A partir do momento em que o primeiro episódio de 13 Reasons Why começa, você tem apenas uma certeza: já é tarde demais.
A nova produção original da Netflix inicia sua trama nos dias posteriores ao suicídio da jovem Hanna Baker, em meio ao caos que um acontecimento desses gera no colégio onde ela estudava e na vida das pessoas que interagiam com ela.
Hanna era uma garota bonita, espirituosa, inteligente e única. Ela tinha pais amorosos e até mesmo um interesse romântico, o carismático e socialmente deslocado Clay.
Então por que ela cometeria suicídio?
É o que o espectador é convidado a descobrir quando Clay recebe uma caixa cheia de fitas K7. Nelas, Hanna gravou os 13 motivos que a levaram a tirar a própria vida… e também revela as pessoas que compartilharam a responsabilidade pelo fato.
Somos então jogados em uma história que vai muito além do drama existencial da adolescência. Claro que todas as questões famosas do gênero estão lá, como a busca pela identidade, o preconceito, o isolamento, o bullying. Mas a série vai além, apostando também em elementos de investigação/mistério e sendo mais do que bem sucedida em gerar uma atmosfera de suspense.
Claro, pois acompanhamos a maior parte dos acontecimentos pelo ponto de vista de Clay, um cara que parece ser muito gente boa. Mas, se é assim, por que diabos ele estaria naquelas fitas? A espera pela resposta é enervante!
Claro que não vou dar nenhum spoiler aqui. Mas, se você tem a intenção de assistir, saiba desde já que não é uma tarefa fácil ou leve. O tom vai ficando cada vez mais sombrio conforme a trama avança, até o ponto em que não desviar os olhos da tela se torna uma tarefa quase impossível.
Um dos grandes acertos da série está na cuidadosa construção de personagens. Você consegue enxergar aquelas figuras como pessoas reais, complexas, com sonhos, medos e fraquezas. Alguém que em um primeiro momento desperta o seu ódio, após alguns capítulos acaba te surpreendendo e se mostrando muito mais uma vítima das circunstâncias. Como saber se não faríamos o mesmo se estivéssemos ali, em seu lugar?
Não há conclusões fáceis, embora alguns personagens soem menos tridimensionais do que outros.
A série acerta em não investir em um maniqueísmo simplista de certo/errado. O que temos, na verdade, são diversas versões e pontos de vista para o que aconteceu. E é muito legal perceber que mesmo Hanna não escapa das falhas, pois as coisas que relata não são necessariamente fatos, mas uma visão sobre esse fatos. E não é à toa que um personagem, em determinado ponto da história, afirme que conhece a verdade de Hanna, resta conhecer as outras verdades.
Também nos chama a atenção o universo tão rico de personalidades que, por um lado, escapa dos clichês, mas, pelo outro, os utiliza com eficiência – afinal, clichês existem por um motivo: eles são reais. Sendo assim, ao mesmo tempo em que temos o atleta imbecil e que pratica bullying diariamente, também temos o gay que poderia ocupar o papel de galã machão em uma produção menos inteligente.
A série ainda não se contenta em levantar velhos debates, mas faz questão de levá-los a outro nível de profundidade, como quando um personagem em conflito com a própria sexualidade diz que jamais poderia se assumir como gay já que seus pais adotivos o são (obviamente antevendo comentários preconceituosos de gente ignorante que acredita que a inclinação sexual é algo a ser aprendido ou doutrinado).
Assim, a cada novo capítulo, 13 Reasons Why nos leva adiante em uma jornada na qual conhecemos mais desses personagens e seus dramas, em um verdadeiro exercício de empatia.
E empatia aqui é a palavra chave. Sim, pois há duas maneiras de assistir a essa série…
A primeira é com distanciamento, enxergando-a como mero entretenimento adolescente. Se esse for o seu caso, pode até ser que você não assista todos os episódios, trocando-os por algo mais ágil, agradável e digerível. E tudo bem se essa for a sua escolha.
A segunda maneira é com o coração aberto, disposto a se conectar com todos aqueles jovens. Essa, obviamente, é a minha sugestão… mas saiba que, se você trilhar esse caminho, a experiência que viverá, embora poderosa, não será nem um pouco gentil. E aqui tenho que tirar o chapéu para a coragem demonstrada pela Netflix em apostar no que é necessário ao invés de apenas no que é legal.
Pois, quando aquela certeza que eu mencionei lá no primeiro parágrafo deste texto se concretiza, quando finalmente vemos o instante que coloca toda uma cadeia de acontecimentos em movimento, ela vem como um soco. É brutal e angustiante.
Não há nada de belo ou romântico no suicídio de Hanna Baker. Apenas os instantes finais de uma história que poderia – que deveria – continuar, mas que é substituída por um ato final que dá origem a um sem números de danos colaterais, impactando para sempre outras vidas.
Sim, pois essa é a maior tragédia por trás do suicídio: o fato de que existem pessoas que sofrem com a perda e que amam aquele que se foi… só que este jamais saberá disso.
Veja, quando uma pessoa chega a um ponto de desespero tamanho que parece não haver outra alternativa, é porque essa pessoa não consegue mais se enxergar fazendo parte. Ela está sozinha, desconectada, vazia. Ela realmente acredita que o mundo e as pessoas nele estariam melhores se ela não existisse.
Então ela faz a única coisa que está ao seu alcance para parar de sofrer e para parar de atrapalhar os outros: ela desaparece.
E desaparece na que talvez seja a mais solitária das mortes.
Eu não consigo nem começar a conceber o tamanho da angústia de um suicida nos momentos que antecedem a tomada de decisão definitiva.
Já parou pra pensar em como deve ser segurar uma lâmina entre os dedos enquanto faz os cortes transversais no pulso? Depois ainda ter que trocar a lâmina de mão e fazer a mesma coisa com o outro pulso, enquanto as veias expulsam o sangue e a vida do seu corpo?
Será que você sente frio ou calor? Será que fica amortecido ou sente a dor até o fim?
Eu tento fazer um exercício imaginativo sobre saltar de um prédio e sentir o coração disparado conforme o vento passa cada vez mais rápido pelos ouvidos. Tento imaginar como a mão deve tremer quando se encosta o cano gelado de uma arma contra a própria cabeça, sabendo que basta fazer um movimento de dedo para deixar de ser uma pessoa e virar um objeto.
Eu tento usar a criatividade para ter uma mínima ideia do que é morrer completamente sozinho, trancado em um banheiro ou em um quarto ou em uma garagem. Morrer sem ninguém para segurar a minha mão ou dizer que sentirá a minha falta.
Eu tento. Só que eu nunca consigo imaginar até o fim.
E por isso não sei dizer como um suicida se sente. Sei apenas que deve ser triste e doloroso demais experimentar a existência como uma tortura.
Você consegue imaginar algo do tipo? Eu não consigo.
E, justamente por não conseguir, eu acho que não tenho o direito de julgar. Não tenho o direito de dizer que é frescura ou pecado ou covardia.
Hoje mesmo, ao pesquisar sobre o filme, eu vi um comentário de um leitor em um famoso site de cultura pop dizendo que a série era besteira pois claramente se tratava de uma garota que se comportou como vadia e depois não aguentou o tranco. Pois é, consegue acreditar em uma coisa dessas?
Esse tipo de comentário mostra como estamos alienados, como estamos falhando.
Por tempo demais lidamos com esses problemas como se fossem algo que deveríamos varrer para debaixo do tapete. Algo que acontece com pessoas fracas, mas que nunca rolaria com a gente, ou com um amigo, ou com um filho.
Só que acontece. E não tem nada a ver com fraqueza.
O ser-humano é um animal social. Pelo bem ou pelo mal, nós precisamos uns dos outros. Precisamos olhar ao redor, sorrir, brigar, ter discussões, discordar e encontrar pontos em comum. Precisamos perceber uns aos outros. Precisamos ouvir esses gritos silenciosos que com tanta raiva e desespero nos dizem:
“Eu existo, você não vê?”
13 Reasons Why viu.
A série não apenas teve sucesso como storytelling de entretenimento, mas também levantou uma discussão importante, que precisa transcender os círculos escolares e chegar em lares, rodas de amigos e ambientes de trabalho.
Já passou da hora de prestarmos mais atenção.
Se não formos capazes disso, então tudo o que conquistamos até aqui não serviu pra muita coisa e um dia todos morreremos sozinhos.
Acho difícil uma pessoa que já passou por isso conseguir assistir a série. Talvez ela tenha sido feita para alguém que tenha estrutura emocional suficiente para poder ajudar pessoas que estão sofrendo sozinhas e caladas nesse momento. Eu não conseguiria assistir. Mas acho importante que justamente essa parcela da sociedade que acha uma idiotice, pudesse assistir com verdadeira intenção de entender o que se passa em momentos tão sombrios e desesperadores.
Bom texto! A parte dos exercícios mentais foi uma boa sacada. Vou conferir a série!
Foi muito feliz trombar com esse post depois de meia-maratona assistindo à série. A fita do Clay ainda me aguarda, mas todo seu texto é sobre a mesma percepção que eu tive ao longo dos episódios. Peguei para ver apenas para passar o tempo enquanto fazia outras coisas, mas não deu para não parar tudo e me atentar ao fato de que uma série era o mínimo necessário para cercar uma narrativa sobre suicídio na adolescência. Quanto fica omitido quando os relatos se concentram na tragédia! Há tantas pessoas envolvidas, e a própria adolescente é muito mais complexa do que apenas “frágil demais para aguentar o tranco”. Hannah faz você se colocar no lugar de muita gente, inclusive das que culpam a vítima, suspeitam de seu egocentrismo e possíveis mentiras, pessoas alienadas de quão nocivas podem ser em seus momentos de estupidez (como a lista de Alex, ABSOLUTAMENTE ‘CORRIQUEIRA’ na adolescência de todos nós). Enfim, uma série que se beneficia da subestimação que reservamos a filmes juvenis. É uma bordoada e um revival das revoltas que sentimos nessa idade. E mais: a completa inaptidão dos adultos da série (da vida?) em fazer todo esse movimento de se lembrarem como era essa época. De novo, Netflix acertou em cheio. E sobre seu texto, feliz ainda como o tema transcendeu; somos muito capazes de passar um final de semana inteiro assistindo a conteúdos muito eluciladores, mas, como o comentário que você destacou, precisamos trazer essas reflexões para a vida real como um hábito. Temos 13 horas de intensivão de empatia e alteridade (apontando apenas uma série), e muito, muito exercício de percepção sobre como a ficção só se inspira na vida.
Oi, Clara! Obrigado pelo seu comentário. Adorei tudo o que você disse. Outra coisa que me chamou a atenção foi a postura da Netflix em fazer uma série focada principalmente no público adolescente, mas que, em nenhum momento, tira o pé do acelerador ou simplifica a problemática. Muita coragem. E que bom que está colhendo os frutos. Pelo que vi hoje, lá fora a crítica já é praticamente unânime. Que sirva de inspiração para novas produções.
Um grande abraço!