Filmes para assistir: Dias Perfeitos, de Wim Wenders

“Dias Perfeitos” é uma poesia visual porque decanta o tempo e as suas maravilhas soterradas por tanta informação.

A fantasmagoria é um conceito que Walter Benjamin cunhou para definir a perda da capacidade de contemplação. Antes, os espaços e a própria dinâmica da vida, por assim dizer, permitiam que as pessoas andassem sem propósito produtivo, apenas pelo deleite da observação. A vida moderna criou os shoppings centers, as lojas, as vitrines; surgiram as redes sociais, e aí, a contemplação foi invadida pela vontade ininterrupta de se estar produzindo algo. 

“Dias Perfeitos”, o novo filme de Wim Wenders, mostra como um modesto faxineiro vive de maneira oposta a tudo isso. Hirayama (Koji Yakusho) levanta de manhã, rega suas plantas, faz a barba, veste o uniforme, respira bem fundo e sorri ao olhar para o céu, pega um café, entra no carro e vai para o centro de Tokyo. Por lá, ele limpa os banheiros que estão sob sua responsabilidades. 

Na pausa do almoço, procura o mesmo banco em uma praça e tira fotos de uma árvore. Ah, e sem filtro e sem celular. Hirayama prefere uma máquina fotográfica simples. Ouve música sempre em fita K7, e com uma seleção que inclui Lou Reed, passa por Van Morrison, e chega a Nina Simone. O que soa como uma rotina monótona, na verdade, é um ritual de preservação. Em vez ter sua atenção, seus sentimentos e seu tempo drenado por um “bom emprego”, carro chic, casa ou férias, ele contempla o que essa mesma ambição suprime. 

Wim Wenders costuma misturar a relação entre espaço e personagem. De algum modo, acontece mais do que uma influência, mas um tipo de simbiose mesmo. E Tokyo é uma cidade movida por trabalho. “Karoshi” é a definição dos japoneses para os nativos que morrem de tanto trabalhar. É engraçado porque Hirayama não parece um faxineiro de longa data, um trabalhador que em algum momento achou nessas frestas de contemplação seu real significado. Há um mistério nisso. Wim Wenders trabalha nisso mais à frente na história, mas não o desmitifica completamente. Prefere o caminho mais sutil. O que está claro é apenas o enorme privilégio que Hirayama tem em contemplar a vida, o tempo, e a rara paciência de esperar as coisas acontecerem. Em uma cena, inclusive, isso é mostrado de maneira poderosa. Ao ouvir a proposta de um determinado personagem para irem até a praia, Hirayama responde: “da próxima vez. Agora é agora”. 

“Dias Perfeitos” é esta poesia visual a decantar o tempo e as suas maravilhas soterradas por tanta informação. O diretor usa a forma do filme em favor dessa mensagem, pedindo que o próprio espectador desacelere, lembrando que tanto o ato de ver um filme, quanto o lugar onde ele deve existir – os cinemas – são atos de contemplação.

Com esse estilo e seus aparelhos anacrônicos, Hirayama tornou-se um fantasma de Tokyo, vagando atrás daquilo que é mais rotineiro, mais simples; um ser flutuante que em vez de espantar, espanta-se com a beleza do mundo. A despeito do seu ritual, Hira sabe que nenhum dia pode ser igual ao outro. Como o próprio Lou Reed escreveu, “um dia perfeito é aquele onde você apenas me deixa esperando…”

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