Histórias são criadas para transpor o senso de presença do espectador para outras realidades, fazendo-o/a imaginar situações irreais, possíveis ou improváveis, mas que tem, como ponto comum, o exercício projetivo de situações (conflitos) na mente de quem assiste, lê, escuta ou joga aquela história.
Podemos considerar a técnica de construção de histórias sob a ótica das clássicas estruturas narrativas; do modelo aristotélico de 3 atos, passando pelo esquema quinário de Gustav Freytag, aos modelos interativos e transmidiáticos discutidos por Jenkins e Scolari. (já falei hoje que ‘Storytelling não é Jornada do Herói‘, né?)
Mas tais projeções não precisam de horas, minutos ou…. muitos segundos para serem criadas.
Um modelo elegante do uso de técnicas de storytelling para conteúdos (realmente) curtos trabalha com a imaginação do público, fazendo-o pensar “o que pode ter acontecido” para se chegar na situação apresentada ou “o que poderá acontecer” se nada for feito e a situação apresentada se desenrolar como está apresentada.
Há um nome para isto: flash fiction.
Para explicar, trago uma historinha e alguns exemplos.
Reza uma lenda urbana que o escritor Ernest Hemingway foi desafiado em uma aposta a escrever um conto usando apenas 6 palavras, o que resultou no maravilhoso texto:
“Vende-se: sapatos de bebê. Nunca usados” (no original: “For sale: baby shoes. Never worn”)
Outros maravilhosos exemplos tirados deste site:
- “Tempo. Inesperadamente, inventei uma máquina do” (Alan Moore)
- “Uma vida inteira pela frente. O tiro veio por trás.” (Cíntia Moscovich)
- “Eu ainda faço café para dois.” (Zak Nelson)
Quando o meio permite imagens, esta construção ganha ainda mais elementos para o mesmo objetivo (fazer com que o público crie, na sua cabeça, por meio da imaginação, o passado ou futuro da história). A imagem faz as pessoas projetarem automaticamente um “movimento no tempo”, ou seja, criam seus próprios acontecimentos prévios ou consequências imediatamente posteriores ao retrato para preencherem as possibilidades passadas e futuras que levaram a tal situação ou que derivarão a partir dela.
Projeção passada:
Projeção futura:
Note que em todos estes casos, há uma sensação de “movimento no tempo”, ou seja, quem os vê começa a imaginar acontecimentos passados ou futuros a partir da imagem. A sua mente trata de ‘criar a história’ atribuindo um passado ou um futuro às imagens.
O processo criativo também passa por imaginar as peças como dinâmicas no tempo, como fotogramas de um filme e não apenas um “retrato fotográfico e estático” de um momento.
Assim vemos que histórias não precisam retratar acontecimentos épicos, com enredos complexos (nem usar jornada do herói), basta ater-se à sua essência de levar as pessoas a um novo mundo, ainda que por poucos segundos.