Os textos do Perci

Os textos do Perci Os textos do Perci

Antes do texto do Perci (abaixo), uma breve contextualização:

Os textos do PerciNosso mentor-unanimidade resolveu finalmente compartilhar seus causos, vividos durante quase 40 anos de comunicação.

Tudo lá no seu recém-criado “Blog do Perci. Eu tinha que contar isso”.

Os textos são como ele mesmo explicou no lançamento:

“Podem valer como inspiração para os dias de hoje, porque, por mais que o mundo, as pessoas e o ofício venham mudando, os princípios essenciais continuam valendo.”

Eu diria que não só continuam valendo como nunca foram tão necessários.

Desses 40 anos de propaganda do Perci, 12 eu acompanhei de perto, trabalhamos juntos. E se tem uma coisa que ele faz bem é vôo de balão. Balão mental.

Imagine uma galera barulhenta, falando sem parar. De repente um balão vai surgindo, bem devagarzinho acima da cabeça das pessoas e vai ganhando altitude, quase que ninguém repara. Nele vai o Perci, subindo…subindo… enxergando tudo de um ponto mais alto. É craque nisso: sair do tumulto e enxergar as coisas mais amplamente. Muitas vezes, com a despretensão de um conto.

Isso anda em falta, andamos táticos demais, moderninhos demais, especialistas demais e truqueiros demais. Falta gente que entenda de pessoas, de consumo e de como as coisas realmente funcionam. Falta dar risada, se aventurar, não se levar tão a sério. E, ao mesmo tempo, ter sempre uma competência gigantesca para fazer as coisas acontecerem espetacularmente no final.

Bom, essa breve – e sempre insuficiente – introdução é só para enfatizar que eu acho que você deveria embarcar nessa viagem e aproveitar ao máximo esses textos que o Perci anda escrevendo. Já que ele não sai da caverna (temos isso em comum), pelo menos temos os textos. São soltinhos, causos mesmo, uma delícia de ler.

Porque baloneiro desse naipe não aparece toda hora não. Pra dentro da cestinha, já.

 

OBS: abaixo, o primeiro texto, puxado lá do blog do Perci. Vamos publicar outros, os próximos ele mesmo sobe.


 

4 Rodas ou Play Girl?

(Percival Caropreso)

Se ainda hoje é assim, imagine como era criar e produzir a campanha de lançamento de um novo carro naqueles tempos: um segredo de Estado.

Ainda mais porque havia praticamente apenas um carro no mercado, olímpico e soberano, imune a todos os concorrentes que se aventuravam, chegavam e desapareciam com a mesma rapidez.

Aconteceu em 1973. A imprensa comentava que a General Motors estava para lançar o primeiro carro que ameaçaria de fato a liderança histórica do até então imbatível Fusca: o Chevrolet Chevette!

Todos os brasileiros tínhamos andado de Fusca desde que nascemos, tínhamos aprendido a dirigir num Fusca, financiamos o primeiro Fusca com suor, trocamos esse primeiro Fusca por um novo Fusca, com lágrimas.

Um amigo meu, o João, tinha o desapego de deixar a gente dirigir o Armstrong, o Fusca dele, talvez mais amigo do João do que eu mesmo.

Eu era um desses milhões de brasileiros amantes do Fusca, que nem tinha acabado de pagar as 10 primeiras prestações. Fui contratado pela McCann para ser o redator da campanha do Chevette. I mean, o redator em língua brasileira, porque o Grupo de Trabalho tinha uma S.W.A.T. de redatores, diretores criação e de arte, produtores de TV americanos, todos de Detroit. O jogo era pesado, big league.

A Volkswagen, a imprensa automotiva e o Brasil todo queriam descobrir como seria aquele novo carro, o Chevette da GM, detalhes da sua campanha de lançamento.

Com minha prévia concordância, fui abduzido, de olhos vendados, pelo Atendimento da McCann e pelo Marketing da GM. Isso acontece sempre com o pessoal da Criação, mas naquela vez eu fui literalmente sequestrado para um cativeiro ignorado.

Passei alguns dias num hotel, cujos nome e endereço eu nunca soube, acho que em alguma cidade do Interior de São Paulo. Não vi a luz do dia, não conversei com ninguém estranho.

Um pequeno grupo recluso da McCann foi exposto a apresentações de pesquisas, dados de mercado, palestras da Engenharia, comparações técnicas entre o Chevette e o Fusca.

Pudemos conhecer o Chevette numa sala hermética, blindada, sem janelas e nem uma fresta nas paredes. Olhamos, tocamos, entramos, ligamos o motor, sentimos o cheiro e astral, o caráter e a personalidade do carro. Nem pensar em dirigir, sair com o Chevette para dar uma voltinha, testar.

Em alguns dias, criamos o conceito e as linhas gerais da campanha de comunicação ali mesmo, naquele hotel. Sigilosamente, assinando um compromisso de confidencialidade ou morte.

Lá fora, a mídia fazendo barulho e a imprensa automobilística especulando, as colunas publicitárias jogando verde para não colher nada, e a minha namorada Fabiana querendo saber com quem eu estava saindo já que eu tinha sumido, a Volkswagen, as revistas 4 Rodas e Auto Esporte tentando espionar de tudo que era jeito.

Meses depois, foi armado o mesmo esquema para se produzir a campanha de lançamento, as fotos, as filmagens. Fui sequestrado de novo, porém acho que para outro hotel.

Levantamos antes do sol nascer. Uma discreta caravana rumou para uma serra. Descobri que estava em São José dos Campos e íamos filmar o Chevette na Estrada Velha de Campos do Jordão e na atual Rodovia do Tamoios. Há 34 anos esses caminhos eram bem diferentes: tranquilos, a natureza intacta, nenhuma alma à vista, pouco tráfego.

Tínhamos 2 Chevettes, cada um no seu caminhão-baú hermético, que mais pareciam carros-fortes, escoltados por seguranças em motocicletas. E mais um caminhão-baú vazio, o que não fazia o menor sentido pra mim.

Tudo funcionava como um relógio. Armava-se equipe e equipamento, a Polícia Rodoviária bloqueava o trecho da estrada, um helicóptero protegia a área. Tudo pronto pra rodar.

Luz, câmara, ação! Lá de cima da colina, um dos Chevettes saía do seu caminhão-baú e descia a estrada magnificamente, como convêm a comerciais de carro. Rodava pouco mais de um quilômetro e entrava direto em outro caminhão-baú, que já estava com a rampa pronta para escondê-lo de câmeras curiosas. Corta!

Aí eu entendi a função do terceiro caminhão-baú que vinha na caravana, vazio: engolir o Chevette da filmagem, antes que algum curioso conseguisse fotografá-lo.

Os textos do Perci

Tomada 1, tomada 2, tomada 3. Até que aconteceu o inevitável, para o qual todo o planejamento de segurança não estava preparado. Um Chevette já estava fora do caminhão-baú, prestes a descer a colina, quando reparamos reflexos no meio de uma mata ao longe: a lente telescópica, talvez de um fotógrafo da imprensa automobilística.

Era impossível o Chevette voltar ao caminhão-baú sem manobrar, tomar distância e atingir velocidade para subir a rampa. O fotógrafo faria as fotos e revelaria o segredo.

O esquema de segurança tinha furado, ficamos todos, inclusive os agentes de segurança super-treinados, sem reação. Menos um assistente humilde, um peso-pesado da produção.

Ele colocou-se entre o Chevette e a lente do fotógrafo, arriou as calças e começou a se masturbar, fazendo gestos pornográficos para a câmera.
Todo o resto da equipe se juntou a ele, fazendo o mesmo.

Fotos que jamais poderiam ser publicadas naqueles tempos. A equipe correu com uma lona e cobriu o Chevette. O sigilo estava preservado.

O Severino não era perito em segurança, não fez parte do planejamento do esquema secreto, não era americano nem treinado para situações de risco.

Mas, digamos, era mais equipado do que todos nós.
A propósito, o nome da produtora e do diretor dos filmes era Zé Pinto.

Os textos do Perci

18 comments
  1. Que saudade da época da consolação, o futebol de salão no CEEI e as caronas naquele Jeep parecido com o Manoel Audaz do Toninho Horta até na vila clementino. Direto do túnel do tempo.

Deixe um comentário