Confesso que estava engasgado para expressar alguma coisa sobre este assunto que não pode ser ignorado. As últimas semanas têm sido assustadoras: uma sequência de feminicídios noticiados e, de certa forma, que infelizmente estamos nos acostumando a ver espalhados por todo o país. Do caso da mulher arrastada por um veículo, à que foi lançada pela janela, ou à que passou por um pedágio (já sem vida) com o assassino e ex-companheiro no banco do passageiro.
Este post é propositalmente desconfortável, porque é necessário que a gente fale sobre isso.
Nos últimos anos, os dados mostram uma escalada preocupante da violência letal contra mulheres no país. Levantamentos preliminares do Monitor de Feminicídios identificam mais de 5.500 casos consumados e tentados entre janeiro e outubro de 2025, e uma taxa anualizada que ultrapassa 5 feminicídios por 100 mil mulheres, com aumento em relação a 2024 no Brasil.
Em São Paulo, o padrão é ainda mais duro: crescimento de 23% em feminicídios registrados em apenas 10 meses, o maior número desde 2018. São 53 mortes em 10 meses. Esses números não surgem do nada; se somam a uma realidade em que 3,7 milhões de brasileiras sofreram violência doméstica ou familiar em 2025.
O Brasil bate recorde: em 2024, o país registrou quase 1.500 mulheres mortas por razão de gênero, a maior marca desde que o crime foi tipificado em 2015. Essa escalada de violência não é só uma estatística fria; ela molda vidas, famílias e gerações — que crescem nutridas por comunidades red pill, ódio e narrativas que reforçam esse ciclo (aqui está a conexão com a publicidade e a nossa responsabilidade em escolher pautas, ângulos e pessoas que conectamos às marcas).
É nesse contexto que o papel das marcas deixa de ser apenas institucional e se torna social e urgente. A campanha Escape Vehicle da Toyota é um ótimo e recente exemplo, que dá alcance e narrativa a temas sociais importantes. O filme é sobre violência doméstica, é direto e claro.
Não é sobre premiação ou apenas “brand positioning”. É ver uma marca usar capital, de atenção, de grana e de influência, para reforçar que a violência de gênero é (1) problema real e (2) de todos, que silenciar não é opção e que transformação social exige narrativa persistente e engajamento contínuo.
Marcas que abraçam causas sociais escolhem não se omitir diante de estatísticas que crescem e de vidas que se perdem. Escolhem colocar propósito acima de conveniência, propósito acima de performance de curto prazo. E isso importa. Quando falo em “marcas”, me refiro aos responsáveis por estes CNPJs que, sim, buscam lucro, mas que também podem auxiliar e construir um futuro melhor: do criativo ao CMO que topa propostas que abracem e causem impacto social real.
O Brasil está testemunhando, protestando e contando números que não deveriam ser padrões. São assustadores. A pergunta que fica é se nós, como mercado (e também como sociedade), vamos tomar partido dessa realidade ou continuar tratando como “assunto paralelo”.
Marcas e publicidade não mudam a lei, não substitui política pública mas criam conversa e moldam cultura. Essa afirmação é matemática. O investimento e a repetição dessas mensagens por meio da propaganda fortalecem novos comportamentos. Afinal, por quanto tempo a sexualização feminina não foi explorada em comerciais de bebida, refrigerante, calçados etc.?
Mudar a conversa, seja dentro da agência, com amigos, família ou na equipe da sua marca, pode sim ser o primeiro passo para ajudar a mudar realidades tão assustadoras.
