Exemplos práticos, vindos das mais diversas experiências – boas e ruins – costumam gerar na gente as mais diversas sensações e inspirações. Na indústria criativa, para ouvidos treinados e atenciosos, qualquer história pode virar um insight poderoso para a próxima – ou, ao menos, lição de como não fazer algo.
Esta semana, estou em Las Vegas para julgar o LIA (London International Awards), um dos principais prêmios da publicidade internacional (a história de por que o London fica em Vegas fica para o próximo post). E antes do julgamento, acontece um projeto muito interessante: o Creative LIAisons, onde mais de 100 jovens profissionais do mundo todo se reúnem, a convite o festival, para uma série de palestras, seminários e workshops com líderes da indústria, em uma troca franca, direta e extremamente rica.
Joel Simon
Um dos primeiros a se apresentar foi Joel Simon, CEO e líder criativo da JSM Music – mundialmente premiada por trilhas para algumas das maiores marcas do mundo. Simon contou que sempre foi ligado à música, desde criança, mas foi a visita a um estúdio na adolescência que o incentivou a ir especialmente para a publicidade.
“Entrei e a Aretha Franklin estava numa sala e o Michael Bolton na outra, gravando ‘este é o sabor real de Coca-Cola’. Imaginei que esse universo poderia realmente ser interessante”.
Joel Simon, CEO e líder criativo da JSM Music
Durante sua apresentação, os dois principais insights que registrei estão ligados ao “carinho” humano com o trabalho. O primeiro tem a ver com a dedicação das equipes à todas as demandas, mesmo as que parecem menos nobres – mas que sempre podem ficar melhores quando há dedicação. “Às vezes, temos 30 projetos ao mesmo tempo. Mas para cada um deles, há um time criativo envolvido, e muitas vezes um profissional para quem aquele trabalho é tudo. É fundamental que ele entenda que a gente também dá essa importância”, reforçou.
O outro, ligado diretamente à discussão sobre a Inteligência Artificial – que vem impactando as mas diversas indústrias, e a da música não será diferente. Porém, Simon se vê confiante. “Não tenho medo de perder meu trabalho porque a música demanda uma abordagem emocional que a máquina nunca terá. Porém, ela pode te ajudar a levar seu trabalho a um outro nível, com certeza. Quem não abraçar a IA, esse sim poderá ser engolido. Porque ela não vai mais embora”, completou Simon.
Abaixo, um dos trabalhos produzidos pela JSM para Pepsi Black, com criação da VaynerMedia
Diversidade em prol do resultado
Outra apresentação de destaque reuniu Tara McKenty, ex-Google que atualmente lidera as áreas de inovação e criatividade da agência BMF Sydney; e Merlee Jayme, fundadora do The Misfits Group Manila – projeto que identifica, capacita e conecta pessoas criativas que possuem diferentes condições especiais, tanto mentais quanto motoras, com projetos e empresas.
Tara trouxe dados de pesquisas que mostram uma grande discrepância ainda presente na indústria criativa quando falamos de gênero, num interessante contraponto sobre a eficácia e o sucesso de trabalhos desenvolvidos em times mais diversos. Segundo seus dados, campanhas com times mistos tendem a ter 3 vezes mais chance de conquistar os principais prêmios do que aquelas compostas apenas por homens. Mesmo assim, só 9% dos postos de Chief Creative Officer e 14% das diretorias de criação são ocupados por mulheres.
“A diversidade pode ser herdada ou adquirida, mas toda diversidade é boa. Inclusive aquela que vem das nossas experiências e da forma de ver o mundo”, enfatizou Tara. Ela corroborou sobre como os processos de cocriação podem ser difíceis, caóticos e mais demorados, mas continua sendo a melhor forma de chegarmos no melhor resultado possível. “Quando você fala em nome de um setor ou de uma comunidade, você não pode fazer isso sozinho. Você precisa de mais gente dividindo seu conhecimento e vivência para chegar a um relato realmente fiel”.
Acostumada a trabalhar com condições adversas para o ambiente criativo, Merlee mostrou exemplos práticos de grandes marcas que acabam tendo logotipos, identidade, comunicação e outros códigos muito semelhantes entre suas categorias. Isso, muitas vezes por conveniência e pelo receio do diferente.
“Mesmo quando estamos criando algo teoricamente novo, estamos na maioria das vezes desenvolvendo coisas parecidas com o que já existe. Isso acontece porque há um conforto naquilo que parece que já conhecemos. Mas é preciso coragem para ser diferente”, pontuou.
Um exemplo levantado por Tara para a questão é o case “Kupu”, criado em parceria entre o Google e a Colenso BBDO, que usa tecnologia para facilitar o aprendizado de línguas que estão sumindo e, com elas, parte importante da cultura de diferentes povos e regiões.
Kupu
Colisão
Guan Hin Tay, chairman criativo da BBDO Cingapura, baseou sua apresentação na teoria de que a colisão entre dois mundos, duas diferentes ideias ou o antagonismo natural entre os elementos podem gerar maior interesse e, com isso, engajamento e inspiração criativa.
Ele levantou três situações onde é possível usar tal conceito para desenvolver ideias criativas: colidir duas coisas familiares para criar algo não familiar; forçar colisões para quebrar convenções; e explorar a colisão para iniciar mudanças robustas.
No primeiro exemplo, ele mencionou um exemplo falido, o filme “Cowboys x Aliens” (dois elementos familiares para criar um não familiar), e um de sucesso: o múltiplo vencedor do Oscar “Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo” – exemplo de mescla inusitada de uma série de estilos que, de forma criativa e interessante, criou um sucesso global.
“Quando você gera uma certa tensão, aumenta muito as chances de gerar interesse, atenção e, como consequência, engajamento sincero.
Guan Hin Tay, chairman criativo da BBDO Cingapura
No segundo, o case do Whopper mofado: uma maneira antinatural de mostrar a comida para, com propósito, vender um conceito pertinente.
Gerando desejo
Um show à parte foi a apresentação de Brian Collins, cofundador e designer da Collins – referência global em branding e design. Brian criticou praticamente todos os clichês da publicidade. E não só o uso das palavras, mas também sua aplicação.
“Briefing, war rooms, estratégia, guerrilha, target… sabe de onde vem todas essas palavras? Da guerra! Quer dizer que nós, como consumidores somos alvo? Você jura que precisa fazer uma sala de guerra para uma campanha? Ou juntar pessoas despreparadas para pensar em algo do zero num brainstorming? Parem! Se você é obrigado a fazer isso na agência que trabalha, saia correndo!”
Brian Collins, cofundador e designer da Collins
O designer usou dois bons exemplos sobre histórias e narrativas para ilustrar como diferentes envolvidos na indústria criativa sabem usar o contexto para atrair e cativar o público, independente das nomenclaturas. Deu, no primeiro momento, o exemplo da própria cidade de Las Vegas. “Vegas é incrível porque te obriga a prestar atenção. Se você não presta atenção, você está perdendo. A fonte do Bellagio que interage com a música, a entrada dos hotéis que naturalmente vão te levando para dentro, a The Sphere. É arquitetura? É entretenimento? É publicidade? Quem se importa! Funciona”.
3 elementos centrais usados para “construir um novo futuro”
Brian indicou três elementos centrais usados para “construir um novo futuro”:
- Símbolos (como aquilo vai parecer?),
2. Sistema (como vai funcionar?);
3. e, claro, a história por trás (como chegaremos lá?)
Deu como exemplo a corrida espacial e como os Estados Unidos geraram uma série de projetos, passando pela arquitetura, pela economia e, claro, pela cultura – vide Os Jetsons e Star Trek – e para convencer os americanos que o investimento bilionário para chegar à lua antes da Rússia não só fazia sentido, como aquele futuro, no caso, já tinha se tornado normal e desejado.
É da Collins o projeto de reposicionamento do Robinhood, plataforma de investimentos extremamente popular nos Estados Unidos – que abandonou os ícones clássicos e clichês de gráficos econômicos e do velho da lancha para usar grafismos e conteúdos ligados aos millenials e à Geração Z. também é deles o rebranding da SFSymphony, sinfonia de San Francisco (Califórnia) que ganhou uma nova identidade que… dança!
“Torne o futuro tão irresistível que ele se tornará inevitável”, gritava a tela amarela com a frase traçada em preto, dando tons finais à apresentação.