Diretamente do Twitter, uma das mais verdadeiras constatações dos tempos atuais:
À parte da infundada discussão entre saúde x economia ou de prenúncios do apocalipse, é fato que praticamente todos os negócios, sem aviso prévio, sem preliminares, passaram a conviver com um cenário social e de consumo completamente distinto, graças à necessidade de restrição de mobilidade da população para melhor gestão dos serviços de saúde.
Aos que já estavam habituados à relativização da presença física em seu dia-a-dia, pouco mudou (como já dizia o meme, descobri que minha vida cotidiana se chama “quarentena”); o maior impacto está entre aqueles que caminhavam a passos lentos (ou seguiam sentados à sombra) em direção à digitalização de seus negócios.
Também vale um esclarecimento: transformação digital não significa “jogar o negócio na internet”.
Apesar desta possível associação, o conceito de transformação digital é muito mais uma reflexão comportamental que tecnológica, ou melhor, representa uma relação simbiótica entre o comportamento humano e ferramentas tecnológicas.
O ser humano muda com a tecnologia ou novas expectativas humanas fomentam o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas? Este é o dilema Tostines que, adianto, não tem – nem tampouco precisa ter – uma resposta.
O (dito) consumidor digital incorporou em suas expectativas de decisão de compra questões catalisadas pelas ferramentas digitais, como instantaneidade, redução de burocracia, ubiquidade, quebra de barreiras geográficas, autonomia, transparência, entre outros.
Este vídeo de 2017 da Ericson (que tomei a liberdade de legendar) já trazia o prenúncio:
Na prática, a necessidade de funcionários e consumidores manterem-se em seus casulos domésticos forçou empresas mais tradicionais e/ou que enxergavam a adaptação de seus negócios ao mundo digital como uma necessidade de médio ou longo prazo transformarem a maneira como enxergam o mundo.
Nas palavras de um colega do mercado, o coronavírus fez, em um mês, o trabalho de anos de conscientização sobre transformação digital.
Algumas adaptações que já vemos:
Home office
Quem fica em casa pra trabalhar é vagabundo!
(potencial cliente, 2018)
Esta é uma afirmação do presidente-fundador de um potencial cliente de minha empresa (a partir da qual podemos supor que não era ele quem queria fazer o contrato).
Salvo exceções (linha de produção fabril), todos os trabalhos administrativos estão sendo realizados remotamente. Temos marketing, recursos humanos, finanças, controladoria e tantas outras buscando a melhor mesa para abrir seu laptop e fazer a mesma coisa que faziam quando estas mesas estavam ao lado dos coleguinhas.
O desafio deste modelo de trabalho é muito mais humano, na adaptação do indivíduo à auto-gestão e à comunicação remota, que tecnológico.
Claro que existem pessoas que carecem de infraestrutura computacional que a permita realizar seu trabalho em condições de igualdade com o que é disponibilizado em um escritório. Mas, se a empresa fornecesse tal infraestrutura (laptop com capacidade de executar o trabalho e até mesmo arcar com custos relacionados à conectividade), ainda assim teríamos uma vantagem de custo versus a manutenção do espaço físico compartilhado.
Inúmeros textos atualmente tratam da adaptação do ambiente residencial para atividades profissionais (para aqueles que nunca experimentaram tal situação). Curiosamente, e aqui é uma percepção pessoal, tenho visto que a interferência da pessoa física na pessoa jurídica tem sido cada vez mais toleradas (ou gerenciadas) nas atividades remotas. Sim, você pode fazer a webconferência com seu filho ou seu cachorro no colo, se isto se faz necessário. Pra quê aquele paletó pesado ou sapato de salto pouco confortável?
Comportamento de consumo
Empresas tradicionalmente físicas adotaram dois comportamentos nesta situação de reclusão:
a) vou me adaptar ou
b) vou esperar tudo isso passar.
Quem não oferecia compra remota (e-commerce / delivery) viu nesta modalidade a única saída para manutenção dos negócios neste momento.
As do segundo grupo, que estão esperando tudo isso passar, saíram de uma posição conservadora para uma de teimosia. Estas são as que correm o maior risco de não conseguirem se sustentar caso “tudo isso” dure mais de dois ou três meses (há possibilidade).
Executivos/as (proprietários/as; empreendedores/as) calejados/as conseguem lidar com adversidades – mesmo uma inédita, como esta – de forma centrada, pragmática e criativa. Não viveremos um pandemônio trabalhista embora, sim, teremos impactos neste sentido.
Achei prudentes as breves declarações da Dona Luiza Trajano à Meio & Mensagem com relação ao varejo D.C. (depois do Coronavírus).
Fazer a venda remota (online/ecommerce) de caixinhas é uma fácil (?) adaptação. Compreender o impacto da comodidade e comportamento de consumo remoto recorrente para o consumidor, contudo, é algo que irá além das prateleiras virtuais e das soluções pontuais para passarmos por estes meses turbulentos.
Quando tudo isso passar, qual(is) novo(s) hábito(s) será(ão) incorporados ao comportamento padrão do consumidor? Este deveria ser o pensamento de um diretor ou c-level da empresa enquanto os gerentes estão equilibrando os pratos (virtuais) para não deixar o negócio desandar durante estes 2 (3? 4?) próximos meses. Isto reflete um termo apropriado pela consultoria McKinsey como o novo normal.
“Oi alunos, bem vindos a mais uma aula. Essa é a Maya, minha cachorra”
Com escolas de todos os níveis fechadas, duas possibilidades se abriram: aguardar tudo isso passar e recalibrar o calendário escolar com as necessárias reposições ocorrendo em julho ou, mais provavelmente, em dezembro e janeiro OU, para aquelas instituições aptas a tanto, converter suas salas de aula em espaços virtuais de interação.
O Ministério da Educação publicou, em 17 de março, a Portaria no. 343 que determinou que todas as instituições de ensino do país continuassem entregando seus serviços substituindo aulas presenciais por aulas por meio de plataformas digitais.
Similar ao impacto do home-office, de repente centenas de milhares de alunos e professores se viram obrigados a engolir a seco seu preconceito com plataformas remotas de ensino (potencialmente relacionada à falta de informação e experiência) e se adaptarem a novos formatos de interação, onde, por um lado, exige-se muito mais disciplina e maturidade do aluno (sim, um grande desafio em tempos onde se discute a possibilidade da maturidade comportamental e emocional ter se deslocado para cima).
Uma aula online é MUITO diferente de uma presencial e evidencia o novo papel dos professores, que conduz e estimula uma linha de pensamento e faz a curadoria da avalanche de informação disponível mais que detentor desta informação.
Outro desafio de ordem prática: Como manter o interesse de alguém durante 1h, 2h, 3h horas em frente ao um monitor?
Um caminho é a adaptação didática, para o que é tratado na área de ensino como Metodologias Ativas de Aprendizagem. Sem me alongar no tema (merece textos específicos sobre o assunto), deixo a palavra-chave para que possam, ativamente, procurar mais sobre o assunto e este vídeo que sumariza o tema:
Esta interação não presencial obrigou professores (ainda mais que as instituições de ensino) a rever tanto seu método de ensino quanto a dinâmica com os alunos, tão crucial quanto na relação professor aluno.
Mais curioso que observar esta movimentação acontecendo em em função da necessidade (para bons entendedores, “com a cenoura atrás”) será o mundo profissional Pós Covid-19, quando a experimentação do rompimento dos modelos tradicionais de trabalho e entrega de valor (para a empresa, como funcionários e para consumidores) resultará em novos hábitos de comportamento não forçados. Quando, de maneira geral e despreconceituosa, a produtividade de funcionários não estiver realmente ligada à sua localização; quando o consumidor médio refletir pra quê ele precisa se deslocar fisicamente para determinados lugares (cof cof, agência bancária, cof cof…) e quando estudantes assumirem o protagonismo de seu aprendizado e seu diploma recompensar o esforço da mente, não do corpo em comparecer a um prédio.
O que nos espera no mundo D.C.?
E pensar que estava tudo pronto, era só usar. Pelo menos essa transformação digital no fórceps é uma coisa boa, tomara que dure depois da quarentena.