Hoje eu acordei com o mesmo vídeo bombando em todos os grupos de Whatsapp: uma matéria do Cesar Tralli falando sobre uma agência de publicidade especializada em transformar pessoas comuns em garotos-propaganda de comerciais. Até aí, tudo normal. Mas o que gerou tanta viralização foi a dúvida trazida no início da reportagem: “Seria possível gente gorda, careca e feia fazer comercial de televisão?”. Tá louco!
Pois é: vinda de meados dos anos 1990, ela virou assunto hoje pelo absurdo em vermos uma matéria na Globo, com um cara como o Tralli, chamando sua entrevistada de “gordinha, baixinha, com cara de bolacha e que descobriu em sua própria feiura sua fonte de renda”. E ela, na maior simpatia e boa vontade, falando sobre o novo negócio. “Que deselegante!”, diria Sandra Annenberg hoje ao colega. Mas só hoje…
Estamos falando de 20 e poucos anos atrás. Eu tinha meus 10 anos, com preconceitos provavelmente já bem formados sobre boa parte dos assuntos sociais. Tinha amigos gordinhos, pai careca, conhecia muita gente feia que, Deus me livre, nunca estariam num break de TV. Afinal, de gente feia já basta a gente mesmo, né?
Sim, a gente era muito errado. E não venha tirar o corpo fora! Não era a TV, o Tralli ou o mercado publicitário. Éramos todos nós. Por falta de voz e espaço, nós, os “fora do padrão”, não tínhamos como mostrar o quanto aquilo incomodava – então, nem parecia que incomodava. Não havia Instagram para nos aceitarmos como somos ou grupos sociais para quem só via gente linda na TV descobrir que aquilo sim era diferente, e não a gente. E a comunicação é parte da cultura, surfa e cria cultura, incentiva e reforça cultura. Também muda cultura, é verdade, mas quem é que vai arriscar mudar o que está dando certo?
Naquela época, quase ninguém. Hoje, felizmente, muita gente. E não só por propósito, por benevolência ou empatia (que são fundamentais, mas sozinhos não são sustentáveis – infelizmente e literalmente). Mas, por uma feliz coincidência, hoje tudo está junto: é o que aproxima, é o que apoia e é o que vende.
Não se engane: nós todos – marcas e pessoas – éramos o público-alvo dessa matéria. Mais do que isso: nós éramos a menina que, da forma mais espontânea possível, se assusta só de imaginar que uma mulher gorda e “feia” faria um comercial de TV – mesmo nós também estando tão longe do tal padrão estético. E a pergunta crucial para nos fazermos hoje, marcas e pessoas, é: éramos ou ainda somos?
O novo marketing prova a cada dia que identificação é fundamental para bons resultados de venda, assim como para resultados saudáveis para a sociedade – que pode não parecer óbvio de imediato, mas é de onde vêm os consumidores :) . Com o poder de assistir ao que quiser, onde quiser, a hora que quiser e o que nos identifica – seja em interesse, seja na figura representada do outro lado da “tela”.
Felizmente, hoje em dia os vilões da vida real são desmascarados rapidamente, ganhando a mesma notoriedade dos vilões de novela da Globo nos anos 90. E de novo: isso serve para pessoas, isso serve para marcas. Então, não adianta se esconder atrás do “isso é mimimi” ou fingir que ainda dá para apostar nos padrões de uma época em que “tudo era melhor” – mas só era melhor para quem tinha controle desse tudo. Se você ainda não percebeu, como diria o próprio Tralli, se prepare para “cair do cavalo”.