Friedrich Spee von Langenfeld foi um padre jesuíta alemão que ouvia confissões de bruxas condenadas. Era um crítico do processo penal da inquisição e de sua caça às bruxas. Em 1631 escreveu um livro chamado “Cautio Criminalis” (algo como “prudência em casos criminais”), no qual descreveu de forma mordaz a árvore de decisão para condenar bruxas.
Segundo Spee, a coisa ia mais ou menos assim:
Se a bruxa tivesse levado uma vida má e imprópria, ela era culpada; se ela tivesse levado uma vida boa e adequada, isso também seria uma prova da sua culpa, pois as bruxas dissimulam e tentam parecer especialmente virtuosas. Depois da prisão de uma mulher acusada de bruxaria, se ela estivesse com medo, isso provaria sua culpa; se ela não estivesse com medo, isso também provaria sua culpa, pois as bruxas caracteristicamente fingem inocência e são “caras-de-pau”. Ou ainda, ao ouvir uma denúncia de bruxaria contra ela, a mulher acusada tinha duas opções: poderia fugir ou permanecer; se ela fugisse, isso provaria sua culpa; se ela permanecesse, foi o diabo que a deteve para poder reivindicar sua alma.
Como podem ver, o sistema era manipulado para que a acusada não tivesse escapatória. Spee atuou como confessor de muitas bruxas; ele estava, portanto, em posição de observar cada ramo da árvore da acusação, de modo que não importava o que a bruxa acusada dissesse ou fizesse, isso seria considerado uma prova contra ela. Em qualquer caso individual, você ouviria apenas um lado da questão e não era o da presumida bruxa.
É por esta razão que cientistas escrevem antecipadamente as suas previsões experimentais, seja em hipóteses ou questões de pesquisa. Não se pode ter tudo, não apenas por uma questão de justiça, mas também por ser uma restrição imposta pela Teoria da Probabilidade. A regra jurídica de que a “ausência de prova é prova de ausência” é um caso especial de uma lei probabilística mais geral, conhecida como Conservação da Evidência Esperada.
A Conservação da Evidência Esperada, que também atende por outros nomes, como lei da expectativa total e lei das expectativas iteradas, é uma consequência da Teoria da Probabilidade que afirma que para cada expectativa de evidência, há uma expectativa igual e oposta de contra-evidência.
Ela diz respeito tanto à direção da atualização da expectativa quanto à sua magnitude: uma baixa probabilidade de ver evidências fortes em uma direção deve ser equilibrada por uma alta probabilidade de observar contra-evidências fracas na outra direção. Com isso, a mera expectativa de encontrar evidências – antes de realmente vê-las – não muda suas crenças anteriores.
Vamos à formalização lógica disso.
Considere uma hipótese H e uma evidência (ou observação) E. A probabilidade anterior da hipótese é P(H); a probabilidade posterior é P(H|E) ou P(H|¬E), dependendo se você observa E ou não-E (evidência ou contra-evidência). Aqui, lê-se P(H|E) como a probabilidade de H dado E. Da mesma forma, lê-se P(H|¬E) como a probabilidade de H dado não-E. A probabilidade de observar E é P(E), e a probabilidade de observar não-E é P(¬E). Assim, o valor esperado da probabilidade a posteriori (ou posterior) da hipótese é:
P(H|E) * P(E) + P(H|¬E) * P(¬E)
Lembrando que o símbolo “*” é usado para caracterizar a operação da multiplicação em computadores (no colégio você provavelmente usava o símbolo “x”).
A probabilidade a priori (ou anterior) da própria hipótese pode ser dividida da mesma maneira, assim temos:
P(H) = P(H,E) + P(H,¬E)
P(H) = P(H|E) * P(E) + P(H|¬E) * P(¬E)
Dessa forma, a expectativa da probabilidade posterior é igual à probabilidade anterior. Por isso é dito que a expectativa de encontrar evidências não muda as crenças anteriores.
Por outro lado, se esperarmos que a probabilidade de uma hipótese mude como resultado da observação de uma evidência, a quantidade dessa mudança, se a evidência for positiva, é a seguinte:
D1 = P(H|E) – P(H)
Se a evidência for negativa, temos:
D2 = P(H|¬E) – P(H)
A expectativa da mudança, dada a evidência positiva, é igual à expectativa negada da mudança, dada a contra-evidência. Formalizando, temos:
D1 * P(E) = -D2 * P(¬E)
Se esperarmos uma forte probabilidade de termos evidências fracas em uma direção, ela deve ser equilibrada por uma expectativa fraca de ver evidências fortes na outra direção.
Imagine que você seja um ou uma cientista. Se estiver muito confiante na sua teoria e, portanto, esperar encontrar um resultado que corresponda à sua hipótese, o resultado encontrado, sendo positivo, gerará um incremento muito pequeno à sua crença. Mas, se por acaso sua hipótese fracassar, sua expectativa sofrerá um baque. Fato que deveria forçar a atualização das suas crenças.
Voltando ao Spee, poderíamos racionalizar sua árvore de decisão da seguinte maneira: se alguém afirma que “uma vida boa e adequada” é uma prova de que uma mulher é uma bruxa, então uma vida má e imprópria deveria ser uma prova de que ela não é uma bruxa. Se argumentarmos que Deus, para testar a fé da humanidade, se recusa a revelar a Sua existência, então os milagres descritos na Bíblia deveriam argumentar contra a existência de Deus.
Como o parágrafo anterior soa para você? Preste atenção ao sentimento de que a narrativa parece um pouco forçada, aquela tensão silenciosa no fundo da sua mente. É importante.
Para um verdadeiro Bayesiano, é impossível buscar evidências que confirmem uma teoria. Não existe nenhum plano possível que se possa conceber, nenhuma estratégia inteligente, nenhum artifício astuto, pelo qual se possa, legitimamente, esperar que sua confiança em uma proposta pré-fixada seja maior (em média) do que antes. Você só pode buscar evidências para testar uma teoria, não para confirmá-la.
Essa percepção pode aliviar bastante a sua mente. Você não precisaria se preocupar em como interpretar todos os resultados experimentais possíveis para confirmar sua teoria. Você também não precisaria se preocupar em planejar como fazer com que qualquer pedaço de evidência confirme sua teoria, porque já saberia que para cada expectativa de evidência, há uma expectativa igual e oposta de contra-evidência.
Se por acaso tentarmos enfraquecer a contra-evidência de uma possível observação “anormal”, só conseguiríamos fazê-lo enfraquecendo o apoio à uma observação “normal”, em um grau precisamente igual e oposto. É um jogo de soma zero.
Assim, não importa o quanto você seja conivente, não importa como você argumente, não importa como você crie estratégias, a Teoria da Probabilidade impede que suas maquinações mudem o resultado lógico para o adequar à uma direção específica.
Dessa forma, sente e relaxe enquanto espera as evidências chegarem. Não se pode forçar uma evidência falsa a se tornar verdadeira, não importa a “narrativa” usada. Não importa nem mesmo a sua aceitação pelos demais. A lógica não deixa o falso se tornar verdadeiro e nem o contrário.