Esse é o título de um livro escrito na década de 1960 pelo economista Thomas C. Schelling. O livro explora a aplicação da Teoria dos Jogos em diversas situações reais, focando nas interações de indivíduos e grupos em situações de conflito. O trabalho aborda, em ensaios inter-relacionados, alguns conceitos que vêm sendo usados há décadas para justificar desde corridas armamentistas (“a capacidade de retaliar é mais útil do que a própria retaliação”) até o uso de ameaças e promessas em negociações.
Particularmente não tenho muito apreço pela obra, mas há um conceito específico nela que acho interessante: a ideia de que se pode fortalecer a sua posição piorando abertamente as suas próprias opções. Essa argumentação contra-intuitiva pode funcionar em situações bem específicas em que se pode desenhar um ponto arbitrário que assuma um valor especial como linha divisória, o chamado ponto de Schelling.
Por exemplo, digamos que certa noite você esteja jogando seu game favorito. Como precisa se levantar cedo para trabalhar na manhã seguinte, você determina que meia-noite é o seu horário-limite.
À meia-noite, você começa a avaliar suas opções. No momento, sente vontade de continuar jogando, mas sabe que estará um “caco” se não tiver suas seis ou sete horas de sono. Nesse momento, começa a agir um conceito de comportamento econômico chamado “desconto hiperbólico”, que preconiza que dadas duas recompensas semelhantes, os seres-humanos mostram preferência por aquela que chega mais cedo. Desse modo, você diz para si mesmo “vou continuar jogando por mais dez minutos e paro”.
O tempo passa. Agora são 0h10 e o desconto hiperbólico continua vigente, atribuindo mais valor aos próximos dez minutos do que para os minutos subsequentes. E daí você pensa: “vou jogar até 0h20, dez minutos a mais ou a menos não faz muita diferença, depois durmo”.
É possível continuar com esse raciocínio até o sol raiar.
A solução seria considerar o problema logo no início da noite e se comprometer antecipadamente com o horário da meia-noite como o seu ponto de Schelling. A partir desse comprometimento, a escolha deixa de ser dez minutos a mais ou a menos e passa a ser abandonar a sua credibilidade e jogar a noite toda.
É a partir do ponto de Schelling que se iniciam as coalizões de resistência. Considere o seguinte exercício mental:
Suponha que você seja um zoroastriano, juntamente com 1% da população local. Em conjunto com o Zoroastrismo, o seu país possui cinquenta outras pequenas religiões, cada uma com 1% da população. 49% dos seus compatriotas odeiam qualquer religião com paixão.
Você ouve dizer que o governo está considerando banir os taoístas, que também representam 1% da população. Você nunca gostou muito dos taoístas, então acaba concordando com a proposta. Algum tempo depois, você ouve que o governo agora quer proibir os sikhs e os jainistas. Também não sendo muito fã deles, você adota a mesma abordagem.
Ao tomar essas decisões você acaba na infeliz situação descrita por Martin Niemoller, um pastor e teólogo luterano alemão, mais conhecido por sua citação comovente sobre a ascensão do nazismo na Alemanha e o fracasso da comunidade intelectual alemã em se opor ao regime:
“Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado — porque não era socialista.
Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado — porque não era sindicalista.
Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado — porque não era judeu.
Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender.”
Com os taoístas, sikhs e jainistas banidos e não mais interferindo nas decisões, os 49% da população que odeia religiões têm influência suficiente para banir o zoroastrismo e qualquer outro grupo ou pessoa que queiram. A melhor estratégia seria estimular que todas as cinquenta e uma pequenas religiões formassem uma coligação para defenderem o direito de existência umas das outras. Seja organizando um congresso ecuménico ou qualquer outra reunião estratégica.
É claro que no mundo real é bem improvável que existam cinquenta e uma religiões bem delineadas em uma única sociedade. O que existe são bilhões de pessoas, cada uma com seu próprio conjunto de opiniões a defender. Seria impraticável que todos se coordenassem fisicamente. Neste caso, teriam que confiar nos pontos de Schelling. E essa é, ao meu ver, a melhor lição a se tirar de “A estratégia do conflito”: a possibilidade de se definir uma solução que as pessoas possam utilizar na ausência de comunicação. Seja porque lhes parece natural, especial ou relevante. É uma espécie de ponto focal, uma solução ou estratégia que se destaca como a mais óbvia ou atrativa entre as múltiplas possibilidades.
É o ponto em que os vários grupos de interesse envolvidos – ou você mesmo em diferentes momentos da sua vida – se compromete a defender a qualquer preço. Qual é o seu?