No início do filme, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), senta na frente de um espelho, coloca um dedo em cada canto da boca e puxa. Para cima, depois para baixo: um sorriso, uma tristeza. Devemos pensar nas máscaras, cômicas e trágicas, usadas pelos atores do drama grego antigo.
Nas próximas horas, esses dois humores serão unidos, até que não possamos distinguir a luz da escuridão. Esse, é o “Coringa”.
Vem comigo por esse caminho. É extremamente frustrante, odioso e primordialmente um experimento para sua humanidade. Arthur trabalha para uma agência de palhaços, e também é cômico, mas de longe, um dos piores. Um de seus trabalhos é ficar na rua com o nariz vermelho e uma peruca verde, segurando uma placa promocional para uma loja local. Cena. Quando algumas crianças agarram a placa, ele a persegue, seus sapatos enormes pisando na calçada. Cena. Outro palhaço empresta a ele uma arma, pensando na questão de segurança, mas ela cai da roupa de Arthur, no chão, enquanto ele entretém crianças em uma enfermaria do hospital cantando “If You’re Happy and You Know It“.
Arthur: “Não fui feliz nem um minuto da porra da minha vida inteira“.
“Coringa” é um manifesto miserabilista. “Perdoe minha risada: Eu tenho uma doença.” Mas que condição? Poderia ser um efeito de origem neurológica e dá origem a risos e choros sem contenção? Sob estresse, Arthur certamente quebra na gargalhada como de uma hiena, que para tão abruptamente quanto começa; ele também chora e, em close, seguimos os rastros das lágrimas no rosto pintado de branco de seu palhaço.
Aqui você para, pensa, analisa, reconhece, assusta e segue. O filme, no entanto, não se interessa seriamente pelo que pode estar errado com Arthur. Simplesmente nos convida a ver seu erro crescer fora de controle e se transformar em violência, depois propõe uma conexão vaga entre esse inchaço privado e uma doença social mais ampla.
Arthur: “Sou só eu, ou ou mundo lá fora está ficando mais louco?“
Está, e muito.
Arrastando nuvens de controvérsia, “Coringa” está sobre nós. A discussão online aumentou do desenfreado para o maníaco, indiferente ou talvez exacerbado, pelo fato de que ninguém, além de críticos e frequentadores de festivais, realmente assistiu ao filme. Ao menos, até agora.
Em um lado estão aqueles que anseiam por uma obra-prima: um filme que descobrirá uma nova intensidade psíquica no domínio dos quadrinhos, ideal para nossos tempos. No canto oposto estão aqueles que temem que Phillips e Phoenix possam conceder licença a todas as pessoas solitárias por aí – em particular, a qualquer homem branco de mente bagunçada que se sinta miseravelmente insensível e gostaria de receber um tutorial na arte de atacar.
O filme incomoda. Incomoda porque é para ser um personagem de quadrinhos, e o diretor toma para si, junto com o ator, utilizar do melhor momento para expor um pouco mais da vida desse personagem, e suas características únicas. “Coringa” não brinca, fala de saúde mental, fala da falta de humanidade que assola o mundo cada novo dia um pouco mais (olha o Twitter, Facebook, quando o assunto é política então…), fala sobre o governo e as mega-corporações não fazerem a parte delas. Como disse, incomoda, e muito.
O filme passa uma mensagem de… Lembrança (dos problemas lá de fora que estamos falhando em lidar), os críticos entenderam como carta aberta para o caos, o medo existe porque o filme poderia ser um tão logo futuro documentário, se não fosse de uma HQ. O filme faz, o que os filmes antigamente faziam com a audiência, te coloca para sentir, pensar e sentir a conexão de empatia, mas ao invés da empatia da compaixão, é da dor. Te coloca como audiência do potencial caos que grupos já vivem, do medo, do receio, do amanhã, da luta interna, da luta externa social. Não tem super-herói, temos nós. Não tem planos mirabolantes, não tem dancinhas entre vilões, não tem ninguém rico para nos salvar. Tem a cidade, tem a pessoa, tem a sociedade, tem a questão interna humana, tem a receita para o caos.
Veja, “Coringa” não é um grande salto cinematográfico, ou um mergulho profundo em nosso inconsciente coletivo. É um produto. É um filme, é entretenimento. Tem no seu DNA a necessidade de ser assim, espetacular. O Joker de Nicholson pode ter dançado e dançado ao som do “Partyman” de Prince, mas Phoenix gira, em um íngreme lance de escadas, para “Rock ‘n’ Roll Part 2”, um hit de 1972 de Gary Glitter.
Não é um bom filme em diversos aspectos, conservadores da sétima arte vão assistir, rir, entender algumas referências e achar que é algo saído de uma sátira das vários programas-políticos-informativos-cômicos do US e seguir a vida… Contudo, é um maravilhoso filme para os novos tempos e audiências.
O filme traz referências de diversos outros longas, e para os fãs da HQ, devem sair satisfeitos… Ha, os últimos minutos finais, se tornarão os famosos minutos finais do filme. Como alguns críticos citaram, você começa a entender o porque Batman realmente não quer matar o personagem quando tem oportunidade em algumas histórias, talvez seja o Coringa o MAL a ser curado que vai se espalhar para todos, o paciente zero que, se bem tratado, vai trazer a paz utópica. Talvez seja porque Coringa seja a porta para um lugar sem volta, um lugar que toda sociedade vai, até decair e sumir, e coringa ficar vivo para não ver isto acontecer, é a chave do sucesso do morcego. Seja como for, seus olhos de fã vão sair brilhando, e a mente borbulhando.
Sem medo. Vá ver. Se incomode, comente e continue até o próximo bom grande filme das telonas.
Coringa estréia hoje, globalmente, somente nos cinemas.
Não entendi porque Batman não mata o Coringa! Ele é o mal encarnado!
Postão. Tks!