minha determinação, se eu não falei nada, coisa com coisa. Mas ele sacou e o meu trabalho falou por si.

Claro que concordei com a oferta e fomos bons alunos. Gary e eu aprendemos rápida e fluentemente a língua um do outro. Nos tornamos bons amigos e assumi o lugar dele uns cinco anos depois, quando ele voltou para os EUA.

Corta, longa passagem de tempo.

Uns 20 anos depois , por volta de 2000 e pouco, eu já era diretor de criação pra América Latina e Caribe (a parte que eu mais gostava, pelas viagens). Coordenei um workshop para o lançamento latino-americano do Chevrolet Blazer, no Guarujá.

Recrutei no sistema McCann 6 duplas de criação de diferentes países e culturas, que trabalhariam sob meu comando durante uns 10 dias.

Na dupla de Detroit, lá estava o mesmo Gary Spedoske, agora velhinho. Feliz da vida por voltar a sua origem de redator, por voltar ao Brasil e por me rever.

Na abertura do workshop contei a todos nossa história, o quanto o Gary havia sido importante pra mim e pra minha carreira. E convidei o Gary pra liderar e coordenar o workshop comigo.

Foi ótimo! Fizemos dupla de novo. Oh, yes!

Pelo que fiquei sabendo por vias tortas, que não consegui confirmar até agora, o Gary morreu em 2015. Mas continua vivo na minha gratidão e no Blog do Perci.