Você vai comprar uma cafeteira na internet e a pesquisa no site de vendas online retorna vários modelos diferentes.
Como você escolhe?
Com a opinião de outras pessoas que também estão/estavam na mesma missão de comprar uma cafeteira.
Em teoria, são elas a sua fonte mais autêntica e confiável, afinal são pessoas exatamente como você. “O café sai meio frio” é um tipo de informação que você só consegue assim, através de outro consumidor.
E você, depois de receber seu produto e experimentá-lo por uns dias, também vai poder contribuir com outras pessoas compartilhando suas impressões sobre a sua cafeteira nova. É um pacto entre consumidores sem precedentes e com grande impacto no consumo de bens e serviços em todo o mundo.
No entanto, como em muitas áreas da Internet, embora a maioria das pessoas sejam bem-intencionados, também existem os que escrevem reviews falsos (e obviamente positivos) remunerados. E bots.
É o amor à venda.
Como diria o Cole Porter (ou Boney M)…
(1’50”) (…) love for sale,
Appetising young love for sale.
Love that’s fresh and still unspoiled,
Love that’s only slightly soiled,
Love for sale.
Who will buy?
Who would like to sample my supply?
Who’s prepared to pay the price,
For a trip to paradise?
Love for sale (…)
E esse problema está afetando significativamente a autenticidade do comércio eletrônico, que não é responsável pela prática. Pelo contrário, também são vítimas de vendedores inescrupulosos que colocam em cheque a credibilidade do site inteiro e acabam prejudicando a receita.
Usando dados oficiais e autorrelatos dos principais sites de comércio eletrônico do mundo (incluindo a Amazon, Trip Advisor, Yelp e TrustPilot), sabe-se que as avaliações influenciam diretamente US$3.8 trilhões em vendas. E como em média 4% dessas avaliações são falsas, US$152 bilhões são movimentados diretamente por elas.
Por que as avaliações falsas são tão utilizadas?
ROI. O famoso retorno sobre investimento.
Só pra você ter uma ideia, uma estrela extra na classificação Yelp de um restaurante pode aumentar a receita de 5% a 9% . A Federal Trade Commission demonstrou que o investimento em avaliações falsas podem render até 20 vezes mais. A cada dólar pago para um picareta escrever um review, o vendedor ganha 20 dólares em vendas.
Por exemplo, em um processo judicial contra a Legacy Learning Systems Inc., a empresa foi obrigada a abrir sua contabilidade e foi descoberto que um investimento de US$ 250.000 em avaliações falsas gerou mais de US$ 5 milhões em vendas.
A implantação de avaliações falsas causa uma súbita elevação de curto prazo em posições de busca orgânica e distorções nas classificações de vendas que duram quatro semanas , mesmo após a exclusão ou detecção. E, ao usar avaliações falsas, os agentes mal-intencionados podem “autofinanciar” sua reputação com informações falsas.
Em geral, a eventual eliminação e dissipação das distorções no ranking geral causadas por avaliações falsas pode demorar cerca de 100 dias, dando aos fraudadores tempo mais do que suficiente para obter lucro. Como outros mercados online, como a fraude publicitária , os benefícios econômicos superam os riscos e custos de ser pego. Isso incentiva os maus atores e o crescimento contínuo dessa economia subterrânea.
A comercialização de avaliações online falsas são tão recorrentes que já seguem uma espécie de tabela. Os pagamentos vão de 25 centavos a US $ 100 por revisão. O esquema inclue até grupos privados para solicitar aos compradores reais uma avaliação de cinco estrelas em troca de algum cashback ou mesmo um reembolso total. Alguns ainda acrescentam uma comissão de 5 a 10 dólares.
Vamos deixar esses dados mais mastigadinhos vai: vamos supor que você comprou sua cafeteira por 300 reais. Alguns dias depois, você recebe um email todo simpático do vendedor com uma proposta: você fica com a sua cafeteira e eles devolvem os 300 reais. Que bonzinhos!
Tudo o que você precisa fazer é uma avaliação 5 estrelas!! Isso mostra (1) o valor e credibilidade dessas avaliações e (2) o quanto esses 300 reais retornam em reputação do vendedor e em novas vendas (como vimos acima, até 20x mais).
Uma operação automatizada pode gerar um número ilimitado de avaliações falsas em todo o cenário do comércio eletrônico – e nem mesmo requer habilidades de programação.
A mesma prática é comum no mkt de influência
Vale lembrar que essa mesma prática é AMPLAMENTE utilizada no famigerado marketing de influência.
Nos últimos meses percebe-se um esforço enorme para tentar recuperar um pouco de credibilidade, afinal todo mundo já percebeu que influenciadores são extremamente bem remunerados para promover produtos. E eles, por sua vez, são promovidos por métricas facilmente manipuláveis.
E que likes e seguidores podem ser comprados aos milhares por poucos reais. Até pessoas normais compram na esperança de melhorarem seus “rankings sociais”, seja por vaidade ou por tentar chamar a atenção das marcas.
Faça o teste e coloque “venda de seguidores” lá no Google, por exemplo. Você vai ver uma enxurrada de gente vendendo o amor digital. Promoções e promoções.
Por que nós, usuários, também precisamos lutar contra essa praga?
Na lista da credibilidade, seu vizinho (ou amigo, ou parente ou alguém comum) ocupa a primeira posição. É a confiança no igual. Nosso recurso mais valioso no grande mecanismo do consumo. Nada é mais real e portanto, confiável. Ao praticar esse tipo de “venda de opinião” em forma de avaliações, likes ou como seguidor, minamos nossa reputação. Primeiro como indivíduos, depois como consumidores/usuários e finalmente destruindo por completo esse recurso que o mundo em rede nos proporcionou.
Seja rigoroso em toda e qualquer manifestação online, mesmo que seja através de um singelo like. Use esse “poder” com inteligência e critério. Pode parecer pouco, mas lembre-se que na internet os “poucos” se somam rapidamente.