Aprenda a discordar usando a lógica do papel-higiênico

Aprenda a discordar usando a lógica do papel-higiênico Aprenda a discordar usando a lógica do papel-higiênico

Por cima!

60% das pessoas têm a certeza absoluta que o certo é o estilo “cachoeira”, com o papel saindo por cima. É mais fácil achar a ponta, dá pra rasgar certinho no picote, não fica raspando a mão na parede (menos bactérias!) e hotéis podem sinalizar aos seus hóspedes que o banheiro foi higienizado, com dobras elaboradas ou colando selinhos.

Por baixo!

Os outros 40% acham esses 60% uns loucos e estão certos que o melhor é por baixo. O “caimento” é melhor, o papel não fica sobrando, gatos e crianças não conseguem desenrolar um monte de papel e basta uma puxadinha para rasgar um quadradinho, porque para baixo tem mais tração.

Mas, afinal, quem está certo e quem está errado?

Todo mundo. Não tem certo nem errado.

O papel higiênico é seu, e você usa do jeito que quiser. É uma decisão totalmente pessoal, influenciada apenas por hábitos, com as duas maneiras suportadas por motivos bastante pertinentes.

Por que isso interessa?

Essa questão bizarra do papel-higiênico serve como dinâmica para colocar o foco na nossa habilidade de argumentação e não para se chegar a uma resposta, já que não tem o certo nem o errado.

Por exemplo, o professor de sociologia Edgar Alan Burns, do Eastern Institute of Technology Sociology, usa esse truque no primeiro dia de aula. Ele pergunta aos seus alunos:

“Como vocês acham que o papel higiênico deve ser colocado?”

E nos 50 minutos seguintes, os alunos naturalmente começam a avaliar os MOTIVOS para suas respostas e acabam chegando sozinhos a questões sociais muito maiores como:

• diferenças de papéis sociais entre homens e mulheres

• diferenças entre comportamentos públicos e privados

• diferenças entre classes sociais

• etc

São relações de construção social que nunca pararam para pensar antes, mas que agora, sem que ninguém os orientasse, conseguiram enxergar.

Sozinhos, começaram a raciocinar e perceberam correlações e fatos. E, principalmente, começaram a argumentar.

No dia-a-dia, quase nunca fazemos isso. Geralmente, tomamos um partido e passamos a defendê-lo de forma passional, enxergando só o que nos interessa.

Somos bons de discutir, mas ruins para argumentar. Piores ainda para mudar de ideia.

Mais para o boxe do que para o tênis.

O que parece ser uma estratégia não muito inteligente para encarar essa nova sociedade em que conversamos com muito mais gente, sobre muito mais coisas, todo santo dia.

Aprendendo a discordar

A aula do papel-higiênico devia ser dada de cara para crianças.

A escola ensina que existe o certo e o errado, e dá notas baseadas nisso. Mas podia estimular abordagens diferentes, habilidade de argumentação, capacidade de deduzir (algumas já fazem, eu sei, mas a maioria ainda não).
Do mesmo jeito que tem nota para as melhores respostas, deveria ter para as melhores perguntas também.

Senão a gente vai continuar crescendo com essa mania de preferir estar certo do que aprender algo novo, do que parar pra pensar e repensar sempre. Aproveitar a bagagem e o raciocínio do outro.

Já reparou como a maioria dos comentários feitos todos os dias na internet não tem elaboração nenhuma? Ou é genial ou é a coisa mais estúpida que já se viu em toda a a história da humanidade.

O programador Paul Grahan fez um gráfico bacana, que mostra a “Hierarquia da Discordância”, do mais ao menos elegante, do mais ao menos eficiente.

Aprenda a discordar usando a lógica do papel-higiênico

O design thinking é isso. A maneira de pensar de um designer não é a do certo ou do errado, porque não existe certo ou errado na hora de projetar um bule de café. Mas existe o melhor, o mais eficiente. É uma maneira de pensar em que se evolui a realidade.

Quem sabe um dia a gente consegue argumentar sobre futebol, política e religião. Dizem que não se discute, mas a recomendação só existe porque somos meio trogloditas.

142 comments
  1. Dá pra marcar o presidente na república neste teto cheio de palavras? Acho que ele tá precisando aprender a não atacar a preferência sexual de quem o questiona e ater-se ao tema que foi perguntado, e quem sabe até responder as perguntas que lhe são feitas…

  2. É o mesmo dilema da partição do ovo,na história de Gulliver,onde o rei de Liliput discute e entra em guerra com outro reinado,dos Blefuscus,e essa discórdia apenas fomentada pela discordância em se partir os ovos,de um lado pela parte mais fina,e de outro,pela parte mais grossa.

  3. Nossa cultura privilegia ídolos e ideologias, forçando a divisão das pessoas em blocos, com bandeiras e máximas, mandamentos e verdades absolutas, que os levam a vender suas almas ao fundamentalismo… leia-se os times, igrejas e partidos políticos, sobre os quais se prega a falsa “ideia” de nunca se falar a respeito. Pq? Afinal, existe um lado certo?!

  4. O texto é interessante, embora seja simples. As ideias são semelhantes a frutas em dia de feira. Escolhemos aquelas que nos agrada e o restante delas é o feirante que se comprometerá com isso. Um bom debate ( ou conversa) requer bons argumentos e para obter bons argumentos? É claro que todos têm uma receitinha. E por que não colocá-la em prática, uma vez que argumenta-se mal?

  5. Que texto sensacional!!!

    Pois é… eu não tenho argumento para justificar a minha concordância com cada frase do que acabo de ler (e olha que eu costumo ser boa nesse exercício de diálogo, questionamentos e argumentações!), mas só posso dizer OBRIGADA!
    Vc brilhou de novo, Wagner!

    1. Ótimo texto. Depois de amadurecer aprendi a não defender a certeza, sempre tento ver pelos dois ou mais lados do prisma. Percebi que vencer uma discussão é menos proveitoso que aprender com ela.

  6. Se for analisar o texto após o jumping, para mim, está claro que estamos falando de ética e de como ela deve ser aplicada no nosso dia a dia. Se assistirmos algumas das palestras sobre ética, do professor Clóvis de Barros Filho, ficará ainda mais claro, pois entra A, B, C e D o mais “ético” é aquilo que mais agrada e menos desagrada a todos. O elo entre a convivência feliz está no bom senso.

  7. Já li esse post umas 9 vezes e, vez ou outra, volto aqui para ver se mudo de opinião mais uma vez…mudar de opinião é a única forma de sustentar um brilhante ponto de vista: o certo é transitório. Esteja certo na hora certa! Valeu por mais esse ensinamento, grande Wagner! Abs

  8. Numa sala de aula, os alunos não argumentam porque o professores não ofereceu as ferramentas para isso e o aluno não foi acostumado para isso. O que acontece muito, frequentemente, por exemplo na minha disciplina, física, é que sem ferramentas ou tecnologia para discutir a nível conceitual, os alunos não concordam e acabam não entendendo nada ou acabam tendo muitas contradições com o discurso oficial do professor… Por isso os alunos desistem the carreira científica e decorem as fórmulas afim de tentar, pelo menos tirar média sem entender nada the física. E assim a física permanece uma das disciplinas mais odiada the escola…

  9. Começo a ler o feed. Na minha cabeça: "Porra, esse post é bom hein. Só pode ser do Wagner." Subo a rolagem pra confirmar. Fato, é do Wagner. – Isso acontece praticamente com todos os seus posts. Mais uma vez parabéns por trazer bons assuntos à blogosfera.

  10. Esse teu texto me fez lembrar muito o método Paulo Freire, o alfabetizador popular que usa a conscientização e a argumentação como didática enfrentando a cartilha e o "saber-de-quem-sabe" contra o "vazio-de-quem-não-sabe Como ele mesmo dizia: "Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção" Eu pergunto: Será que existe um espaço pra procurar entender até que ponto não tá na hora de repensarmos nossa vida social e levar esses ensinamentos de Paulo Freire não só para os analfabetos mas para uma discussão mais compartilhada para as nossas vidas, nossos trabalhos e nossos mundos…

  11. Muito interessante o seu texto e a argumentação. Eu acredito que ensinar só "o certo e o errado" inibe sobremaneira a criatividade do indivíduo.

    Quanto ao grande designer Don Norman, acho que ele resolveu outro grande problema: o rolo de papel não deveria ser instalado na parede atrás do vaso, pois o acesso é dificultado (ainda mais quando alguém dos 40% instala o rolo erroneamente). Se não existe uma parede lateral ao vaso, o dispositivo ali mostrado é muito útil; e vê-se também que Norman é dos 60%…

    Agora, quanto aos gatos, eles não deveriam ser permitidos dentro de casa… :-)

    Abraços (de alguém que cresceu ouvindo o que era certo e o que era errado),

  12. A base the pirâmide vem sendo usada de forma intensa principalmente depois the "sociedade do culto ao amador". Discordo que precisemos recorrer a uma citação toda vez que formos argumentar sobre algo, mas ficar só no "você é um porco fedido" é vexatório. Ótimo post!

    1. ótimo! Tenho um truque sobre isso: experimente usar o "pra quê?" ao invés do "por que?". Parece uma mudança boba mas é impressionante como o segundo faz as pessoas pensarem mais em propósitos e menos em motivos ;) Experimenta pra vc ver.

  13. wagner! que surpresa te ver aqui. esses dias curti o update or die mas não sabia que você era fundador.
    concordo muito que um bom argumento é ainda mais convincente que estar certo!
    ótimo texto! aplicando com o rapazinho aqui de casa.
    beijo.

  14. "Senão a gente vai continuar crescendo com essa mania de preferir estar certo do que aprender algo novo, do que parar pra pensar e repensar sempre. Aproveitar a bagagem e o raciocínio do outro."

    É isso.

    1. Desde que seja uma discussão saudável…já é uma forma de argumentação:
      O pior é…conseguir que, que outros mudem as suas ideias, para melhor, claro!

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