O Custo Invisível da Inteligência Artificial: Por Trás de Cada Imagem Gerada

Nos últimos meses, diversas publicações chamaram atenção para o alto consumo de água na geração de imagens com IA.
Pessoa bebendo água, expressão tranquila. Pessoa bebendo água, expressão tranquila.

A University of California, Riverside (Li et al., 2023), aponta que um único prompt de geração de imagem em modelos grandes, como os da OpenAI ou similares, pode consumir entre 2 a 4 litros de água indiretamente.

Esse consumo indireto acontece no resfriamento dos Data Centers. No entanto, como entusiasta nesse tema – inteligência artificial – quis mergulhar mais no assunto para entender realmente o que isso significa em impacto para nosso meio ambiente.

Como você enxerga o impacto ambiental da IA e como realmente é:

Iceberg representando impactos ambientais do consumo digital.

Observe a tabela abaixo para entender o custo ambiental completo:

Categoria Descrição do Impacto
Água Uso intensivo de água para resfriamento de data centers (2 a 4 litros por geração de imagem).
Consumo de energia Treinamento e uso contínuo de modelos consomem milhões de kWh; exige energia constante.
Mineração e extração de recursos Produção de chips (GPUs, TPUs) depende de metais como lítio, cobalto e terras raras.
Emissões de carbono Grande pegada de carbono, especialmente em países que usam energia fóssil para servidores.
Obsolescência programada e e-waste Equipamentos se tornam obsoletos rapidamente, gerando lixo eletrônico de alto impacto.
Infraestrutura de rede Manutenção de redes globais, armazenamento e tráfego de dados exigem constante energia e equipamentos.
Tabela com as categorias de impacto ambiental e sua descrição

O que as empresas estão fazendo para minimizar esses impactos?

Centro de dados moderno em área rural verde.
Data Center do Google localizado na Irlanda. Fonte: https://datacenters.google/photo-gallery/

1. Transição para energia limpa:

  • Google, Microsoft, Amazon AWS e Meta investem em energia solar, eólica e geotérmica. No momento, como seu consumo não é 100% sustentável, essas empresas investem em compra de contratos de energia (PPAs) e certificados de energia renovável (RECs). Por exemplo, a Meta reportou que suas emissões baseadas na localização aumentaram para 14 milhões de toneladas de CO₂ em 2023, refletindo o uso de eletricidade da rede local, que pode não ser totalmente limpa.(Fonte: The Verge);
  • A OpenAI (em parceria com a Microsoft) usa data centers com certificações verdes e tem metas a cumprir de carbono negativo até 2030.

2. Eficiência computacional:

  • Projetos de IA eficiente como o TinyML e Distillation Models reduzem o consumo computacional mantendo a performance.
  • Redução no tamanho dos modelos por meio de:
    • Podagem de redes neurais (pruning);
    • Quantização (uso de menos bits por parâmetro);
    • Treinamento distribuído inteligente, com alocação otimizada de cargas.

Recentemente o DeepSeek “estremeceu” as ações da NVIDIA justamente por anunciar uma melhor performance computacional que o ChatGPT.

Observe a tabela comparativa entre os dois:

Critério ChatGPT (GPT-4/OpenAI) DeepSeek (V3/R1)
Custo estimado de treinamento US$ 60 milhões a US$ 1 bilhão US$ 5,6 milhões
Número de GPUs utilizadas Dezenas de milhares (ex: Nvidia A100/H100) Cerca de 2.000 (Nvidia H800)
Consumo energético por requisição ~2,9 Wh (estimado) 10 a 40 vezes menor (~0,07–0,29 Wh)
Eficiência por token Alta, mas pesada em recursos Muito mais eficiente por token
Fonte de energia Microsoft Azure (metas 100% renováveis, mas uso real varia) Alibaba Cloud (dependência significativa de carvão)
Uso de técnicas de otimização Sim (mas modelo muito grande, com foco em performance e flexibilidade) Sim (atenção esparsa, compressão, cache dinâmico)
Pegada de carbono (estimada) Alta no treinamento, moderada na inferência com compensações Baixíssima no uso, mas pode variar pela fonte energética
Objetivo de sustentabilidade Carbono negativo até 2030 (Microsoft/OpenAI) Foco em eficiência computacional, não há meta climática declarada
Comparativo entre ChatGPT e DeepSeek em relação a eficiência em consumo

Como você pode observar, como software, o DeepSeek pode ser considerado muito mais eficiente, no entanto, seu data center depende de carvão para suas operações.

3. Resfriamento sustentável:

  • Adoção de sistemas de resfriamento evaporativo com água reciclada ou até resfriamento submerso com líquidos especiais;
  • Data centers em climas frios (como Islândia ou Finlândia) reduzem a necessidade de refrigeração artificial.

Aqui, eu fiquei pensando, oras, o Data Center usa água para resfriamento tão logo essa água não “some” ela volta para o ciclo da água, então qual seria definitivamente o problema do consumo da água?

A maior parte da água que é usada para resfriar os Data Centers são fontes limpas, e quando utilizadas elas evaporam. Ao evaporar essa água não retorna necessariamente para o mesmo local onde foi extraída.

A tabela abaixo esclarece o motivo do uso da água ser um problema:

Fator Impacto Ambiental
Uso de água potável tratada A maioria dos data centers usa água limpa, tratada e muitas vezes escassa.
Evaporação local A água some do sistema local — não está mais disponível para agricultura, abastecimento ou ecossistemas daquela região.
Pressão sobre regiões áridas Muitos data centers estão em áreas com estresse hídrico, como Arizona, Chile ou partes da Índia.
Custo energético para tratar e bombear Mesmo evaporando, foi necessário bombear, tratar e transportar essa água antes do uso.
Escassez sazonal e competição Há cidades competindo com data centers pelo mesmo recurso hídrico.
Descubra o motivo de a água ser um problema ecológico no uso em data centers.

Para diminuir esse grave impacto, as empresas estão adotando medidas como:

  • Utilização de água reciclada e implementação de sistemas de recirculação;
  • Em Umatilla, Oregon, a AWS fornece até 96% da água de resfriamento de seus data centers para agricultores locais, após tratamento adequado, para uso na irrigação de culturas como milho, soja e trigo (Fonte: Data Center Frontier). Assista o vídeo para mais informações:

Saiba mais sobre o programa Water Positive da Amazon com metas para até 2030
  • Sistemas de resfriamento a seco (menos eficientes, mas economizam água);
  • Instalação em locais com excesso hídrico (Islândia, Canadá) ou clima naturalmente frio.

4. Relatórios de impacto e certificações:

  • Empresas estão publicando relatórios ESG (Environmental, Social and Governance) com métricas claras de uso de água, energia e carbono;
  • Certificações como:
    • LEED (construções sustentáveis)
    • ISO 14001 (gestão ambiental)
    • CDP Disclosure (Carbon Disclosure Project)

5. Reutilização e reciclagem de hardware:

  • Programas internos de upcycling de servidores, reaproveitamento de componentes e redução de descartes;
  • Algumas fabricantes como a NVIDIA e Intel também buscam designs modulares com maior vida útil.

6. Modelos como serviço (AIaaS) e compartilhamento:

  • Plataformas oferecem IA como serviço em nuvem, reduzindo a necessidade de cada empresa treinar seu próprio modelo — isso centraliza e otimiza os recursos;
  • Menos redundância = menos energia e menos equipamentos.

8. Pesquisa aberta em IA verde (Green AI):

  • Grupos como o Allen Institute, HuggingFace e universidades como MIT e Stanford promovem pesquisas sobre:
    • Medição do impacto de modelos;
    • Otimização de algoritmos para sustentabilidade;
    • Benchmark ecológicos (ex: Carbontracker, EnergyVis).

7. Compensação e reflorestamento:

Quais são os países com maior impacto?

Analisei quais são os países que tem mais Data Centers no mundo, portanto, países com maior impacto. Veja o infográfico:

Mapa com data centers pelo mundo.

Como pode observar a maior parte dos Data Centers estão concentrados próximo a áreas mais frias e com alto desenvolvimento tecnológico. Especificamente no Brasil, temos Data Centers importantes localizados em São Paulo e Campinas.

E o que podemos fazer?

Personagem animada bebê água sorrindo

Como vimos, o problema dá água é importante, mas não somente ele. Segundo a OMS em média consumimos de 2 a 4 litros por dia – para beber. No mínimo assustador pensar que estamos consumindo mais água fazendo imagens na IA do que bebendo.

Portanto, o primeiro passo você já deu, que é se conscientizar sobre o problema. O segundo passo é utilizar a IA tendo tudo isso em mente. E não é só a IA, tudo o que fazemos deveríamos inicialmente pensar no impacto que isso tem para a natureza e sociedade de forma geral. Mesmo ações simples, como gerar uma imagem divertida de um pet, ganham outra dimensão quando entendemos o impacto ambiental envolvido. A ideia não é eliminar a criatividade, mas usá-la com consciência.

Mas se você acha isso radical, ainda há outras maneiras de se pensar em sustentabilidade neste cenário:

  • Regulamentação ambiental específica para IA;
  • Pressão pública e do mercado por métricas ambientais claras;
  • Escolhas conscientes dos usuários.

Tecnologia e consciência ambiental não precisam estar em lados opostos. A inteligência artificial pode — e deve — ser parte da solução, desde que guiada por escolhas responsáveis, regulações adequadas e um olhar ético sobre seu impacto.