Você está prestando atenção? Acho que não. E é agora que a coisa fica feia. Você vai passear por todo esse texto e, talvez, não entenda o que eu realmente quero dizer. A chance disso ser verdade é de quase 100%. Mas não se aperrei; ao dizer isso minha intenção não é ofender o meu ilustríssimo leitor. Afinal, eu nem mesmo conheço você. Não é?! E sem conhecer as coisas e as pessoas não temos o direito de dizer muito a seu respeito. Mas, essa tal pressa em julgar já é uma epidemia.
Na verdade, não é apenas uma epidemia mas uma manifestação da própria natureza humana. Quando os primeiros livros rudimentares foram produzidos, bem parecidos com o que conhecemos hoje, a escrita era toda conectada, exatamente como na cultura oral. Não havia intervalos, pausas, separações entre as palavras. Todo o texto era escrito em um único suspiro, dando a oportunidade para o incauto leitor testar seu fôlego e colocar em cheque a sua capacidade cognitiva; já que decodificar as ideias do escritor, emaranhadas em infinitas linhas de palavras grudadas umas nas outras, era um pesadelo para qualquer um. As ideias eram escritas com a pressa de quem fala.
Tenho percebido que as pessoas (eu sou uma delas) estão cada vez mais ansiosas. Aflitas pelo tempo que lhes escorre por entre os dedos. Sentem que não percebem exatamente como as coisas são, e são levadas a um estado de alerta parcial, olhando para tudo e nada vendo, sentindo parte das sensações que gostariam, quase sempre chegando “lá” atrasados, numa relação com a vida na qual o prazer é uma promessa que custa caro, mas quase nunca entrega o que promete. A expectativa aumenta tanto o prazer que nos perdemos no caminho que leva até ele.
Já éramos apressados antes da tecnologia conceber nossas queridas mídias sociais. Agora, somos mais poderosos que nunca, e ainda mais dedicados à velocidade e viciados na arte de apertar o acelerador. O celular mais rápido custa mais caro, mas isso não nos incomoda. Queremos fazer as coisas mais rapidamente. Queremos, e tem que ser agora. O instantâneo é a palavra da vez. Parece que estamos voltando aos primórdios do livro, quando não havia pausa na escrita, e quando os textos eram sempre lidos em voz alta, mesmo se você estivesse sozinho. Na época, Santo Agostinho se assustou quando encontrou um bispo que lia sem emitir sons, “com seus olhos percorrendo as páginas em profundo silêncio”. Aquilo era um escândalo!
A diferença é que naqueles tempos a “pressa do texto” obrigava o leitor a prestar uma especial atenção na estrutura do que estava escrito, em busca da alma do escritor, de sua mensagem integral, do sentimento que estava escondido ali, no meio daquele “tecido” (de onde vem a palavra “texto”; Do latim textus, de textum [tecido, entrelaçamento]) feito de letras.
A pressa moderna está nos condenando a viver numa fina camada sobre esse universo infinito de informações, com algoritmos que nos vigiam 24 horas por dia, sete dias por semana. Temos aplicativos para fazer tudo por nós, e um exército de gente tentando criar o próximo sucesso da Internet, que esperam mudar radicalmente nossas vidas.
Temos inveja da velocidade da luz. Temos o incontrolável desejo de simular o seu poder. Somos como insetos, encantados com o seu poder, indo na sua direção. A pressa nos rouba a atenção plena. A pressa nos impede de perceber os detalhes. A tecnologia nos permite ir além, muito mais rápido, mas nos torna reféns do bem mais caro da atualidade: a conveniência. Ferramentas digitais acessíveis tornam qualquer pessoa um “jornalista” em potencial, disponível para cobrir qualquer evento em qualquer parte do mundo, em troca de apenas alguns compartilhamentos e curtidas, e não mais que 15 minutos de fama.
A pressa pode nos ajudar a movimentar a economia, fazer o país crescer e “mudar o mundo”. Mas, a pressa corrói a minha capacidade de prestar atenção na vida, e perceber que eu sou o resultado de todas as minhas decisões. E uma decisão tomada às pressas, sem ler as letrinhas miúdas, me faz assinar contratos dos quais vou me arrepender; me faz aceitar amizades e relacionamentos que me trarão amargas decepções; me faz acreditar que o menor espaço entre dois pontos é uma reta, e, assim, perder a beleza da jornada; me faz querer o futuro no presente, matando minha criatividade em nome de demandas terceirizadas; me faz comer o que não quero, inclusive o pão que todos insistem dizer que o Diabo amassou; me faz atravessar avenidas no meio de carros em movimento; me faz arriscar a própria vida por muito pouco. A pressa não é inimiga da perfeição, é a mãe de todas as tragédias de uma humanidade que presta cada vez menos a atenção em si mesma.
O tempo não passa rápido. Isso é uma grande bobagem. Tudo bem, na verdade ele nunca para, como já foi dito em alguma canção dos anos 80. Nos fizeram acreditar que o tempo é uma máquina, um ser com sentimentos, martelando a nossa mente, movendo tudo e todos para a frente, esperando algum resultado de nós. Ele é inquieto… Poderoso, onipotente e onisciente. A crença no deus Krónos nos legou uma eternidade de escravidão, monitorada por sofisticados mecanismos que nos açoitam sem parar, exigindo uma atitude apropriada atrás da outra. Se você está atrasado não merece ser feliz. Atualize-se ou morra!
O triste é saber que a felicidade está nos detalhes, e eles acabam despercebidos porque estamos sempre com pressa. Quando conhecemos a verdade, sim, ela nos liberta. E a “verdade mais verdadeira que a própria verdade” é que temos menos tempo do que imaginamos. Somos limitados, prisioneiros de nossa frágil biologia interna, soldados de infantaria em guerras químicas que assolam nossas mentes. O tempo é nosso pai e a nossa mãe. Antes de nascer não éramos, e, depois desse evento, somos. O resultado do caos que não sabemos explicar. O tempo tem a textura de nossas decisões, e, quase sempre, não o usamos para conhecer o lado mais interessante e transformador da vida: nós mesmos.