Coldplay em São Paulo

Coldplay em São Paulo Coldplay em São Paulo

Quando eu tinha 14, 15 anos, meu professor de química emprestou um DVD a uma das minhas primas, que chamou todo mundo pra assistir. Era um show de ​​A Rush of Blood to the Head, o segundo disco do Coldplay, e provavelmente o melhor trabalho lançado por eles até hoje. 

Não que rankear as músicas do grupo seja relevante para as 75 mil pessoas presentes no Estádio do Morumbi, em São Paulo. A segunda noite, de uma maratona de onze shows, foi agradavelmente previsível: muita pirotecnia, muita luz, e um setlist cuidadoso para agradar todo tipo de fã. 

A abertura é feita com Flying Theme, o famoso tema escrito por John Williams para E.T, o extraterrestre. Esse tom dado por filme bem sessão da tarde envolve o show inteiro porque é isso que o Coldplay quer: tornar o mundo tão leve, inocente e puro quanto uma criança assistindo filmes no meio da tarde. Esqueça seus problemas. É hora de voltar muitos anos no tempo – para quem já é mais velho – ou esticar a juventude – para quem é bem mais novo. 

A viagem temporal segue com Higher Power, do último disco e também o nome da turnê, Music of The Spheres. Inofensiva, a canção é dançante, cheia de fritz, e introduz muitas cores à noite. É um começo revigorado, embora não impactante. Adventure of a Lifetime e Paradise colaboram para fazer essa volta no tempo, de álbum em álbum, até o mega hit The Scientist. 

Se no Rock in Rio de 2022 Chris Martin usou Mas Que Nada, de Jorge Ben Jor, como introdução, na nova temporada de shows da banda esse gracejo ficou de fora. A execução é no modo clássico. O piano melancólico, à disposição da banda no palco e as imagens sobrepostas no telão são iguais ao show gravado do A Rush of Blood to the Head. 

Viva la Vida limpa o choro no rosto. A música e o álbum são divisivos na carreira. Antes dele, o lado deprê se impunha e, ainda que existisse uma tentativa de fazer algo mais sujo, soturno, sem tantos sintetizadores e modulações, como Violet Hill, Swallow in the Sea e God Put a Smile Upon Your Face, o Coldplay não era uma banda de estádio. 

Viva la Vida puxou o quarteto para o outro lado do rio. Novos fãs e os haters disputavam praticamente o mesmo espaço e, de repente, o Coldplay empurrava o público para dentro dessas arenas sem entender muito bem os motivos de serem tão amados e odiados, mas confiantes de que a good vibe das apresentações derreteria qualquer sentimento oposto ao amor.

Pois é, “belive in love” é o letreiro imperativo que encerra o espetáculo. Mas, está presente desde sempre. É um mantra. 

Something Just Like This, parceria com o intragável The Chainsmokers, empolga menos do que parece. Tudo bem. É parte do esforço de Chris Martin para realmente agradar todo mundo. Mensagem que ele reforça cinco minutos depois com Gravity, uma canção tão lado B que sequer existe nas plataformas como Spotify e Deezer. Chris convida um fã para tocar piano enquanto ele canta. Foi um momento bonito, quase íntimo, de Chris Martin e os amigos tentando ser aquela banda de casa de shows de novo, revelando um desejo estranho de serem apenas quatro jovens tocando para meia dúzia de pessoas que conheciam Gravity. 

A simplicidade de Yellow joga o público para festa de novo. O efeito das pulseiras coloridas transformam o Morumbi em uma galáxia. É lindo, não dá pra negar. Mas, ao mesmo tempo, evidencia o quanto a geração Z precisa ser entretida além da música. Gente filmando a pulseira, se filmando, ouvindo o que acabou de filmar enquanto o show rola… 

Lá no fundo, Chris Martin gostaria de atingir o mesmo resultado que o Coldplay atingiu sem depender da pirotecnia. Aos 46 anos, ele me pareceu mais conformado de que a indústria é assim. Faz parte do jogo. Embora ele ainda queira um momento onde a música signifique algo por si mesma; que todas essas ferramentas impulsionassem a emoção em vez de substituí-la. 

Em A Sky Full of Stars, uma música bem legal pra encerrar, o músico pede o impensável em um show, de qualquer gênero ou estilo, em qualquer lugar do mundo: “desliguem os celulares. Nada de luz, de câmera. Só a alma e o coração de vocês”. 

É um momento que busca ser genuíno, improvisado, beirando ao imperfeito, onde Chris Martin interpreta um erro da banda. E pede pra repetir a música duas vezes. As luzes explodem no pulso e criam outro momento bonito. 

O bis, devidamente planejado, parte do mesmo princípio de ser aquela banda de casa de shows de novo. Os quatro integrantes saem do palco principal e caminham entre a plateia até o lado oposto, para um palco minúsculo na pista comum. Eles tocam Don’t Panic, do primeiro álbum. Pouco conhecida pela maioria presente no Estádio, a música é outro afago de Chris Martin aos fãs mais antigos. 

Seu Jorge tempera com swing brasileiro o show dos ingleses. Empolgados, os cinco tocam Amiga da Minha Mulher. E Chris Martin, feliz como um golden diante de um adulto segurando uma bolinha de tênis, canta “não pego, não pego, não pego”, o coro da música, com bom humor, e muita leveza. 

A Isabela Boscov, uma resenhista de cinema tão pop quanto o Coldplay, virou meme com uma crítica de Ted Lasso, uma série tão good vibe quanto o Coldplay. “É inovador e revolucionário? Não. Mas durante aquela meia hora cria ali pra você um lugar tão aconchegante, tão reconfortante, tão capaz de reconstruir a sua fé na humanidade (…) que não tem preço.”

O show não acaba com Fix You, e sim com Biutyful. Eu teria encerrado com Politik ou In My Place, músicas do álbum A Rush of Blood to the Head. 

Só que o Coldplay não é uma banda de casa de show. E nem eu tenho 14, 15 anos. Mas durante aquelas duas horas eles criam ali um lugar tão aconchegante, tão reconfortante… que eu voltei a ter. 

E isso não tem preço.

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