Atualmente cerca de 40% da população mundial está online (então, como a boa matemática indica, 60% não está). Na bolha composta por todos nós, que aqui lemos este texto em um dispositivo conectado, considerar a adoção global da conectividade (que hoje carinhosamente chamamos de internet) é uma questão de tempo, certo? Humm, não é bem assim…
Conectar pessoas não significa simplesmente dar-lhes acesso a dispositivos e infraestrutura necessária para estar online. E este é um dos pontos de um interessante estudo que a Prof(a) Dra. Ellen Helsper, da London School of Economics está conduzindo que leva em consideração outras variáveis para identificar o real valor da Internet na vida da população (VAN DEURSEN, HELSPER & EYON, 2016).
Embora, no momento, ele esteja contextualmente restrito ao Reino Unido, o conceito central desta pesquisa pode ser refletido em escala global.
Inicialmente, ela toma como base quatro grupos de influenciadores para fluência digital dos indivíduos e, a partir deles, questiona o que exatamente entendemos como inclusão digital:
- Acesso: qualidade da conectividade (capacidade da infraestrutura para realizar ações no meio online), ubiquidade da conectividade (grau de disponibilidade da conectividade), autonomia para conexão (depende de outros para ter acesso?)
- Capacidades: técnica (sabe usar novas tecnologias), social (consegue interagir em um ambiente tão diverso), crítica (capacidade analítica do ambiente, seu conteúdo e relações sociais) e criativa (capacidade de geração de conteúdo e colaboração)
- Motivações (para estar online): interesses pessoais, valores gerais, normais sociais
- Engajamento (para que usem o meio online): trabalho/aprendizado, saúde, interações sociais, entretenimento, engajamento cívico
Do uso inútil…
Ainda hoje, grande parte das métricas relacionadas ao sucesso da penetração da internet entre a população leva em consideração o acesso e a capacidade percebida em se utilizar “a internet” (como uma entidade única, monotemática) e/ou ferramentas específicas.
Análises questionam, por exemplo, o nível de confiança do indivíduo para com novas tecnologias (auto-confiança para utilizar dispositivos e/ou ferramentas) e sua capacidade de utilizar plataformas ou dispositivos específicos (incluindo aí Facebook, Google Search, smartphones, etc).
Isto porém esconde uma importante faceta do analfabetismo digital, justamente uma das críticas feitas pelo estudo.
Em uma pesquisa realizada no Reino Unido com uma amostra representativa dos 20% dos cidadãos que não estão online, a razão pela qual não adotavam a Internet foram, em resposta múltipla: custo (52%), disponibilidade de acesso (68%), capacidade de uso (76%) e, o que surpreendeu os pesquisadores, interesse (94%).
Ou seja, por mais que seja possível eliminar as barreiras técnicas (e relacionadas às capacidades de uso), este grupo segue não vendo valor na conectividade e, diferentemente do que alguém poderia inferir, não se trata aqui unicamente da 3a idade (o estudo abarca pessoas de 16 a 54 anos).
Isto tem uma razão mais profunda. A falta do interesse na conectividade muitas vezes está ligada a incompreensão de como o meio online pode efetivamente fazer diferença prática na vida. Na verdade, a ignorância quanto aos benefícios de uma sociedade em rede não está presente somente naqueles com pouco interesse em fazerem parte desta comunidade global, mas também é bastante representativa entre os que, ao menos em teoria, estão conectados.
Em outro cenário, era de se esperar que usuários mais jovens (16-24a) tivessem maior fluência de uso das plataformas digitais (acesso e capacidades); curiosamente (ou nem tanto) este mesmo grupo é o que tem menor habilidade em relações sociais online (40% deles têm dificuldade em estabelecerem relações sociais produtivas no meio digital) e, ainda que extremamente confiantes quanto a seu conhecimento e capacidade de uso da internet e novas tecnologias, 60% têm pouca noção de como a Internet pode ser utilizada como ferramenta para crescimento pessoal e profissional (como, por exemplo, procurar emprego, melhorar relações sociais ou incrementar seu conhecimento em algum tema).
Assim, tanto entre os desconectados e mesmo entre boa parte daqueles que fazem parte da Rede, há uma incógnita considerável na percepção de utilidade da Internet; estes indivíduos não possuem a capacidade de entender como a conectividade para melhorar sua qualidade de vida, no sentido mais amplo da palavra.
… à transformação do indivíduo
Uma das propostas da Dra. Helsper é rever a forma como entendemos fluência digital. Ao invés de mensurar o nível de conectividade de uma população simplesmente pelo acesso e uso, sua proposta inclui escalas de conhecimento em cinco áreas: Capacidade social, Criação de conteúdo, Avaliação crítica, Operação e Manejo da Privacidade/Segurança.
Outra questão importante é sua visão de alfabetização digital: a habilidade de utilizar as TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) de forma a obter resultados tangíveis e de qualidade que gerem impactos na vida.
Isto confronta as tradicionais questões “O que você consegue fazer?” (capacidade) e “O que você faz?” (uso) com “O que você consegue obter com isso?” (resultados ou, no termo original, outcomes).
A inclusão digital de qualquer população, portanto, deve ser aprofundada. O acesso (paralelo à motivação), a capacitação e o engajamento devem ser sucedido pela conscientização sobre os impactos econômico, social, cívico e cultural de estar presente e ativo nos meios digitais.
Provocando a discussão sobre esta abordagem, que uso estamos fazendo as ferramentas digitais além dos (sim, divertidos) vídeos de gatos, gifs animados da Gretchen e textões de Facebook?
Boa JC. A aldeia ficou global, agora quem precisa tirar o atraso somos nós, os humanos.