Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Saindo da região Sudeste, finalmente chegamos ao Centro-Oeste.

Apesar de lenta – escolho cada escritora com carinho, com muita pesquisa e leio todos os livros com atenção – essa trajetória tem sido incrível e de descobertas maravilhosas. Além de reencontrar autoras já conhecidas, também tive a sorte de cruzar com outras que fizeram muita diferença nas minhas leituras e ganharam espaço cativo na estante. Preparados para a viagem?

Distrito Federal

Grande parte das autoras que eu achava que eram do Distrito Federal, na verdade tinham nascido em outros estados e só moravam por lá. O que causou um desfalque bem grande na minha lista inicial. Mas não impediu de selecionar duas escritoras incríveis por aqui.

Isabella de Andrade

Conheci a Isa antes de conhecer os seus livros. Fizemos um curso juntas e eu adorei o jeito que ela escreve. Por isso, lógico que fui correndo atrás de tudo o que ela já havia publicado. O seu primeiro livro é o “Veracidade” (Editora Patuá), que tem uma característica que eu prezo muito em minhas leituras: experimentação. São cartas trocadas entre duas pessoas, com repetição e um ritmo muito bom, onde acompanhamos a trajetória delas. E o seu segundo é o “Pelos olhos de ver o mar” (Editora Patuá). É o meu favorito porque é aquele livro capaz de nos afogar em sensações. Eu quase podia sentir o cheiro de maresia que impregnava as paredes do teatro onde essas três mulheres vivem e se relacionam. Avó, mãe e filha encontram na arte formas de lidar com a própria vida. Acho que a melhor forma de definir a escrita da Isabella é assim: uma leitura que tem gosto. Porque as sensações são tão fortes que você pode senti-las.

Assista a entrevista com a Isabella de Andrade no Novas Clarices.

Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Aline Valek

Aline não nasceu no Distrito Federal. Mas na entrevista que ela no ano passado para o Novas Clarices, me contou que Brasília é a sua cidade desde criança e, por isso, escolhi colocá-la aqui. Eu adoro as obras da Aline porque têm sempre um elemento nada convencional que me surpreende. É possível visualizar seus personagens além da história, sinto que poderia encontrar com elas na vida real em um bar, no metrô, na rua. Em “As águas-vivas não sabem de si” (Editora Rocco) conhecemos a Corina, uma mergulhadora que precisa testar um traje nas profundezas do mar. Ali, junto com o resto da equipe, além de lidar com a pressão do trabalho, precisa lidar com os seus próprios problemas. E aqui eu paro para não escapar nenhum spoiler. Em “Cidades afundam em dias normais” (Editora Rocco), temos a história da Kênia, uma antiga moradora de Alto do Oeste, uma cidade no meio do Cerrado, que foi engolida pelo lago. Quando volta para a cidade, ela misteriosamente emerge de novo para a superfície. São duas obras que eu adoro e sempre indico.

Assista a entrevista com a Isabella de Andrade no Novas Clarices.

Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Mato Grosso

Chegamos em Mato Grosso, onde eu percebi que a minha lista de escritoras estava vazia. E foi justamente aqui que eu tive uma das minhas leituras favoritas! E isso me fez pensar bastante em como, sem nem perceber, acabamos deixando alguns lugares de lado. Mas é justamente por isso que surgiu o Novas Clarices e essa viagem pelo Brasil por meio das escritoras brasileiras. Vamos conhecer as mulheres mato-grossenses?

Divanize Carbonieri

Vocês já tiveram fases em que fica difícil de ler? Eu nunca tive tanto isso quanto nessa quarentena. E foi justamente o “Passagem estreita” (Editora Carlini e Caniato) que me ajudou a voltar a focar nas leituras, um livro espetacular e maravilhoso. São contos que trazem um aspecto sufocante, alguns com histórias mais fantasiosas e outros com uma pegada muito real. São contos de mulheres que lutam para sobreviver e guardar dentro de si toda a sua essência. Pesquisando mais sobre a autora descobri que ela possui outros livros, que eu vou correndo comprar para ler logo. Divanize foi um encontro incrível.

Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Lucinda Persona

A Lucinda, na verdade, nasceu no Paraná, mas pesquisando sobre ela, descobri que ela mora há muito tempo em Mato Grosso e tem uma cadeira na Academia Mato-Grossense de Letras. Por isso, acabei trazendo-a para cá. Ela tem vários livros, eu li “Tempo comum” (Editora 7 letras) e gostei muito. Neste livro, Lucina traz, com uma precisão quase cirúrgica, um olhar afiado e poético sobre as coisas mais banais da nossa vida. São objetos, sentimentos, momentos cotidianos e pensamentos que são expostos para nós em uma visão muito interessante. Gosto também quando ela fala sobre o ato de escrever, do que é a poesia, é impossível não sentir a paixão e a devoção dela com isso. 

Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Mato Grosso do Sul

Mato Grosso do Sul é outro estado que preciso conhecer mais autoras, e não quero parar por aqui nessa busca. Afinal, esta não é uma lista fechada, e sim um percurso.

Raquel Naveira

Cheguei ao livro “Portão de ferro” (Editora Escrituras) meio ao acaso e fiquei muito curiosa para ler. Foi uma leitura muito interessante, onde os poemas trazem fases e momentos diferentes da autora. Em alguns, nos mostra um olhar infantil que passeia e redescobre os costumes e manias da própria cidade, em outros abre seus sentimentos mais adultos como a paixão e, ainda, nos revela uma terceira vertente que é a da criatividade, em que sai do seu lugar para nos mostrar novos olhares. Adorei.

Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Tânia Souza

Conheci a Tânia em uma conversa no Instagram e li o seu “Entre as rendas dos ossos e outros sonhos desabitados” (Mulherio das letras / Editora Venas Abiertas). O que achei muito legal no trabalho da Tânia é como ela fala sobre a sua região e a sua vida, mostrando desde detalhes específicos até fragmentos do cotidiano, como por exemplo esperar um ônibus no ponto. Temos a tendência de pensar que a poesia só vem com grandes sentimentos, mas há muita beleza nas miudezas e é isso que a Tânia tem a nos mostrar.

Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Goiás

É impossível falar de Goiás sem fazer uma menção honrosa: Cora Coralina. Eu tenho verdadeira paixão por ela e sinto que, toda vez que abro um dos seus livros, ela me esquenta a alma de forma lenta, como acontece quando nos aquecemos perto de um fogão. Em uma das resenhas lá no Novas Clarices falei que ler Cora Coralina é como ter ela na cozinha, tomando café e contando sobre a sua vida. A história de vida dela é muito interessante: publicou seu primeiro livro aos 76 anos. E isso é um alento para a nossa geração imediatista que acredita que aos 30 anos precisa de cinco livros publicados. A escrita é um caminho que não é igual para todos. Agora, vamos para as autoras contemporâneas. 

Augusta Faro

Eu não conhecia a Augusta Faro e na verdade encontrei seu livro “A friagem” enquanto pesquisava algumas escritoras. O que me chamou a atenção inicialmente foi a pintura na capa, uma mulher olhando para algo que não vemos com uma cara de choque. Em boa parte dos contos do livro foi justamente assim que eu fiquei. Para mim, o primeiro conto, chamado “Formigas”, é muito muito muito bom pela sensação de absurdo que ele traz. Eu acho muito difícil alguém não se encantar por essa escrita. 

Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Thaise Monteiro

Os poemas da Thaise são daqueles que você não consegue ler um seguido do outro, porque é necessário o intervalo para absorver o que acaba de acontecer. É necessário respirar fundo e repassar, linha por linha, o que foi dito. Não porque é complicado, longe disso, a escrita é de uma simplicidade linda, mas porque é tão bom que não pode ser engolido de uma vez só. “Modus Operandi” é um livro de poesia que é de uma beleza ímpar. A poesia que dá nome ao livro é uma das minhas favoritas. Percebi que aquelas que falam sobre escrita foram as que mais me tocaram. Quer um exemplo? “Muitos dos livros / enfeitam camadas da pele / Estante (s.f) sequência vertical / de ossos da costela / que apoiam as carnes / que um dia serão lidas”. 

Uma viagem pela região Centro-Oeste por meio de suas escritoras

Chegou ao fim a nossa viagem pelo Centro-Oeste. Espero que vocês tenham gostado das dicas e das escritoras. Agora, é só ler os livros para a viagem ficar mais completa. Se você tem mais escritoras da região Centro-Oeste para indicar, comente abaixo. É sempre uma alegria conhecer e divulgar cada vez mais autoras pelo Brasil.

No próximo post estaremos na Região Nordeste. E como lá tem muitos estados e muitas dicas para compartilhar com vocês, vou dividir a viagem pela região em duas partes. Até lá!

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