Sem querer entrar muito no mérito da situação esquizofrênica de publicitários que são de esquerda, vale avaliar os desdobramentos do comercial feito para o Kindle, explorando o cinza de São Paulo (já com um certo atraso), como um case.
Ações de comunicação de “oportunidade” são, por definição, aquelas que se beneficiam de um awareness emprestado de buzz, gerado principalmente por jornalismo e redes sociais. Quando entra nessa equação o viés político (e/ou religioso e/ou futebolístico, como se sabe) é quase certo o descontrole e o tiro pela culatra. E hoje em dia, é rápido, bem rápido.
Neste caso do Kindle, o comercial não foi apenas prontamente respondido pelo próprio prefeito da cidade (como era de se esperar), como acabou tendo suas intenções questionadas e desafiadas. E ainda virou uma oportunidade para doações e manifestações, inclusive da concorrência.
De novo, acho que o aprendizado aqui vai além da questão política. Nos faz lembrar que, ações de oportunidade devem sempre prever os respingos indesejáveis PARA A MARCA. Achar que basta simplesmente pegar “carona” com algum acontecimento recente (como fazíamos nos antigos anúncios de oportunidade de outrora), sem projetar repercussões, é ingenuidade. Imagino que a intenção da agência – e principalmente da Amazon/Kindle – era simplesmente fazer uma peça bem humorada aproveitando um assunto vigente (com atraso), e não uma crítica pesada sobre a postura contra pichadores, etc. Mesmo porque o negócio da Amazon é vender livro e não gastar um dinheirão de produção e veiculação para questionar gestão municipal.
Mas… uma coisa é a intenção, outra coisa é o que acontece na vida real quando a peça segue sozinha pelo mundo.
O comercial do Kindle
A resposta do prefeito João Doria
A ação e “oportunidade” da concorrente da Amazon
Até o posicionamento político dos criativos envolvidos no comercial foi levantado, imagine que loucura (mas uma possibilidade real hoje em dia). Enfim, os desdobramentos continuam, mas acho que já deu para ter uma ideia do residual que está se formando como resultado do comercial.
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Wagner, você mencionou que imaginou que a intenção era fazer uma peça bem humorada, entretanto, a peça é (independente do viés ideológico) simplesmente sem graça, boba, infantil e extremamente mal feita.
O time do Dória foi simplesmente mais vivo e inteligente e aproveitou a oportunidade de ouro que lhe foi dada.
A resposta da agência foi ainda mais patética do que o original e virou motivo de chacota.
Boa Bruno, a ideia é essa, avaliar como case de comunicação e discutir do ponto de vista de eficiência da ação. E principalmente não perder a lição, porque realmente não é fácil usar essa estratégia de oportunidade hoje em dia. O feedback vem rápido, forte, de todos os lugares e é cruel. Ainda mais com questões políticas.
Qualquer um que trabalhe com comunicação pode ser o próximo a dar um passo errado nesse sentido, todos nós. Mas como tem uma marca assinando e pagando e botando o nome lá no pack… não dá pra errar, tem que pensar mil vezes antes.
Esse site ILISP que discorre sobre a inclinação política dos criativos envolvidos é pura besteira. São 5 colegas fazendo mimimi neoliberal com muito apelo ao discurso em si e pouquíssimo ao conteúdo de fato. É um desdobramento bem pobre da demagogia no qual nossos políticos, Dória incluso, se apoiam pra continuarem ganhando às nossas custas.
Independente do mimimi, seja comunista ou neoliberal, enquanto a gente não parar pra separar discurso apaixonado de proposta de melhoria de políticas públicas de fato, a gente nunca vai avançar no debate político.
Esse case não é sobre política. Um dos criativos da agência publicou o seguinte no twitter logo após o início da polêmica: “se tem coxinha puto é bom sinal”. Nunca vi publicitário sacanear o seu target. Imagina um criativo de sabão em pó dizendo: “se tem dona de casa puta é um bom sinal.” Ou seja: isso nada tem a ver com política, é incompetência, simples assim. Até porque todos temos posições políticas e nem por isso misturamos com o nosso trabalho. Saber que pessoal ≠ profissional é básico, ainda mais envolvendo o nome de um cliente. Li um comentário que pra mim ilustra o viés que importa discutir: “Agora imagina uma equipe de marketing inteira formada por Millennials fedendo Starbucks e Lollapalooza, perdendo escandalosamente relevância nas redes sociais para um cara de 60 anos que usa um suéter rosa amarrado no pescoço.”
É isso.
Leo, realmente não conheço o site. O fato de eu o ter mencionado foi para mostrar que até o posicionamento político do criativo pode ser esmiuçado e acabar indo parar lá dentro do case. Acho uma prática condenável, mas é importante ter a consciência de quantos níveis de risco existem em um comercial de oportunidade que usa uma questão política como tema. Esses riscos independem de que lado político você esteja. Se fosse um comercial em favor do cinza, o problema e o risco seriam os mesmos.
Com relação ao Doria, não acho que foi demagogia não, alias eu diria que ele mandou muito bem, acabou sendo o que melhor aproveitou a oportunidade, com rapidez e um texto cirúrgico de tão preciso. Se fosse uma marca fazendo essa réplica, aplaudiria da mesma forma. E por fim, se a gente gosta ou não dele, isso é irrelevante na hora de se avaliar um case de comunicação, pago por uma marca e com uma expectativa de algum tipo de retorno. Estamos falando de empresas, marcas, investimento, imagem e consumo. E não de avanço político de A ou B. É uma ação de mkt, com agência contratada, remunerada. Minha intenção ao escrever o post é convidar para uma análise de eficiência do ponto de vista de comunicação e não político.
Sim, concordo que a resposta do Dória foi bem boa e que a ação de oportunidade foi bem falha.
Um problema que vejo aqui no brasil é que a gente polariza praticamente tudo. Teve um monte de gente querendo boicotar Amazon por ser “esquerdopata”. Parece um problema terrível de comunicação mas daqui um mês quando tiver promoção de eletrodomésticos a gente vai estar lá comprando.
Com a Skol ano passado foi bem parecido. Teve todo o rolo com “Deixe o não em casa” e eu duvido que todo mundo tenha parado de comprar Skol quando o preço dela tava mais em conta que o das concorrentes diretas.
Lá fora as marcas se posicionam de maneira firme, até os jornais apoiando ou não algum candidato durante as eleições. Aqui temos essa falsa noção de que todo mundo é “neutro” e que um posicionamento político é um indicativo de qualidade do produto ou práticas da empresa (usando o bom senso pra essa análise, claro. Racismo e paisagismo urbano são coisas diferentes). Por aqui ser neutro parece ser a regra e mesmo quando alguém se posiciona e gera polêmica, some rapidinho.
Uma marca se posicionar politicamente não é nem de longe um problema. Se ela se posiciona defendendo práticas ilegais, irregulares ou antiéticas aí é um problema (e mais problema são as que FAZEM isso e se posicionam neutras, mas é outro problema).
Achei ótimo que essa ação pouco pensada tenha gerado esse buzz todo. Agora que a consciência política por aqui começou a usar chupeta e engatinhar, rola passar pra próxima fase, a de perceber os limites da esfera política.
Sim, claro. Marcas tem personas e nem precisam se manifestar para tomar partidos. Basta existir. Basta fazer parte de uma determinada categoria, ou de determinado serviço, a maneira como trabalha sua cadeia, sua comunicação, seu público…enfim, basta existir mesmo. A questão é a do risco que surge quando tomam uma posição por simples oportunismo. Nem Amazon nem Kindle tem nada a ver com grafite, Joao Doria, coxinhas ou mortadelas. Nada. Aí a marca fica com essa cara de quem pagou pela boca alheia, no trombone alheio.
De novo: nada contra posicionamentos, contra, ou a favor. Cada um tem sua opinião. Mas do ponto de vista de comunicação, foi fraco. E caro para a marca (em espécie e em imagem)
A coisa é ainda pior e ninguém falou sobre isso: se olhar só para o comercial em si – sem o lado político – vai ver que ele é ruim pra caramba! Começa com uma fotografia cinza escuro esverdeada, bem triste, preparando para uma transformação que vai acontecer. Então alguém aperta o kindle e umas projeções “meia-boca” são jogadas nas paredes. Cria-se a expectativa que a cidade vá ganhar alguma cor, luz, se alegrar – viva a leitura! – mas no “grand finale” a cidade continua cinza escuro esverdeada. Fria, sem humanidade ou emoção, solitária. Só carros. Igual a do início do filme. Ou seja: o aparelho não mudou nada, não serviu pra nada, só fez perpetuar o ar de tristeza. Mostra que não presta ao que se propõe e ainda assina embaixo. O conceito de um aparelho que está relacionado ao prazer de ler ( p r a z e r ! ), á conveniência e á comodidade foi totalmente ignorado. Não funciona, com ou sem grafite.
Mamilos são sempre polêmicos.
Se meter num assunto que divide (ao meio) opiniões para uma campanha publicitária é tomar partido. E isso acaba (sem querer) segmentando seu público. Oras o Kindle tem: Marx a Mises. My Kampf a Revolta de Atlas.
Para um leitor digital, eu não deveria querer “escolher o meu público” dividindo-os entre os retratos de “Dória Grey”…
Mas sempre funciona. Cá estamos todos, discutindo o assunto.
Sei que ainda tá rolando o bafo, mas só eu achei arriscado para as outras empresas se oferecerem dessa forma à prefeitura (pra não dizer ao prefeito)?
Acho muito legal (talvez até obrigatório) empresas realizando doações, ajudarem escolas, ongs… faz parte da sua responsabilidade social. E como qualquer ação responsável, imagino eu, ela deveria ser feita com um mínimo de planejamento.
Não quero desqualificar de nenhuma forma a atitude destas empresas, mas não acredito – apesar da ótima intenção – que estas marcas pensaram em impacto social, ou na utilidade e necessidade destas escolas. Digo, quem saberia dizer quais são as necessidades primárias hoje na nas escolas da rede municipal? Já cansei de ler notícias sobre bibliotecas abandonadas porque não tem funcionário para cuidar, equipamentos estragando por que ninguém é treinado para utilizar… mas enfim, não quero entrar na política.
O meu ponto é: existem alguns momentos em que o risco de cair de cabeça num marketing de oportunidade é aceitável para uma marca. Mas tenho certeza que discussão política não é um destes momentos.
Aparentemente, pelo que tenho lido, estas marcas não sairão muito machucadas. Mas passaram bem perto de adjetivos bem complicados e difíceis de se descolar da imagem depois: “oportunistas”, “lobistas”, “máfia”, “propina”, “cartel”…
Abração Wagner!
Com certeza Marcel. Tudo que ronda esse tipo de ação de oportunidade é meio que feito de bate-pronto, tanto a ação original, quanto as réplicas, tréplicas, etc. E em cada etapa dessas, o risco tá lá de novo, só muda o endereço. Neste caso específico, acho que a equipe do João Dória agiu com rapidez e foi quem aproveitou melhor a situação, textinho na medida, sem margem para muitas reinterpretações (do ponto de vista de comunicação). Kindle – e os demais players, que agora tentam a carona da carona da carona – acabam ficando nesse território delicado da tentativa de dar a última palavra.
Prefeito João Dória, tive a oportunidade e o privilégio de um dia ter conhecido e namorado sua prima Isabel Calmon e dai para frente começei acompanhar sua carreira de muito trabalho e consequente sucesso.
Você se assim me permite chamá-lo está ensinando, reeducando, aculturando cabeças ainda pervertidas com “hábitos” de somente criticar e nada fazer.
Parabéns pelo seu trabalho, sua conduta e hoje posso falar com certeza e, em alto e bom som… Tenho orgulho de ser Paulistano.
Sou apolítico, sou um aposentado desempregado, porém com muita visão de comprometimento e covilidade.
Abraços calorosos
Clovis Eduardo R. Camargo
Mas a Amazon fez isso. A tréplica, também em vídeo, já foi postada. Nesse link dá para acompanhar: https://www.facebook.com/brkindle/videos/417905658567995/
Talvez por desconhecimento de quem escreveu a matéria, ou pelo viés político, é que isso não tenha sido observado. ;)
Ps. Postei como anônimo sem querer.
Oi Marco, realmente não tinha visto esse video. Mas isto não é uma tréplica, nem uma predisposição explícita de doação de livros ou tablets como fez a concorrente. “Todos poderão baixar um livro digital”? Na minha opinião continua vago e com ruído de comunicação. E pouco.
Mas mesmo que a gente considere essa reedição como uma resposta, ainda sim veio tarde e de forma tímida, basta acompanhar o que anda sendo comentado sobre a ação por aí. Mas antes tarde do que nunca. É uma tentativa, então vale. A Amazon não tem culpa nessa história, apenas seguiu, talvez precipitadamente, uma proposta arriscada. Por isso o aprendizado.
Achei muito boa a propaganda que, como você disse, se aproveitou de um acontecimento recente pra criar uma narrativa. Da mesma forma, achei boa a resposta do prefeito que se aproveitou da propaganda para tentar obter um benefício para os serviços públicos. Ambos de forma respeitosa.
Só achei que a Amazon podia ter aproveitado a chance da tréplica e ter feito a doação, como o prefeito pediu. Ia sair por cima!
Também achei Fernando, aliás, isso também já podia estar previsto. Seria uma ótima forma de manter a visibilidade da ação e ainda amenizar os pontos delicados da questão política.