De 14 indicações ao Oscar, ele venceu cinco vezes. Ganhou a Palma de Ouro mais de uma vez. É dono de uma das filmografias mais importantes do cinema, dirigindo “O Poderoso Chefão”, “A Conversação” e “Apocalypse Now”. Esse é Francis Ford Coppola, um gênio que está em uma batalha para lançar seu mais recente filme, “Megalópolis”.
Ontem, no dia 8 de abril, o The Hollywood Reporter divulgou a cobertura da primeira exibição, onde vários magnatas da indústria estiveram presentes. Se a avaliação “é muito experimental” parece leve, outro comentário bagunçou o futuro do filme nos cinemas: “boa sorte para quem botar dinheiro”. Por fim, a fala “talvez, seja para o streaming” soa quase como deboche.
Ao ler a notícia, me lembrei de duas coisas. A primeira foi o ensaio do pesquisador francês, André Bazin, sobre o cinema ainda não ter sido inventado. Em sua visão, a perseguição dos diretores por filmar da forma mais real possível será sempre inviável, já que o cinema se vale de técnicas, como a edição e a fotografia, que recortam a própria realidade. O cinema, portanto, é um ideal. A segunda lembrança foi de “O fim do cinema?”, livro escrito por André Gaudreault e Philippe Marion. Na obra, eles elencaram fatores como o surgimento das cores, do som e até do controle remoto como “assassinos” do cinema, que precisou morrer para nascer com outra perspectiva.
Alguns diretores clássicos, como Godard e Scorsese, entenderam o jogo, valendo-se das novidades da tecnologia para trabalhar, e mantendo a experiência de ir até uma sala escura, ainda viva. Outros mais novos, como James Cameron e Christopher Nolan, o grande vencedor do Oscar 2024 com Oppenheimer, travam a mesma luta em nome desse espaço físico chamado cinema.
Muita gente chiou com a vitória de Oppenheimer. Mas fez total sentido premiá-lo. Um filme com mais de um bilhão em caixa, feito para adultos, mostrando um personagem ambíguo, sem poderes ou capa, espelhando uma situação contemporânea. E Nolan fez o diabo para impedir o estúdio de abarrotar o filme de CGI. Não parece um recado da indústria para si mesma?
Há meses, Martin Scorsese – amigo e conterrâneo de Coppola – avisa sobre a automatização do modo de fazer e distribuir filmes. Já tomou muitas críticas, entretanto, seus argumentos ficam mais sólidos à medida que o tempo passa. Até porque, no mesmo 8 de abril, outros dois diretores lendários falaram da dificuldade em financiar seus projetos: John Waters, do anárquico “Pink Flamingos”, e David Lynch, de “Cidade dos Sonhos”.
Voltando um pouco no tempo, lá em 2014, o site Flavorwire escreveu um artigo sobre como o fim dos financiamentos médios estava matando a criatividade do cinema, e escanteando realizadores importantes.
É sobre isso que Scorsese tanto diz: automatizar uma arte vai afastar o público, emburrecer a indústria, implodir a criatividade dos realizadores. Um magnata só entende o conceito de Scorsese se ele tiver o som de um cifrão, certo? Pois é, a bilheteria dos últimos filmes de herói – um dos responsáveis pela crise atual – foram bem feias.
Scorsese sabe que o lucro fala mais alto para esse povo. Tanto que um magnata não teve pudor em desejar boa sorte aos investidores de “Megalópolis”. E a situação de Coppola exige um debate mais profundo. Mas a história do próprio diretor serve de exemplo. Para fazer “Apocalypse Now”, ele faliu. Colocou dinheiro do seu bolso, enfrentou um dos piores bastidores que se tem notícia (existe um documentário maravilhoso sobre isso), e levou o filme às salas com toda desconfiança da imprensa e da indústria. O resultado? Uma obra que influenciou o gênero, e abriu os céus para outras obras acontecerem. Fez a coisa girar!
Eu não sou contra a Inteligência Artificial, o streaming, os filmes de herói e as franquias. Em alguma medida, me divirto com eles. O problema é matar todas as outras opções; automatizar cada gesto, tradição ou cultura humana; enfiar os tais algoritmos para medir o que deve ser criado ou não. Essas ações retalham a expressão da vida. O público precisa ser contrariado, amedrontado, envolvido também! E o que a indústria do cinema está vivendo é sentido pela música, a televisão, e até a literatura. A publicidade não é um setor da arte, embora use elementos artísticos na sua feitura. Trabalha com a criatividade. Por isso, lutar contra a automatização da produção deveria ser um ponto em comum a qualquer profissional do ramo criativo; exigir que os traços humanos permaneçam à frente, garantindo o espaço de uma obra “experimental demais”. Por mais que seja uma indústria, e o quanto o lucro importa, esse sistema automatizado precisa morrer.
Porque o cinema é um ideal. Sobretudo, de vida.
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Tudo virou indústria Leo… educação, fé, alimento e cultura…
Infelizmente, somos governados por um jogo de interesses que manipula o painel de controle dessas tis indústrias….
Não é um discurso fatalista, mas realista… luto todos os dias contra esse jeito pasteurizado de fazer as coisas…. educação, espiritualidade, saúde e cultura podem e devem ser “orgânicas”, naturalmente conectadas às nossas aspirações como seres humanos, baseadas naquilo que nos torna únicos…
O mecanismo que nos vende algo que pensamos ser imprescindível, pois fomos convencidos por ele mesmo, precisa ser reconfigurado ou destruído…
percebo um tipo de “escravidão” contemporânea, que usa grilhões digitais para nos manter com uma repetida sensação de “felicidade”, o que torna o controle ainda mais eficiente, barato e lucrativo….