Nesse mês de janeiro de 2019 vim para a Eslováquia para fechar minha pesquisa de pós-doutorado com o tema “Advergames” na Paneurópska vysoká škola (PEVŠ) ou – traduzindo – Universidade Pan-Europeia. No tempo entre a apresentação do trabalho e alguns cursos que dei, fiz algumas viagens para países vizinhos e aproveitei para visitar alguns estúdios de games.
Nesse post quero compartilhar a visita que fiz ao estúdio Moonlit da cidade de Cracóvia (Polônia). Me convidei na cara de pau e me receberam muito bem. Além de visitar o escritório deles, bati um mega papo com Mateusz Manatowicz, especialista da área de marketing e PR do estúdio. A seguir compartilho em formato de entrevista a conversa que girou em torno do mercado de games polonês, cultura gamer na Europa Central, marketing e modelos de negócios para games.
- Fale um pouco do estúdio Moonlit Games.
Mateusz: Nós somos um estúdio de games e software house sediado na cidade de Cracóvia (Polônia). Começamos nossas atividades em parceria com outros estúdios de games, mas em 2018 começamos nossos dois primeiros projetos autorais: Playerless (link para o Steam) e Ignis (link para o Steam). Nosso foco é mobile e PC, mas estamos programando nossos games para consoles também sempre usando Unity como plataforma.
2. Como é a indústria de games na Polônia hoje?
Mateusz: Bem, pode-se dizer que é uma indústria bem desenvolvida. Sem dúvida alguma os games da série THE WITCHER abriram portas para que o mundo conhecesse o mercado polonês e atraiu alguns olhares para o país. Hoje, além da CD Projekt RED (estúdio de Witcher) temos outros escritórios de destaque como Eleven Bit e Play Way – esse último especialista em simuladores. O mercado polonês em si é pequeno (somos um país de 37 milhões de habitantes) por isso a maior parte das produtoras foca seus esforços em mercados estrangeiros, principalmente EUA, Reino Unido e Canadá (sem perder de foco a Ásia também).
3. O que você considera um fator de sucesso para ter um mercado de games desenvolvido na Polônia?
Mateusz: Primeiramente é importante mencionar que o governo polonês enxerga os games como uma indústria lucrativa e interessante para o desenvolvimento do país. Por conta disso e também com parcerias de fundos da União Europeia, muitos estúdios estão recebendo apoio (inclusive os pequenos produtores). Startups, eventos e game jams têm recebido apoio governamental. Recentemente um grupo, inclusive, montou uma associação para ajudar desenvolvedoras indies na Polônia, a Fundacja Indie Games Polska.
4. Os jovens se interessam por trabalhar nessa indústria? Como isso se reflete nos cursos superiores?
Mateusz: Sim. Muitas pessoas estão se interessando em entrar nesse mercado. Porém, é importante ressaltar algo: há um equilíbrio entre quem programar games, fazer game design e trabalhar com marketing nessa área. Isso se reflete diretamente sobre como várias faculdades estão criando cursos específicos de desenvolvimento de jogos ou introduzindo o tema em outros cursos correlacionados. Acredito que o mais importante é que as pessoas interessadas na área estão vindo mais preparadas para encarar o mercado como algo sério e que precisa de modelos de negócios sólidos; cada vez menos vemos aquele perfil sonhador que acha que trabalhar com games é um conto de fadas.
5. Como é o trabalho na Moonlit?
Mateusz: Como eu mencionei, é recente nosso investimento em jogos autorais e isso exige uma equipe bem completa para desenvolvimento. Nossa equipe é enxuta e temos um time completo de profissionais: gestores de projeto, game designers, artistas (2D e 3D), programadores e equipe de marketing & PR. A parte de música e sound design nós terceirizamos. O trabalho na Moonlit é totalmente multidisciplinar; desde a concepção do game/projeto nós procuramos coordenar o que o produto terá de diferencial para que possamos utilizar isso com nossa estratégia de marketing. A grande pergunta que percorre nosso pipeline é “o que será diferente no projeto e como isso será comunicado”?
6. Fale um pouco dos games autorais da Moonlit que estão vindo por aí.
Mateusz: Estamos para lançar o jogo “Playerless” para PC. É um game com foco total na narrativa. É um jogo sobre um jogo. Você joga dentro de uma máquina de arcade e deve consertar o game, seus NPCs e bugs; ficou bem experimental.
O outro game que estamos lançando é o Ignis que tem uma temática mais familiar de uma batalha de magos em uma arena; o grande diferencial desse game – que vai sair pra PC e Xbox – é como os players vão conseguir customizar as magias de inúmeras maneiras.
7. No Brasil existe uma comunidade gamer bastante ativa e muitos estúdios apontam que muitos gamers brasileiros são preconceituosos em relação aos jogos nacionais. Como é a relação dos jogadores e os games poloneses?
Mateusz: Os gamers poloneses, como eu mencionei, formam uma comunidade bem engajada. No geral eu diria que o sentimento é de orgulho em relação aos jogos poloneses. A comunidade apoia positivamente a indústria e os estúdios. Logicamente temos uma faceta “tóxica” dessa comunidade, mas eu vejo que a maioria possui uma atitude positiva em relação a isso.
8. Em relação aos board games e card games: também é um mercado em ascensão?
Mateusz: Com certeza. Basta olhar a quantidade de board game shops que temos pela Polônia. É um hobby que cresce cada vez mais e, logicamente, abre portas para outro tipo de desenvolvedor. Fora o fato de que é essencial jogar jogos analógicos para pensar games digitais.
9. Deixe algumas palavras finais para o público brasileiro.
Mateusz: Acredito que uma indústria forte de games se faz com uma conexão entre quatro pilares: governo, comunidade gamer, estúdios/desenvolvedoras e faculdades/cursos. Logicamente não são todos os lugares do mundo que possuem essa maturidade (você mesmo me contou as dificuldades no Brasil), mas é importante conectar os pontos. Os estúdios precisam se aproximar das comunidades e das escolas; em um segundo momento de órgãos governamentais também. Resiliência é a palavra chave, mas errar é importante também. Acompanhem nosso trabalho em nosso site e nas redes sociais. Valeu!
Ai sim. Gostei Vince!
super entrevista, Vince, muito bom.