Do lado oposto ao espírito de manada – que é quando as pessoas se deixam levar cegamente pela opinião e comportamento da maioria – está o senso crítico, que não tem nada a ver com o “criticar” naquele sentido mais comum e raso que conhecemos, tipo: “ain, o cabelo dela ficou ridículo!” ou “ain, nada a ver esse tênis com essa calça!”
No caso aqui, estou falando da habilidade de ver uma situação e ser capaz de fazer uma leitura analítica com o máximo de isenção possível.
Para tanto, é preciso saber desconfiar, avaliar, questionar, julgar (averiguando as fontes), ligar os pontos e buscar uma compreensão mais ampla para se chegar à conclusão mais imparcial possível e isso, vamos combinar, dá trabalho!
É verdade que tudo isso parece meio subjetivo, porque realmente tem forte relação com intuição, feeling, sensibilidade, interpretação pessoal… mas com maturidade, experiência de vida e conhecimento, a gente vai treinando o olhar aos sinas da vida e dos humanos.
No fim das contas o senso crítico pode ser resumido como um processo de pensar e raciocinar melhor.
Um ótimo exemplo sobre esse tema é o famoso conto “As Novas Roupas do Imperador”, do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805 – 1875). Para quem não conhece, vamo lá:
As Novas Roupas do Imperador
A história é sobre um rei conhecido por sua vaidade exacerbada e que, por essa razão, detestava ser contrariado.
Certo dia apareceu um homem em seu reino dizendo que era alfaiate de grande experiência e ofereceu seus serviços para fazer-lhe a roupa mais bonita que qualquer outro monarca, em todo o mundo, jamais havia usado. Mas ele avisou que a roupa era tão especial, que só poderia ser vista e apreciada por pessoas inteligentes.
O vaidoso rei ficou impressionado e, seduzido por tão inusitada proposta, imediatamente contratou aquele homem que, na verdade, era um charlatão.
Um atelier foi providenciado, bem como tudo o que de mais nobre havia no reino para a confecção da majestosa vestimenta: tecidos finos, fios de ouro e pedras preciosas.
Passados vários dias sem nenhuma notícia, o rei quis ir ao atelier para ver como estava o trabalho do (falso) alfaiate.
Chegando lá viu a mesa vazia e o homem fazendo movimentos no ar, fingindo estar costurando a roupa.
Para não passar por ignorante diante de sua comitiva, o rei começou a elogiar o trabalho do homem e os membros de sua equipe, não vendo nada, mas motivados pelo mesmo sentimento, passaram a elogiar a roupa também.
Uma semana depois o “alfaiate” mandou dizer ao rei que o trabalho estava encerrado e pediu que ele fosse ao atelier vestir a roupa.
Confiante de que aquele momento poderia ser um sucesso, o soberbo rei, por sua vez, convocou todos os súditos para vê-lo desfilar pelas ruas com sua magnífica roupa nova, aquela que somente os inteligentes poderiam ver.
Todo o povo compareceu ao desfile e tentava disfarçar sua perplexidade e constrangimento ao ver o rei naquela condição patética, mas eis que uma criança, livre da clausura covarde e subserviente da “manada”, grita em alto e bom som:
“O rei está nu!”
O senso crítico é tão importante na vida, que a pessoa passa realmente a ver tudo com outros olhos; olhos “sem cortina”, sem o filtro da ingenuidade ou da alienação, o que é um pesadelo para líderes sem escrúpulos – políticos, chefes, professores, líderes religiosos e até pais – que querem oprimir e dominar seus liderados.
Com a popularização da internet, nos livramos das poucas fontes de informação que tínhamos no passado – que hoje sabemos não serem tão confiáveis – mas de uns anos pra cá caímos no outro extremo, que é o excesso de informação. Ou seja, temos muitas fontes de informação, mas continuamos com poucas confiáveis.
Em tempos de tanta polarização, a manipulação por parte dos meios de comunicação, dos políticos e de influenciadores corre solta, por isso mesmo, mais do que nunca, é preciso buscar o senso crítico para nos blindar ao máximo de tudo o que possa nos desviar da verdade.
O senso crítico pode ser uma viagem sem volta, porque ele te leva a questionar e ao questionar, você está se posicionando; ao se posicionar, você está se fazendo ouvir; ao se fazer ouvir, você está exercendo a sua cidadania, o que é um direito e um dever. de qualquer pessoa consciente.
Ao subir esses degraus, você está fazendo a diferença no mundo e subindo a régua da vida em sociedade.
Mas há ainda um outro efeito nessa história – o lado b – que pode vir a ser um perigo real:
-de tanto desconfiar, a pessoa pode se transformar em um cético;
-de tanto avaliar, a pessoa pode se distrair com o que não é prioridade;
-de tanto questionar, a pessoa pode se tornar indecisa;
-de tanto julgar, a pessoa pode perder o timing;
-de tanto ligar os pontos a pessoa pode virar um chato.
É bom lembrar que o meu senso crítico só é legítimo se ele começar a ser aplicado primeiramente em mim mesma, analisando os meus próprios sentimentos e atitudes, afinal, eu também tenho teto de vidro.
Se não for assim, eu serei apenas um rascunho de jurada da vida alheia, que fica dando nota no cabelo e na roupa dos outros.