George Lucas surpreendeu o mundo quando lançou Star Wars, usando efeitos especiais, gambiarras e muita improvisação, além de um estranho conceito de linguagem cinematográfica. Todos já conhecem essa história muito bem, e não carece de ser dissecada aqui. Quero apenas destacar o fato de que esse dourado capítulo na história de Holywood poderia não ter existido. Lucas não tinha dinheiro para a produção da trilogia que mudaria os rumos da cultura pop mundial, e para piorar, o estúdio não gostava muito do projeto e não lhe deu muito crédito. Tudo conspirava para que Guerra nas Estrelas se torna-se um grande fracasso. Mas não foi.
“São os tempos de grande perigo em que os filósofos aparecem — então, quando a roda gira sempre mais rapidamente — eles e a arte assumem o lugar do mito em extinção. Mas eles se projetam muito para frente porque só muito lentamente a atenção dos contemporâneos se volta para eles. Um povo consciente de seus riscos gera o gênio.”
— Friedrich Nietzsche
Steve Jobs foi demitido da Apple, em 1985, por John Sculley, ex-CEO da Pepsi, o homem que ele mesmo contratou para revolucionar sua empresa. Essa foi uma amarga experiência para um sujeito que tinha doado tudo o que tinha para criar uma empresa, ao rigor de sonho idealizado e a esperança de revolução cultural. O seu retorno, 11 anos depois, provou o quanto era genuína a sua vontade de interferir de forma positiva e grandiosa no mundo. Mas, talvez isso só tenha sido possível porque ele levou um pé na bunda. Teve de descer ao fundo da caverna escura e voltar de lá com algo novo e um jeito melhor de ver e lidar com a realidade. Vomitou o orgulho (ou parte dele). Amadureceu. Seu discurso em Stanford, em 12 de junho de 2005, é uma das provas cabais disso. Para quem conhece sua história, e não são poucas as pessoas, sabe que a doença que lhe tirou a vida também ofereceu um senso de urgência, janela para contemplar as coisas de forma prática e trazer à vida uma quantidade imensa de criações sem precedentes. Ele se foi, mas ficaram suas incríveis ideias inspiradoras.
Existem infinitos cenários amargos que geraram algum tipo de revolução criativa. A Depressão de 29 nos Estados Unidos, mostrou um país quebrado que saiu das cinzas; a Alemanha pós Primeira Guerra, um país destruído que tirou, ninguém sabe de onde, capacidade para se tornar, em tão pouco tempo, a maior potência bélica do mundo (mesmo guiada pelo maldito Nazismo), e o crédito de invejável criatividade (que foram copiadas pelos americanos e russos no fim da guerra); o Japão pós bomba atômica, etc, etc, etc. A lista é infinita. Quem são os americanos, os alemães e os japoneses? Há menos de 100 anos, estavam humilhados e sem rumo. A dor exige um preço urgente. A amargura risca traços de genialidade por toda a história da humanidade. Quem sabe nossos parentes mais antigos, avós dos famosos sapiens, não usaram as paredes de cavernas escuras para lamentar a tragédia de se capturar animais na savana, dividindo as caçadas com perigosos predadores. Como dizia Jobs, só podemos “conectar os pontos se olharmos para trás”, olhar para frente não nos dá perspectivas. A história da criatividade se confunde com a história das revoluções humanas, e elas sempre tem um gostinho estranho.
A cena final de Footloose, filme dirigido por Herbert Ross, em 1984, quase não existiu. Lembra da moçada se requebrando como loucos ao som do hit de Kenny Loggins? Sim, por pouco ela não estaria gravada na mente de milhões de pessoas ao redor do mundo. A produção não tinha grana para terminar o filme. Só rolou porque numa sessão de teste, antes da estreia, o público rejeitou o final. Era só um filme de adolescentes querendo dançar, mas o gosto amargo lhe ofereceu uma oportunidade para ser reconstruído. O estúdio, então, levantou o dinheiro para contratar dançarinos e, faltando apenas 6 semanas para o lançamento, gravou a cena que se tornou um marco do cinema.
Criatividade não tem preço, tem propósito. A professora de Harvard, Teresa Amabile, provou que criações geniais não tem preço. Participantes de várias de suas pesquisas se revelaram muito mais criativos quando não recebiam nenhuma recompensa. Artistas plásticos tiveram suas obras avaliadas por equipes de especialistas, e ficou provado que as peças que não haviam sido encomendadas por clientes eram as mais ricas em engenhosidade e ineditismo. George Lucas criou um poderoso universo que tanto nos encanta até hoje, e promete seguir mantendo sua magia ainda por muito tempo. E isso tudo começou na mente de um garoto tímido e sem dinheiro, que tinha a seu favor apenas um sonho estranho no coração e muita, mas muita determinação. Isso fez toda a diferença.
Afinal, depois de darem um preço ao que criamos, podemos ver o seu limite. Somos apaixonados pelo suspense, pelo não saber, pelo segredo oculto na sensação de apenas imaginar o que nossas ideias vão criar na mente de outras pessoas. Os gênios nascem em qualquer lugar onde se fizer necessário atitudes inéditas. Não herdamos a genialidade, e ela não nos pode ser dada de presente. Basta ser humano e ter um mínimo de sensibilidade e, é claro, ausência de conformismo. Pois, o que conecta a maioria daqueles que chamamos de gênios é o simples fato de que eles não desistiram de seus sonhos, por mais estranhos que fossem.
São chamados de loucos por estarem sempre tirando as coisas do lugar, mudando a cultura e bebendo o caos; não têm certidão e endereço fixo, às vezes, nem túmulo conhecido, mas nunca, definitivamente, nunca passam despercebidos. A franquia Star Wars foi vendida à Disney, que pagou a bagatela de 4,5 bilhões de dólares ao senhor Lucas, que agora poderá ver a sua criança sendo “educada” por novos pais. Será que ele vai precisar voltar algum dia ao comando da LucasFilm para consertar as coisas? Isso ninguém sabe. Não dá para prever catástrofes, e nem quando gênios precisarão surgir ou renascer de suas próprias cinzas. Nos resta a arte, a consciência e a sensibilidade. Essa é a beleza da vida.
Eduardo Lima; Leonardo Todeschini! ;)