A premissa é a seguinte: quando você tem acesso aos fatos, fica fácil perceber e avaliar distorções e exageros em relação a realidade.
Por exemplo, imagine que você está em um restaurante e na mesa ao lado está uma pessoa famosa. De repente ela engasga e é auxiliada pelo garçom. Nada demais, um incidente banal que levou 10 segundos, não foi daquelas engasgadas sérias. Só tomou uma água e voltou tudo ao normal.
Porém, horas depois você se surpreende ao ler notícias com uma versão bem diferente da sua, ocular. Reportam que a tal celebridade “quase morreu durante o almoço”. Que o “garçom teve ato heróico e salvou a vida”, que “restaurante admite que isso já aconteceu antes” e uma série de exageros e deturpações desse tipo. nnao são totalmente mentiras mas para quem lê, sobra a impressão de ter sido algo bem intenso e perigoso.
Mas você estava lá e sabe como tudo aconteceu. E aí fica fácil perceber o exagero e a distorção nessas frases.
Pior que Fake News? Twisted News!
Esse tipo de conteúdo é, na minha opinião, muito pior do que fake news. Não é tão fácil de acusar, como a mentira. Nesse caso, se preserva a parte factual e toda a parte interpretativa e subjetiva e adjetivada do ocorrido é cuidadosamente trabalhada. Eu chamo de “twisted news”, que são aquelas que escapam da categorização da falsidade, mas ainda sim longe da verdade dos fatos e portanto mais perigosas.
Vamos ao Corona
O Corona é uma excelente oportunidade porque (1) é uma questão global e está sendo repercutido por praticamente todos os veículos do mundo e (2) porque existe um volume considerável de números sobre a evolução do vírus, com atualizações quase que em tempo real (como o Worldometers, destacado pelo nosso updater JC Rodrigues neste post). E portanto é possível acompanhar diretamente da fonte (como na sua mesa ao lado da celebridade), dados como o número total de casos ativos, casos resolvidos, novos casos por país, novas mortes, e por aí vai. São tabelas, gráficos, planilhas.
E é aí é que está a oportunidade: nos números. Muitos números disponíveis versus a “licença poética e de estilo” na adjetivação dos títulos e textos das matérias.
“Números não mentem. Pessoas, sim”
Números podem apimentar conteúdo, mas também podem revelar o uso de distorções e tons exagerados.
Um número só pode ser usado como métrica de alguma coisa QUANDO É COMPARADO COM OUTRO NÚMERO. Nunca se esqueça disso. O truque do número solitário e sem valor comparativo nenhum é frequente.
Ou seja, quando você liga a TV e dá de cara com aquele apresentador do telejornal falando com aquela voz solene que “o número de casos do Corona Vírus não pára de crescer e já ultrapassa a marca dos oi-ten-ta-e-cin-co-miiiiiiiiiil casos”.
O que você faz?
Minha sugestão é que você mude imediatamente de jornal.
É óbvio que o número de casos não pára de crescer porque são casos totais e não poderia ser diferente (dãã). O que você e eu queremos saber é se esse número está mudando mais rápido ou mais devagar a cada dia. Queremos curvas.
Eu estou acompanhando a tabelinha poderosa do Worldometers todos os dias – e dá pra ver direitinho uma desaceleração na China. Também dá para antever uma provável repetição dessa mesma curva no resto do mundo, em uma escala menor. É só gastar 5 minutos comparando os números de hoje com os de ontem. E se você fizer isso, vai se divertir o resto do dia acompanhando os veículos.
Fica MUITO CLARA a estratégia da escolha das palavras e do tom de voz por parte dos jornalistas e editores. E, ás vezes, dos seus amigos também, que podem embarcar nessa por boa ou má fé. Fica também evidente a falta de profissionalismo na troca da informação clara pela informação temperada, porque pode ter certeza, são todos jornalistas profissionais que sabem acessar esses mesmos números e fatos que mencionei, mas mesmo assim optam pela distorção do que pela informação.
E não são só os veículos. Os “influenciadores” já estão trabalhando a mil por hora para pegar aquela carona no Corona, fazendo selfies com máscaras ou cobrando as autoridades sobre uma bobagem qualquer, porque os cliques estão aí para serem contabilizados e rentabilizados.
Concluindo
Bom, então depois desse longo texto, fica aqui a minha dica para você aproveitar o momento para refinar suas fontes e ir desenhando uma rede de fontes (mais) confiáveis Afinal, um editor ou jornalista que distorce informação para ganhar visualizações e/ou para agradar ao próprio ego, faz isso corriqueiramente com TODAS as suas notícias e posts. É uma opção de estilo.
Faça você mesmo o teste
- Entre já no Worldometers
- Confira a tabela diariamente, de preferência logo no início do dia
- Confronte a sua interpretação da tabela com as notícias e posts do dia (você vai se divertir)
- TIRE DA SUA VIDA as fontes ruins. É o mesmo que voce faz nos seus relacionamentos pessoais, não é? Com fontes deveria ser o mesmo princípio.
- Compartilhe, alerte e ensine essa dinâmica com quem você gosta, principalmente crianças e jovens
Lembro até hoje daquele desnível que interrompeu o trânsito na Marginal Pinheiros, aqui em SP. Choveram indignações, cobranças, retrospectivas de outras pontes, questionamentos. A previsão segundo a imprensa eram de no mínimo um ano para arrumar, lembra? provavelmente mais porque os especialistas estavam otimistas demais. Foi assunto tratado de hora em hora.
No fim, a obra ficou pronta em 2 meses e simplesmente ninguém mais tocou no assunto porque perdeu o potencial de viralizar. Zero. É disso que estou falando (sem conotação política). A questão é a de um erro grosseiro, que a imprensa saiu assobiando para disfarçar e ninguém mais lembrar que erraram na previsão. e tem mais um montão de exemplos, mas não é o caso ficar listando agora.
Não dá pra gente usar a imprensa como única fonte do que acontece a nossa volta. Talvez essa questão nem seja de hoje. Mas o lado bom é que agora temos a possibilidade de pesquisar por conta própria e ter uma postura mais pró-ativa sobre o que acontece no mundo.
Monte uma base confiável de informação e abandone fontes ruins. Sua visão de mundo depende disso.