O ano de 2007 foi um daqueles momentos mágicos no cinema americano, onde “Sangue Negro”, “Onde os Fracos Não Têm Vez”, “Juno”, “Desejo e Reparação”, “O Gangster” e outros bons títulos disputavam prêmios e a atenção do público. “Conduta de Risco” (Michael Clayton) estava nesse pódio.
Tony Gilroy fazia sua estreia como diretor. Mas é da caneta dele que saíram os roteiros da trilogia “Bourne”, de “Inimigo de Estado”, um bom filme com Will Smith e Gene Hackman, e “Advogado do Diabo”. Para Gilroy, a ação vem da confluência entre a paranóia e os bastidores corporativos que acinzentam a ética e a moral dos personagens. Ninguém é propriamente mau ou bom, todo mundo flutua por este sistema financeiro voraz a implodir a nossa identidade. “Eu não sou o inimigo”, responde Michael (George Clooney) à Arthur Edens (Tom Wilkinson). “Então quem é você?”, devolve Arthur.
Na superfície, Michael Clayton é um advogado de uma dos mais importantes escritórios dos Estados Unidos. Chegou de baixo. Estudou, foi promotor, e agora trabalha no mesmo lugar há 17 anos sem qualquer tipo de vínculo ou sucesso. Ele é definido como um “faxineiro”, um profissional responsável por limpar a barra dos clientes sem que se perceba sua presença. Daí, a enorme frieza de Michael e sua passividade diante da vida profissional que o engoliu, e o vomitou fracassado e falido.
“Conduta de Risco” cobre quatro dias na vida de seu protagonista pois precisa botar um freio em Arthur, o brilhante advogado da mesma firma onde Michael trabalha, que surtou depois de 6 anos trabalhando no processo da U/North, uma indústria de agrotóxicos, e agora quer ajudar os acusadores. Michael Clayton ainda vai esbarrar em Karen (Tilda Swinton), conselheira financeira da U/North, e interessada em se livrar do processo movido por fazendeiros vitimizados pelo pesticida.
O roteiro é assombroso. Tony Gilroy usa as engrenagens do thriller político para nos laçar já na abertura do filme com um poderoso monólogo de Arthur, e mantêm a fervura com inteligência, sem um pingo de exposição. Ao contrário, as informações escondidas e apresentadas não contam necessariamente a verdade. Como a moralidade e a ética são importantes para responder quem são essas pessoas, Gilroy cria um terreno pantanoso em que as menores decisões são capazes de fulminar uma vida inteira. Nesse ambiente corporativo onde as empresas ganham status de um deus, o que Michael, Arthur e Karen dizem uns aos outros se mistura às intenções e às inseguranças da mesma água suja onde eles tentam se lavar.
Gilroy controla o volume dos ótimos diálogos com precisão; espalha alguns símbolos importantes pelo filme; revela as emoções de cada um com frieza. Sem a segurança do diretor à frente do material, a forma da história poderia nos deixar de fora do filme. O plano-sequência na casa de Arthur, por exemplo, mostra como Gilroy impõem a tensão tanto pelo diálogo quanto pelo silêncio.
Com um texto tão bom, George Clooney cria um Michael Clayton pesado, cansado, descrente com o meio onde vive, e incapaz de abandoná-lo. Em um dos seus grandes trabalhos como ator, ele transforma toda a frustração do personagem em um tipo de anestesia geral. “Quem você é?”. Se Clayton tem vergonha de dizer, Arthur quer ser Shiva, o deus da morte. Tom Wilkinson faz o oposto de Clooney: verborrágico, delirante, sua aparente insanidade parece ser sua última fagulha de lucidez. Seus embates com Clooney são elétricos. Mas é Tilda Swinton quem vai mais longe, transitando entre a fidelidade canina e a total falta de segurança sobre o que precisa fazer, magnetizada pela própria escuridão. Ela levou o Oscar de coadjuvante, e as suas cenas aflitas no banheiro, os treinos vacilantes do que vai dizer para os acionistas, o magistral diálogo com um capanga, e seu final bélico, desesperado e lascivo, justificam o prêmio. Tilda arranca um vulcão das menores frestas. O diretor e ator Sydney Pollack fecha o ótimo elenco. Outros pontos em destaque são a fotografia de Robert Elswit e a sofisticada trilha sonora de James Newton Howard, compondo a atmosfera, alargando seus símbolos morais e imorais, e conservando a dureza do que é mostrado.
Durante “Conduta de Risco”, a palavra milagre é dita por três personagens diferentes. É um detalhe curioso. Como uma mina terrestre escondida por Tony Gilroy para ferir o próprio público porque, nesse universo, não se vive sem descrença. A última cena, inclusive, engana aí. Ninguém está remido. E acreditar em si mesmo – nos outros e no sistema – também não faz diferença. Para Michael Clayton, “ser ou não ser” nunca será uma questão.
Só um preço.
Onde assistir: Telecine, Prime Video.
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Adorei a análise! Coincidentemente assisti esse filme há pouquíssimo tempo! Depois de ler este texto, fiquei com vontade de rever!