Banksy: conceito e valor na arte de rua

Qual a diferença entre arte de rua e graffiti? Como o conceito artístico do graffiti se relaciona com o mainstream da arte?
Uma análise sobre o papel sócio-cultural da arte de rua no século XXI. Uma análise sobre o papel sócio-cultural da arte de rua no século XXI.

Em 2011, o canal de televisão britânico Channel 4exibiu pela primeira vez um documentário intitulado Graffiti Wars, que retrata uma guerra — como o próprio nome supõe — entre o grafiteiro King Robboe o artista de rua Banksy. O longa mostra uma grande discussão referente ao conceito de arte no mundo do graffiti e no das galerias, que nos leva a questionamentos como os seguintes: qual a diferença entre arte de rua e graffiti? Como o conceito artístico do graffiti se relaciona com o mainstream da arte presente em grandes galerias?

Robbo é um dos pioneiros do graffiti em trens europeu e destaque nesse estilo artístico na Inglaterra. O artista começou a grafitar no início dos anos 70 — quando fazia parte do movimento skinhead britânico — e parou em meados dos anos 90 devido ao risco constante de ser preso. Banksy é um artista de rua britânico famoso por seus trabalhos em estêncil repletos de críticas sócio-políticas presentes em vários lugares do mundo. Não sabe-se ao certo qual a verdadeira identidade de Banksy, felizmente isso não é relevante para essa discussão.

O confronto se inicia quando Banksy modifica um dos últimos grafites deixado por King Robbo sob uma ponte em Camden Town — Londres. O artista de rua pintou um homem “apagando” a obra de Robbo. Isso bastou para que uma guerra entre grafiteiros em Londres se estabelecesse. Nessa trama, apareceram “times” a favor de Robbo e a favor de Banksy que iam pintando sobre as obras do grafiteiro rival. Aqui podemos começar a análise, partindo do fato que Banksy nunca foi bem visto entre os grafiteiros pelos seguintes motivos: ser muito comercial, trabalhar apenas com estêncil e nunca ter mostrado qualquer habilidade para o desenho, não ter muito respeito pelo trabalho alheio e se apropriar deles para ganhar fama.

O conceito de arte no graffiti não se configura somente em um obra física presente em um muro ou trem, é mais que isso. É uma vivência, uma experiência, é sentir a adrenalina de sair a noite, invadir propriedades ou grafitar locais públicos sem que ninguém veja, graffiti é fazer sua tag (assinatura, nome) ser vista pelas pessoas no cotidiano e chegar longe. Geralmente, é viver na marginalidade artística, não apenas pela ilegalidade, mas por estar presente em guetos e locais economicamente precários. Esse tipo de arte é inapto às galerias, pois é subjetiva, empírica e intangível — e principalmente, é contra a lógica do mercado da arte.

Além disso o grafite é um elemento característico da composição estética dos grandes centros urbanos. Faz parte da cidade, tal como o asfalto faz parte de uma avenida. Está nos muros, paredes, trens e prédios, representando — da sua maneira — as características de um povo. Mostra além da arte, como uma cidade se configura social e politicamente. São Paulo, em seu desenvolvimento arquitetônico cada vez mais verticalizado, se traduziria em uma imensa selva cinza se não fosse a presença do graffiti para colorir o seu cotidiano. E, como falar do urbanismo curitibano sem mencionar o grande mural retratando o lendário Ray Charles na esquina das ruas Marechal Deodoro e Conselheiro Laurindo? Por mais que não seja de vital importância, o graffiti está ali e compõe o ideal cultural de um povo.

Definitivamente, como muitos grafiteiros afirmam, Banksy não faz parte do movimento do graffiti. O artista britânico cria artes com estêncil pelas ruas de Londres — e pelo mundo — fazendo críticas políticas, sociais, ao capital e ao poder que a mídia detém na sociedade e na vida das pessoas. Reforçando, assim, o modismo de fazer críticas sociais inflamadas sobre quase qualquer coisa e, geralmente regadas de hipocrisia. Banksy, por exemplo, abriu uma loja online em novembro, na qual vende seus “produtos” autografados. Não há como negar que, dessa maneira, o artista vai contra às suas críticas mais ferrenhas. Ainda mais, após a autodestruição do quadro “A menina com balão” — réplica de um dos mais importantes murais do artista, emoldurado e leiloado por aproximadamente R$ 5 milhões. Na moldura da obra havia um dispositivo que — no momento em que a peça foi vendida — picotou-a até a metade, elevando consideravelmente o seu valor. Nesse caso vemos a contradição nua e crua do discurso de Banksy com o seu papel no mercado artístico. Não, pela destruição do quadro em si, mas por — ao mesmo tempo — orquestrar uma crítica em um leilão de arte e meses depois inaugurar uma loja e vender suas obras.

Fazendo, aqui, o papel de advogado do diabo, questiono: Até que ponto Banksy realmente está “errado” nessa história toda? Não seria ele mais um sobrevivente e sagaz articulador no processo mercadológico da indústria cultural? Afinal, ele expressa aquele sentimento ativista coletivo que existe dentro de cada sociedade. Tal sentimento, que se tornou vítima do mercado e transformou-se em produto de alto preço. Nesse sentido, o artista de rua não estaria fazendo da arte um lucrativo “ganha pão”, já que existe uma numerosa demanda para a mesma?

Outro assunto importante tratado em Graffiti Wars é o fato de as obras de Banksy terem se tornado patrimônio público inglês, gerando lucro devido à quantidade de turistas que atraem. A prefeitura londrina, assume uma política de manutenção das obras do artista e extinção das obras de outros artistas — que, pelo menos, a princípio não se “venderam” ao mainstream estético do mundo da arte — detentores de um estilo mais voltado à essência do grafite. Tal “curadoria” acontece pelo simples “achar bonito” ou não. Desse fato, levanta-se uma discussão referente ao senso comum da população em relação à apreciação artística. Pois, que propriedade tem a prefeitura de Londres para julgar uma obra como boa ou ruim? Será que o “achar bonito” não está sendo confundido com o lucro advindo do turismo proporcionado pelas obras do artista? Em São Paulo, aconteceu um caso semelhante em 2008, quando a gestão do prefeito Gilberto Kassab iniciou uma política de limpeza urbana, na qual os muros da cidade seriam pintados de cinza de modo a apagar as intervenções neles feitas. Essa trama é retratada no documentário “Cidade Cinza” que tem como protagonistas os grafiteiros Os Gêmeos, Nunca e Nina — que tiveram obras afetadas pela política — e mostra como, após diversas discussões, a prefeitura paulistana autorizou a repintura de um mural de 700 metros.

A rua também é lugar de outro tipo de arte: o chamado lambe-lambe. Este é uma forma de manifestação artística onde o artista tem a oportunidade, assim como no stencil, de criar sua arte com calma e só depois colocá-la nos muros e postes — com o uso de cola. Expressão artística, essa, de extrema importância para a legitimação do espaço urbano como palco de discurso e crescimento de artistas emergentes. O conceito de arte, aí, se encontra de maneira ainda mais subjetiva que no graffiti, visto que muitas vezes o lambe-lambe se constitui de textos e fotografias, tendo como base uma ideia não necessariamente visual. De fato, não há como definir a superioridade de qualquer tipo de manifestação artística na rua — e em lugar algum. É certo, apenas, que elas estão por aí levantando discussões, causas, povos e questionamentos. Afinal, não foi do nada que este texto foi escrito, não é mesmo?

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