Um dos grandes feitos de um bom diretor é juntar equipes – atores, escritores, compositores, cineastas – para realizar coisas diferentes e trazer à tona visões que nenhum dos indivíduos sozinho poderia fazer por completo.
Normalmente, esses diretores produzem aquilo que chamamos de “cinema de autor”, isto é, obras que tomam forma principalmente na mente desses caras – não no roteiro do escritor ou do produtor – e trazem a personalidade deles impressa na tela. Esses diretores realizam suas visões, como se fosse um impulso.
É o caso, por exemplo, de Akira Kurosawa.
Um dos seus últimos filmes, “Dreams”, de 1990, afasta-se de narrativas tipicamente épicas e se desenvolve em oito vinhetas – estas, baseadas em sonhos recorrentes do artista, cada uma se desdobrando em uma lógica surreal própria. Ou seja, podemos chamar até de uma obra do inconsciente de Kurosawa. Na quinta delas, “Crows”, Martin Scorsese, outro artista do cinema de autor cuja estética visual é semelhante a de Kurosawa, interpreta Vincent Van Gogh.
No filme, a câmera começa em uma galeria e se move inquietamente diante de várias pinturas de Van Gogh. Há um estudante de arte em cena – o próprio Kurosawa. Os campos, pontes e celeiros são pintados nas cores brilhantes e linhas tortas do pintor, até que o estudante encontra o próprio (que, na verdade, é Scorsese com barba ruiva e orelha enfaixada). Esse é o único episódio do filme todo que não é em japonês, pois o aluno fala francês e, o pintor, inglês.
De todos os “capítulos” do filme, “Crows” é o que menos traz cenas e temas familiares. É mais sobre o sentimento de Kurosawa como artista, como criador de cinema de autor e sua relação com seus semelhantes.
Ele não coloca os outros, como Van Gogh e Scorsese, como rivais e nem iguais – e sim como pessoas que têm muito a ensinar a um estudante cheio de perguntas e um desejo de entender os métodos e razões de um artista.
Oh, que bela lição.
O segmento fala ainda sobre a maneira como Kurosawa aprendeu muito com os artistas ocidentais, ao mesmo tempo em que dominava sua própria linguagem cinematográfica com histórias distintamente japonesas. Desta forma, ele manifestou ainda outra qualidade de autor, que é uma abordagem do cinema que transcende as barreiras da linguagem e da cultura.
Kelvin