Criatividade ou loucura?

Criatividade ou loucura? Criatividade ou loucura?

Quando decidi escrever essa série eu tinha algo que me incomodava muito. Claro, o próprio título entrega o jogo. Gosto de fazer perguntas, e acredito que a arte de questionar é a única forma de conhecer o mundo, a vida que o habita e todos os dilemas que a definem. Em quase todos os debates, acalorados ou não, em mesas de bar ou em filas de banco, sempre que o assunto é a capacidade criativa dos seres humanos acabo esbarrando no tema “loucura”.

Será que o gênio existe? E, será que ele ou ela precisam ser malucos para justificar alguma genialidade?

É difícil pensar em “gênios” que não nos assustem um pouco.

Criatividade ou loucura?

Óbvio que o gênio louco é um estereótipo. Existem pessoas geniais em qualquer lugar, dispostos a fazer coisas que muitas vezes não condizem com a sua aparência. A história, a literatura e o cinema tiveram um papel importante na consolidação do perfil que acreditamos ser o ideal de um gênio. Cabelo desgrenhado, vício em algum tipo de droga, muitos cacoetes estranhos, roupas esquisitas, misantropia, etc.

O mito do gênio faz ele ou ela destoarem totalmente do que chamamos de normal.

Até acredito que o reforço desse mito, no decorrer do tempo, motivou muita gente a copiar trejeitos e atitudes de seus ídolos, considerados gênios, na esperança de potencializarem a sua própria criatividade. Mas, será que a genialidade pode ser desenvolvida ou, até mesmo, absorvida por mímica?

meme que mostra Einstein de língua para fora é um épico da cultura ocidental, quiçá de todo o mundo.

Comece a assistir qualquer série na Netflix ou abra um clássico empoeirado em uma biblioteca (aquele lugar grande e silencioso, cheio de livros, onde quase ninguém mais frequenta), você vai perceber que boas histórias sempre falam de pessoas estranhas, que fogem ao padrão convencional, e que, em algum momento, terão seu poder ou habilidade revelados.

Conseguiria citar uma turma imensa aqui, mas sei que você pode fazer isso por conta própria…

Pessoas criativas sempre serão taxadas de malucas. Isso é inevitável. Mesmo em um ambiente no qual é estimulado o pensamento livre, aberto ao novo, as melhores ideias serão aquelas que vão assustar até mesmo a mente mais inovadora do recinto.

Essa é a lógica do “Pensar Fora da Caixa”.

O inusitado está fora das regras, fora dos padrões, longe milhas de distância do status quo. As soluções mais poderosas para os piores problemas do mundo costumam ser óbvias, e estar bem debaixo do nariz de quem pensa estar no controle. Entretanto, o conforto e o bem-estar causados por um ambiente calmo e tranquilo, onde as pessoas se sentem seguras, dificilmente trará a resposta certa. O problema acaba virando paisagem, e, dificilmente, vamos conseguir achar o Wally.

A experimentação in natura, tipicamente humana, assusta mas acaba criando novas palavras, tendências de moda, conceitos de propaganda, rotas comerciais, revoluções sexuais, e a arte que dança de um jeito estranho, querendo sempre assombrar os olhos de um mundo que parece dormir calmamente.

A mente criativa não precisa necessariamente de altas doses de whisky, roupas puídas, penteados discutíveis e os demais itens que compõem a indumentária e o perfil psicológico de um gênio típico. Criativos, sejam homens ou mulheres, jovens ou velhos, pobres ou ricos, são as pessoas que usam a sua curiosidade para olhar para a mesma coisa com novos olhos. Por isso, acabam sendo chamados de loucos, não importa se estão de terno ou de Havaianas ou com os dois. A mente precisa estar despida.

Gente que pensa saber demais quase sempre tropeça no próprio ego, porque usa lentes demais e acaba distorcendo a realidade das coisas.

Ideias geniais são simples. Tão simples que podemos vê-las a olho nu.

O problema é que abrir mão de padrões sociais choca as pessoas. Escandaliza quem manda, e, daí, o mundo cai sobre os rebeldes que decidem pensar por conta própria. Tem muita gente sendo contratada por empresas inovadoras, que buscam pessoas criativas, mas sendo demitidas por serem exatamente aquilo que seus empregadores queriam.

A criatividade é uma benção e uma maldição.

A vida do professor James Murray, que pude conhecer quando assisti ao filme O Gênio e o Louco, me fez pensar muito sobre isso. O longa, dirigido pelo iraniano Farhad Safinia, conta a história de um filologista que é considerado louco por abraçar a empreitada de criar um dicionário completo para a língua inglesa. Ele conseguiu o incrível feito de editar o respeitadíssimo Dicionário Oxford, mas não a um preço baixo. Reputação e família quase lhe foram tirados durante a odisseia para editar o bendito livro. O seu ato insano lhe deu mais inimigos que podia suportar.

O Alívio veio de onde jamais poderia imaginar.

O que me chamou a atenção de verdade foi a amizade que Murray acabou fazendo com um homem que se dispôs a ajuda-lo voluntariamente, oferecendo conteúdos inestimáveis, tanto que seu nome acabou sendo colocado nos créditos do dicionário. William Chester Minor estava internado em um hospital psiquiátrico por ter assassinado um homem por engano. O confinamento o reaproximou dos livros e, de alguma forma, o motivou a abraçar o desafio de enviar contribuições para Murray completar o famoso dicionário.

A mente inquieta, o tempo de sobra e a dor por ter matado um pai de família inocente o levou aos limites da loucura, motivando o cirurgião do exército americano a gastar cada instante dos seus dias compilando as palavras que mudariam o destino de Murray e o seu próprio. A sua dedicação o salvou de morrer anonimamente em um manicômio, e mudou a história de uma das línguas mais poderosas do planeta.

Quantas pessoas famosas ou não você conhece que têm atitudes estranhas, e que de muitas formas chamam a atenção do mundo, criando espanto mas junto com ele algo positivo? Você mesmo, quando decidiu sair da linha e experimentar quebrar as regras, por alguns instantes que fosse, acabou experimentando um sentimento que é realmente difícil de descrever.

Numa cultura ainda simples como a nossa, baseada em recalques de um passado que carrega o peso de uma dominação feita de favores baratos, que valoriza títulos e honrarias, vai demorar a amadurecer e compreender a verdadeira essência de um ser humano que têm ideias próprias. Ainda gostamos das coisas como sempre foram. A tradição nos encanta. Queremos parecer criativos, mas sem pagar o preço da mudança drástica. Afinal, essa postura pode colocar em risco a posição de autoridade que controla quem pensa e quem age.

O gênio sempre vai parecer louco, reafirmo! Pelo simples fato de que a criatividade máxima de qualquer pessoa passa pelo ritual de despego pela zona de conforto, exigindo um salto de fé, quando mostramos um jeito totalmente novo de ver e lidar com tudo o que fazemos. Um jeito estranho, sim, porque nunca foi feito antes, mas que dá um prazer imenso porque tem a nossa cara, um estilo próprio, a nossa verdadeira e única força: voz e identidade.

Daí, quem não resistiria colocar a língua para fora e se lixar para o que as outras pessoas pensam?

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