O jornalista Chuck Tatum (Kirk Douglas) entra na redação de um pequeno jornal em Albuquerque, no Novo México, e pede um emprego já dizendo que espera sair dali em alguns meses. Mesmo precisando do dinheiro, ele é grande demais para esse tipo trabalho. Depois de um ano, ele é mandado para cobrir um evento sem nenhuma importância, e por um golpe de sorte no meio do caminho, descobre que um homem está soterrado dentro de uma caverna na Montanha dos Sete Abutres.
Tatum vê uma oportunidade de ouro. Inventa que a tal montanha é amaldiçoada e cria um circo em torno da história do homem. Seus artigos sensacionalistas disparam a curiosidade da população. Em pouco tempo, o que deveria ser um resgate simples torna-se um enorme show midiático.
Dirigido por Billy Wilder, ”A Montanha dos Sete Abutres” (Ace in the Hole, 1951) é por cima uma sátira afiada sobre a influência dos meios de comunicação na vida das pessoas. A envergadura que o roteiro do próprio Wilder traça para Tatum expõe o lado sujo das organizações que deveriam ser pautadas pela ética.
A frase que abre o filme ( “diga sempre a verdade”) serve como um ideal inatingível.
O mundo desenhando a partir de um veículo de informação é frágil, bobo, sujo, corrupto e nenhum pouco humano. Wilder sabe que as instituições são feitas de pessoas e, por isso, trata de deixar claro como elas corrompem o próprio sistema. Tatum é o representante principal, mas toda e qualquer pessoa que age sempre de olho nos seus benefícios colabora para que o mundo se torne pior.
Mesmo nos momentos exagerados, Billy Wilder segura o filme com uma direção muito sóbria, muito ciente do seu alvo e em enxergá-lo completamente nu de uma moral ou julgamento. Tatum não tem escrúpulos, é verdade. Mas na pele dele nós faríamos diferente até que ponto?
A dúvida é sutil porque o interesse não é elencar apenas os jornalistas corruptos como fontes da degradação. O público também compra esse sistema de enganação, também o alimenta com um interesse supérfluo, infantil.
A imprensa voltaria a ser duramente criticada no poderoso “Rede de Intrigas”, de Sidney Lumet, e o próprio Wilder voltaria ao tema em “A primeira página”. Outro filme interessantíssimo sobre o tema – e que certamente espelha o filme de Wilder – é “O Abutre”, de Dan Gilroy.
Billy Wilder nunca foi um cineasta de um gênero só. Um verdadeiro gênio do cinema, fez “Crepúsculo dos Deuses”, “Quanto Mais Quente Melhor”, “Se Meu Apartamento Falasse”, “Testemunha de Acusação” e mais uma penca de filmes lendários. Das comédias ao drama, o ponto de intersecção entre cada obra talvez seja o interesse para saber como as pessoas reagem quando tudo parece dar errado. Esse instinto de sobrevivência que cria um desejo incontrolável e dispara os mais variados sentimentos. De repente, você está completamente tomado por uma vontade que nunca sentiu antes. Nós somos o que desejamos.
Em “A Montanha dos Sete Abutres”, Tatum é a própria maldição da montanha. E como o animal que dá nome ao lugar, rodeia suas vítimas buscando entender o estranho sentimento de redenção que lhe assalta no exato momento que tem o que sempre quis.