Depois de quase 60 anos, a série de quadrinhos mais famosa do Brasil ganha uma adaptação em live-action para os cinemas. Alguns filmes em desenho animado já foram desenvolvidos anteriormente (como o Cinegibi, de 2004), porém não contavam com a grande expectativa que Turma da Mônica: Laços carrega.
No passado, Mauricio de Sousa (criador de toda a turma) já havia demonstrado preocupação em um filme que retratasse seus personagens com atores reais pelo cuidado que ele possui com todos eles e no grande nível de detalhes que esses possuem, sem contar outro importante ponto: a identificação. Quando uma criança vê um dos personagens nos quadrinhos, ela consegue se enxergar nele pelos seus traços de personalidade e comportamento. Com atores reais que personificam de fato esses personagens, o medo era de que talvez essa identificação fosse perdida. Entretanto, o trabalho em Laços é feito de um modo tão cuidadoso (seja na fotografia pelo bairro do Limoeiro que claramente foi feita com um empenho singular ou pela interpretação dos personagens principais do filme), que o resultado é simplesmente vislumbrante. As personalidades dos personagens tem a mesma base dos quadrinhos, porém adaptadas ao realismo que um filme live-action precisa para fazer sentido.
Os nomes por trás do filme justificam essa atenção aos detalhes: o diretor, Daniel Rezende, já foi editor indicado ao Oscar por Cidade de Deus em 2002, além de ter dirigido o filme Bingo: O Rei das Manhãs de 2017, que foi listado entre os 92 indicados para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro na primeira fase da votação do Oscar 2018. Os personagens mais icônicos dos quadrinhos nacionais também foram escolhidos a dedo: foram mais de 7,5 mil crianças avaliadas por 6 meses até chegarem ao elenco final com Giulia Benite (Mônica), Kevin Vechiatto (Cebolinha),Gabriel Moreira (Cascão) e Laura Rauseo (Magali).
Os autores irmãos Lu e Vitor Cafaggi estão por trás da graphic novel homônima de 2013 que inspirou o filme, e ainda assinam outras obras que também saíram pelo Graphic MSP, o selo da editora voltada a adaptação de histórias de diversos personagens pela ótica de diferentes artistas. Os outros enredos assinados pelos irmãos são Lições, de 2016, e Lembranças, de 2017, que contam diferentes histórias também envolvendo a Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão (que poderão ser também adaptadas ao cinema se o sucesso do primeiro filme for confirmado).
Crítica com Spoilers
A história contada em Laços começa com o desaparecimento do Floquinho, cão do Cebolinha, durante uma noite. É nesse momento que a Mônica, Cascão e Magali passam a ajudá-lo na busca pelo companheiro do Cebolinha, reforçando os laços entre eles e iniciando uma trajetória individual de autoconhecimento e superações diversas –no âmbito infantil, claro.
O modelo delicado e sensível de como cada personagem tem de passar por situações difíceis, como o Cascão fugindo de um vazamento na cozinha do vilão, o Homem do Saco (Ravel Cabral), ou a Magali evitando assaltar a geladeira no mesmo local a fim de resgatar o Floquinho, são simples, porém se encaixam muito bem ao roteiro. O próprio Cebolinha tem um ótimo desenvolvimento durante a trama cai em si e entende que, apesar de ser o criador de planos infalíveis, precisa ouvir aos seus amigos para resolver alguns problemas que surgem no decorrer de sua jornada.
Uma personagem que acompanha o percurso mais de perto do Cebolinha é sua Mãe, a Dona Cebola (Fafá Rennó) que consegue ver através de suas intenções em implicar constantemente com a Mônica. Ela é quem tem mais destaque entre os pais da turminha, com um olhar mais sensível.
A líder da do grupo também tem uma trajetória muito rica: ela é quem mais apoia o Cebolinha no início pela busca ao Floquinho, e em determinado momento, quando o próprio Cebolinha ao provocá-la constantemente ao querer optar por qual caminho eles devem seguir, chora ao invés de partir para a violência: aqui está o significado de sua liderança ao aflorar seus sentimentos e não repeli-los, ao responder de uma forma diferente a uma provocação ao qual está habituada.
As dificuldades encaradas pelos personagens algumas vezes possuem soluções relativamente simples, mas levando em conta o público do longa e a belíssima execução dos aspectos técnicos da produção, elas acabam não incomodando.
Algumas surpresas
Existem diversos easter eggs no decorrer do filme, desde a aparição do próprio Mauricio de Sousa como dono de uma banca de jornal a lá Stan Lee até a aparição de Leandro Ramos, humorista que interpreta o personagem Julinho da Van no canal viral Choque de Cultura do YouTube.
Personagens secundários como a Cascuda, Quinzinho, Titi, Aninha, Cremilda, Clotilde (e até o Jotalhão como almofada da FOM) aparecem no decorrer do longa. Para os mais desavisados, entretanto, talvez a maior surpresa tenha sido o Louco, interpretado por ninguém menos que Rodrigo Santoro (que inclusive também possui uma revista pelo selo Graphic MSP chamado “Fuga”).
As possibilidades a partir desse filme em criar diferentes longas com personagens em live-action do universo da turminha parecem ser diversas. Outras referências clássicas dos gibis tão aparecem em diversos momentos: quando somente o Cebolinha mantém os sapatos após os quatro personagens caírem de um barranco no Parque das Andorinhas (nos quadrinhos, a Mônica, Cascão e Magali andam descalços), ou quando a própria Mônica abre seu guarda-roupas em busca de algo para vestir, sendo que ela só usa vestidinhos vermelhos.
Turma da Mônica Laços tem uma execução exemplar em termos de narrativa, fotografia e interpretação para todos os filmes infantis nacionais. Ele utiliza um elenco balanceado e com textos ótimos que conversam não só com o público-alvo do filme, as crianças, como também os fãs mais assíduos da turminha e os adultos que leram suas histórias á anos atrás. Existe a oportunidade de expansão do universo cinematográfico da turma da Mônica com as continuações dos quadrinhos que deram origem a Laços, além da introdução de outros personagens. Fica o desejo de consumir ainda mais deste conteúdo feito com tanto empenho e esmero, que são praticamente palpáveis ao espectador.