Olha que achado. Esse livro é de 1902.
Practical Character Reader. Ou, Guia Prático de Leitura de Caráter (ou personalidade). Um autêntico representante da literatura da bizarra Frenologia, uma falsa ciência da época que acreditava numa relação entre traços fisionômicos/estrutura craniana e caráter.
Nariz pontudo? É malandro.
Orelha grande? Preguiçoso.
Cabeçudo? Marido infiel.
Na verdade, racismo bravo – disfarçado de ciência. Medo!
Dá uma lida no prefácio. A missão do livro é treinar o leitor para identificar e rotular gente.
The purpose of this book is to acquaint all with the elements of human nature and enable them to read these elements in all men, women and children in all countries.
PREFACE, VAUGHT’S PRACTICAL CHARACTER READER
E as ilustrações são uma maravilha, uma mistura de cartoon com manual de instruções.
Mesmo a gente achando isso inimaginável e mesmo que a Frenologia tenha sido condenada há muitos e muitos anos, é impressionante como os estereótipos ainda estão enfiados no nosso inconsciente.
Inclusive na turminha justiceira que costuma estereotipar do lado avesso para compensar as injustiças do mundo.
E muito.
O pior é que desconfio que a culpa, infelizmente, é da indústria do entretenimento e seus personagens de filmes e desenhos animados. Tanto é que achei o livro em um blog de animador, como recomendação para construção de personagens.
Vilões são criados com biotipos estereotipados
Você vê um vilão e sabe que é o cara do mal em menos de um segundo.
Não precisa falar nada, tá na cara.
Aliás, “tá na cara” também deve vir daí.
O post é para mostrar o livro, mas convido a você a usar o Google para fazer uma experiência pessoal.
Escreve lá “faces” e tenta adivinhar quem é bonzinho e quem é malvado.
Claro, você nunca vai saber. Mas repare se existe algum padrão entre os que você classificou como “não-confiáveis”.
Provavelmente os traços devem ser parecidos: angulados (nariz pontudos, queixos quadrados, etc).
Se quiser comprovar, digite agora “villans” (em inglês mesmo, para aparecer mais).
Para ficar mais divertido, faça isso com as pessoas na rua, no carro ao lado. faz de conta que você tem que arrumar atores para um filme. Quem é mal, quem é herói?
O Nelson Rodrigues, com sua genialidade, fazia justamente a inversão dos estereótipos. A boazinha safadona. A recatada ninfomaníaca. Parece que é uma coisa, mas no fim é outra, oposta.
O “Meu Malvado Favorito” também usa o truque, com acrise de identidade do personagem. é um malvado bonzinho pra caramba. E tem muitos outros exemplos, claro.
Enfim, você pode até querer acreditar que não julga ninguém com “pré-conceitos”. Que não julga um livro pela capa. Mas sinto lhe informar que é… mentira. Sim, mesmo não conhecendo você pessoalmente. Calma, eu também tô nessa.
Nosso cérebro julga sim, muito antes da gente autorizar ele a fazer isso ou não. Você segura a onda conscientemente, mas julgou, inconscientemente.
O preconceito é uma centelha que se acende espontaneamente em fração de segundo. A moral e a ética, são o sopro.
Mas tudo bem, não se sinta mal, o sopro é a parte mais importante porque é depois dele que nos posicionamos e vamos educando e mudando o mundo.