Aqui começa a nossa viagem pelo Brasil, conhecendo as escritoras brasileiras contemporâneas que enriquecem a nossa literatura nacional. Vale reforçar que isso não é um guia ou um manual definitivo da literatura de cada estado, são algumas das escritoras que li bastante e gostei muito. Claro que existem ainda mais nomes e vocês podem comentar, interagir e participar falando sobre outras nos comentários.
Começaremos o trajeto lá pelo sul do Brasil. Uma homenagem de onde eu vim. Como se eu saísse de lá e fosse, junto com você que lê esse texto, conhecer o resto do país. Bora?
Rio Grande do Sul
O Rio Grande do Sul é um estado com grande influência e presença no mercado editorial brasileiro. É um estado culturalmente forte, que possui uma leva de escritoras de peso e que são reconhecidas não apenas aqui, mas em outros países. Percebi que tenho muitas escritoras gaúchas na estante, então, para não sobrecarregar esse post, selecionei cinco delas.
Natalia Borges Polesso
Eu posso dizer com convicção que ainda não encontrei algo da Natalia que eu não goste. A escrita dela é muito direta e certeira, mas longe de ser uma leitura crua ou simples. É certeira porque tem um olhar de mundo que capta tudo aquilo que geralmente passa batido para a maioria das pessoas e os personagens são retratados de um jeito muito verdadeiro. Natalia tem cinco livros publicados: “Amora” (Dublinense), “Recortes para álbum de fotografia sem gente” (Dublinense), “Pé atrás” (Fresta Editorial), “Coração à corda” (Editora Patuá), “Controle” (Companhia das Letras) e “Corpos Secos” (Alfaguara), esse é co-autora com a Luísa Geisler, Samir de Machado Machado e o Marcelo Ferroni. Se eu tivesse que sugerir a você por onde começar, diria para ir no “Amora”, um livro de contos incrível que fala sobre o amor, ser mulher e ser lésbica. Vencedor do Prêmio Jabuti de 2016 e traduzido para o inglês e espanhol, o livro já ganhou destaque nas listas da Oprah Winfrey como um dos melhores livros de 2020 lá nos Estados Unidos. O conto “Flor, Flores e Ferro retorcido” é uma obra de arte e um tapa na cara muito bem dado, mas todos são uma boa pedida. Recomendo os de poesia para dias mais introspectivos, “Controle” para aquele dia que você quer sentar e devorar uma história em uma sentada, “Corpos Secos” para curtir um terror e ficar levemente neurótica com nosso futuro na pandemia e o “Recortes para álbum de fotografia sem gente” para quando quer saborear algo aos poucos.
Assista a entrevista com a Natalia Borges Polesso no Novas Clarices.
Carol Bensimon
Sabe aqueles livros que você mergulha? A escrita da Carol Bensimon faz você entrar nas histórias, sentir cada detalhe delas. A Carol é mestre em criar o ambiente perfeito para nos inserir. Você consegue visualizar perfeitamente o que está acontecendo e em alguns momentos é possível sentir na pele. Ela publicou os livros: “O clube dos jardineiros de fumaça” (Companhia das Letras), “Todos nós adorávamos cowboys” (Companhia das Letras), “Sinuca embaixo da água (Companhia das Letras), “Pó de parede” (Dublinense) e “Uma estranha na cidade” (Dublinense). É muito difícil escolher um favorito. O “Sinuca embaixo da água” é uma experiência muito interessante porque você tem uma história com diferentes pontos de vista e uma protagonista que nunca é mostrada e sim idealizada pelos outros personagens. O “Clube dos Jardineiros de Fumaça” (Vencedor da Categoria Melhor Romance do Prêmio Jabuti 2018 e Finalista da categoria Melhor Livro do Ano do Prêmio São Paulo de Literatura) e o “Todas nós adorávamos cowboys” vai fazer você querer abandonar tudo e ir viajar. E como estamos no meio de uma pandemia, você viaja pelas páginas mesmo. Já “Uma estranha na cidade”, que fala sobre arquitetura, vai te fazer repensar tudo o que te cerca com alguns questionamentos bem interessantes. E, por último, tem o “Pó de parede”, seu único livro de contos e um conjunto de histórias que vão te fascinar.
Assista a entrevista com a Carol Bensimon no Novas Clarices.
Luisa Geisler
O começo da carreira de escritora da Luisa Geisler foi meteórico. Em 2010, aos 19 anos de idade, venceu o Prêmio Sesc de Literatura na categoria conto com seu livro de estreia, “Contos de Mentira”, que também foi finalista do Prêmio Jabuti no mesmo ano. Aos 20 anos, venceu de novo o Prêmio Sesc de Literatura, dessa vez na categoria Romance. Aos 21 anos, foi a escritora mais jovem da história a fazer parte da antologia “Os melhores jovens escritores brasileiros, editada pela Revista Granta. Não é por menos. Luisa Geisler é incrível porque arrisca muito na sua forma de escrita. É o tipo de pessoa que não tem medo de se jogar de cabeça em algo novo e trazer linguagens diferentes para suas histórias. O livro “De espaços abandonados” (Alfaguara) me fisgou justamente por isso. São fragmentos de histórias que você precisa juntar em um quebra-cabeça que não possui todas as respostas. Um romance que muda de capítulo para capítulo. Por exemplo, tem uma parte em que os capítulos são contados através das respostas de um livro sobre escrita criativa. É o tipo de obra que te faz pensar de onde surgiu a ideia, é criatividade pura. Além desse, Luisa tem mais cinco livros: “Quiçá” (Editora Record), “Contos de Mentira” (Editora Record), “Luzes de emergência se acenderão automaticamente” (Alfaguara), “Enfim, capivaras” (Editora Seguinte) e “Corpos secos” (Alfaguara).
Assista a entrevista com a Luisa Geisler no Novas Clarices.
Eliane Brum
Acho uma pena ter lido somente um dos livros da Eliane Brum. Sou apaixonada por livros-reportagens e o “A vida que ninguém vê” (Arquipélago Editorial) é completamente o oposto do que a gente acaba vendo na maioria deles. Neste livro, não temos uma história grande, mas um compilado de pequenas histórias do cotidiano. Histórias que passam por nós na rua, no aeroporto, no ônibus, onde estamos tão ocupados e distraídos e perdidos em pensamentos que nem notamos. A forma como a Eliane conta é tão poética, bonita e interessante quanto as narrativas que ela escolhe. Você sai por aí querendo fazer o mesmo. Acho que se você quer escrever, é uma daquelas leituras muito importantes. Suas outras publicações são: “A menina quebrada” (Arquipélago Editorial), “Meus desacontecimentos” (Leya),“Uma duas” (Leya), “O olho da rua” (Globo), “Coluna Prestes: o avesso da lenda” (Artes & Ofícios) e “Brasil, construtor de ruínas” (Arquipélago Editorial).
Julia Dantas
A gaúcha Julia Dantas tem um livro publicado, “Ruína y leveza” (Dublinense), finalista do Prêmio Açorianos e do Prêmio São Paulo de Literatura. Um livro que me pegou muito desprevenida. Porque o primeiro capítulo é daqueles que te faz passar mal, sofrer porque precisa ler mais um e depois mais um e depois mais um até o final do livro. Todos sabemos da importância de uma excelente primeira página em uma obra e a Julia não deixa a desejar ao contar a história da Sara, uma mulher que resolve botar uma mochila nas costas e conhecer a América do Sul. E por mais neurótica e medrosa que uma pessoa seja, é impossível não ter vontade de fazer o mesmo, de se encontrar enquanto se perde nesse mundão. Sabe aqueles momentos que o mundo parece pesado demais para nós? Esse é o livro perfeito para se refugiar e relaxar. Além desse, a Julia foi a organizadora de uma coletânea de contos com vários autores chamado “Fake fiction: contos sobre um Brasil onde tudo pode ser verdade”, recém-lançado pela Editora Dublinense, que eu ainda não li mas que já está me esperando ao lado da cama.
Santa Catarina
Santa Catarina é um estado que tenho muito carinho porque meu marido é de lá. Mas ao olhar a minha lista de leituras, percebi que eram poucas escritoras catarinenses que eu já tinha lido. E apesar do foco dessa série ser escritoras contemporâneas, acho que vale a pena fazer uma menção honrosa para Ruth Laus, que nasceu em 1920 e morreu em 2007. Ela tem várias obras publicadas, mas recentemente eu li “Relações”, um livro de contos muito bom que encontrei em um sebo lá em Jaraguá do Sul, cidade do meu marido, e que traz em várias das histórias esse lance da solidão e de se apagar e viver pelos outros. Foi uma boa descoberta, até porque a achei muito moderna em diferentes assuntos. Mas vamos para as contemporâneas.
Catarina Lins
A primeira vez que tive algum contato com o trabalho da Catarina foi no começo do ano na Revista Época, quando ela foi uma das escolhidas para uma edição literária especial da revista. Lembro de ter adorado o poema dela. Depois fui atrás de suas obras e fiquei ainda mais admirada. Eu li “Teatro do Mundo” (7Letras), finalista do Prêmio Jabuti 2018, e ele é maravilhoso. A obra inteira é um único poema que te mergulha em pensamentos e sentimentos. Ao começar, tive a impressão que me afogaria em tudo aquilo, parecia uma enxurrada, tantas coisas que me cercavam na leitura que precisei de um tempo para absorver a intensidade daquilo tudo. Abriu a minha cabeça e foi me conquistando aos poucos. Quando você for ler, essa é a minha dica: se jogue nessas águas sem saber o que esperar. Além de “Teatro do Mundo”, Catarina publicou outros três livros: “Músculo” (7Letras), “Parvo orifício” (Editora Garupa), “Na capital sul-americana do porco light” (7Letras).
Beatriz Luz
Mais uma poeta e mais uma leitura que foi uma grata surpresa. A obra que li se chama “Vidapedra” (7Letras), mas ela também possui outras duas: “Medersa” (7Letras), e “Nepentes” (7Letras). Uma das coisas que mais gostei foi o fato dela usar muitas referências mitológicas, principalmente gregas, que é uma das minhas paixões. É uma leitura de muitas camadas em poemas curtos e diretos. Prova de que uma história imensa pode caber em poucas linhas e de que o cotidiano tem muitas nuances disponíveis para quem ousa enxergá-lo com outros olhos.
Marli Walker
Aqui, fica uma indicação que não é minha e sim da incrível escritora Gisele Mirabai. O livro “Coração Madeira” (Carlini e Caniato Editorial), da escritora Marli Walker, foi o escolhido por ela durante a entrevista para o Novas Clarices lá no Instagram e ela fala sobre ele com tanta paixão que é muito difícil ficar indiferente. A entrevista está salva no IGTV do Novas Clarices e você pode assistir aqui. A escritora também já publicou outros quatro livros de poemas: “Pó de Serra” (Carlini e Caniato Editorial), “Águas de Encantação”, “Apesar do Amor” (Carlini e Caniato Editorial), e “Jardim de Ossos”.
Paraná
Chegamos ao meu estado. O Paraná, assim como Santa Catarina, também possui uma menção honrosa que acho muito especial: Helena Kolody, uma poeta que era incrível com haicais. “Poesia mínima” tem e sempre terá um espaço dentro da minha estante. Seguimos para as contemporâneas.
Alice Ruiz S.
O que acho incrível na Alice é que, além de uma poeta poderosa, ela é uma mulher que não tem medo de expor suas opiniões. Assisti uma palestra dela na Balada Literária em São Paulo e fiquei bastante impressionada e saí de lá como uma grande fã. Alice Ruiz tem mais de 20 livros publicados, um número exorbitante. Li “Dois em um” (Iluminuras), vencedor do Prêmio Jabuti de 2009, e adorei. É um dos meus livros mais riscados, com post-its para todos os lados. Sempre que preciso de uma dose de poesia na vida, é pra lá que eu corro e relaxo.
Luci Collin
A paranaense Luci Collin é a responsável por uma das minhas leituras favoritas de 2020, o livro “Nossa Senhora D’aqui” (Arte & Letra). Não é uma leitura convencional, longe disso, e é justamente o que mais me encanta nela. É sensacional e muito corajoso quando um autor abraça a ideia de que o leitor não precisa entender tudo, de que a confusão é tão poderosa quanto entender cada linha escrita. A história gira em torno das mesmas pessoas sendo descritas e observadas entre si. Faz você pensar muito sobre o que é verdade ou não e como o mundo molda as pessoas. Uma leitura imperdível. Além desse, a Luci tem mais 22 livros publicados entre os gêneros poesia, contos e romance.
Giovana Madalosso
Giovana Madalosso é um nome que tem muito peso dentro da literatura contemporânea nacional. Foi a primeira autora paranaense que li, ainda no seu livro de estreia, “A Teta Racional” (Grua Livros), um livro que me encantou com contos incríveis. Lembro de ter achado sensacional ver uma autora curitibana, da minha cidade natal. Às vezes, temos a estranha sensação de achar que ser escritor é algo muito distante e impossível. Mas não, é possível e mais próximo do que imaginamos. Giovana também tem mais dois romances, publicados pela Todavia: “Tudo pode ser roubado” e “Suíte Tóquio”. Li todos os seus três livros e faço questão de indicar para todo mundo. O interessante do trabalho dela é a habilidade que a sua escrita tem de nos prender nas páginas, nos enchendo de perguntas que precisam de respostas. O resultado disso são livros que são devorados em pouco tempo. Entrevistei a Giovana no Novas Clarices e, entre tantas coisas interessantes que ela disse, uma delas me chamou muita atenção: “A gente vive em um mundo com tanta certeza de tudo. Os posts sempre têm tanta certeza. E a literatura não tá aí, ainda bem por isso que amo ela, para dar um monte de certezas. A literatura está aí para trazer dúvida”. Se você não leu nada dela ainda, recomendo começar com “Suíte Tóquio”. Mas recomendo ainda mais que você leia todos os três.
Assista a entrevista com a Giovana Madalosso no Novas Clarices.
Ana Guadalupe
Ana Guadalupe nasceu em Londrina e é poeta. Ela tem três livros publicados: “Relógio de pulso” (7Letras), “Preocupações” (Macondo) e “Não conheço ninguém que não seja artista” (Confeitaria). E é justamente sobre esse último que gostaria de destacar. O incrível nesta obra é que não temos apenas os poemas, e sim uma conversa entre poesia e fotografia através do trabalho de Camila Svenson. É o cotidiano cru, completamente exposto para nós, mostrando que não é necessário algo rebuscado para nos laçar. É como colocar uma lente dentro da própria vida e ver algo novo ali, no dia a dia. Algo que nem sempre é belo ou especial ou incomum. É o encantamento no comum, na reflexão da vida em toda sua trajetória e não apenas em seus pontos mais alegres.
Chegou ao fim o post sobre as escritoras da região Sul. Mas a sua viagem pela região está só começando. Espero que você se divirta com as leituras destas escritoras maravilhosas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. E depois me conte o que achou, combinado?
No próximo post, iremos continuar a viagem juntos pela região Sudeste. Até logo!
A Karen Soarele é uma gaúcha radicada ( nasceu em MS), mas mora há anos no Sul. Não sei se encaixaria nos parâmetros, mas o trabalho de literatura de fantasia dela é bem interessante. Parabéns pela lista, Rafaela!
Oba, fiquei curiosa. Já vou procurar mais sobre ela. Obrigada por compartilhar. =)
Adorei o post Rafaela, super completo e informativo. E mais uma vez, parabéns pela iniciativa de trazer à tona esses novos nomes da literatura nacional.
Muito obrigada, Wagner. É incrível quantas autoras novas estou encontrando nessa viagem. Obrigada pela oportunidade.