Nos últimos anos, as empresas mudaram para o que chamam de “brand purpose“. Esse que é o motivo de sua existência, além da venda de produtos ou serviços. E eles vendem o objetivo da marca através do ‘marketing de causa’, equilibrando o marketing tradicional com formas de melhorar a sociedade, geralmente através do ativismo. A idéia é simples: Coloque seu dinheiro onde está seu discurso, principalmente porque as empresas continuam a enviar mensagens e vender para os jovens.
No ano passado, a Business Roundtable, uma organização composta por 181 CEOs das maiores e mais influentes empresas dos Estados Unidos, colocou em escrito, dizendo que estão se afastando da primazia dos acionistas e entrando em um ambiente que “beneficia todas as partes interessadas – clientes, funcionários, fornecedores , comunidades e acionistas “.
É uma mudança filosófica mais profunda que vimos nos negócios nos dias de hoje. Obviamente, é uma longa distância entre uma declaração arejada e a implementação, mas a mensagem é clara: não é apenas para dizer que estamos tornando nossos acionistas mais ricos; precisamos ter um relacionamento com os consumidores.
Em uma entrevista nesta semana, David Lieberman, associate professor de prática profissional em gerenciamento de mídia da The New School, disse: “Muitas empresas percebem que os jovens sentem que sua carteira [de dinheiro] é o seu voto. Eles não querem fazer parte de um sistema que apóia empresas cujos valores não são claros … Veem o que compram como uma expressão de si mesmos e de seus valores.”
Ele acrescentou que não são apenas os consumidores que votam usando das suas carteiras, também os funcionários atuais e potenciais.
“Os jovens não querem trabalhar para empresas que não têm valores“, disse ele. “Isso se tornou um grande negócio. Você está escolhendo entre duas empresas para trabalhar. Se pergunta: Para qual empresa me sinto melhor trabalhando? Não se trata apenas de dinheiro“.
Meredith Ferguson, sócia-gerente da DoSomething Strategic, disse em uma matéria do AdWeek ano passado:
“Os profissionais de marketing estão perdendo o ponto de como acertar o [marketing de causa] e usá-lo como um ponto de conexão. Se você faz marketing, precisa entender que é mais profundo e mais do que uma simples campanha“.
Um exemplo, nosso de 2017, quando a Coca-Cola foi criticada por divulgar uma foto da equipe de ‘diversidade’ só com homens caucasianos e precisou se explicar.
E esse é o desafio para boa parte das agências e empresas. Marcas vislumbram eventos sociais, momentos culturais, e enxergam como oportunidade orgânica de ouro – sem fazer o trabalho real. Parte do problema é que as marcas sentem que são compelidas a dizer algo, em vez de fazer algo.
Isso nos leva a esta semana, onde parece que todas as empresas foram às mídias sociais para fornecer apoio lírico aos protestos. Você pode acessar qualquer site de notícias para ver quais e como as marcas enviaram suas mensagens.
“Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego”
Essa mensagem é boa, mas soa vazia quando, em abril, a Amazon demitiu Gerald Bryson, um trabalhador de armazém negro em Staten Island (NY/USA), por “organizar e protestar” o como a empresa não ofereceu proteção adequada contra o C19. A gigante do Bezos também manchou a imagem de outro trabalhador de armazém negro, Christian Smalls. Em documentos vazados de uma reunião da Amazon, o advogado geral da empresa, David Zapolsky, escreveu:
“Ele não é inteligente, nem articulado, e, na medida em que a imprensa quer se concentrar em nós contra ele, estaremos em uma posição de relações públicas muito mais forte do que simplesmente explicar pela enésima vez como estamos tentando proteger os trabalhadores“, escreveu o conselheiro geral da Amazon, David Zapolsky, em notas da reunião transmitidas amplamente na empresa.
“Deveríamos passar a primeira parte de nossa resposta enfatizando o porquê de a conduta do organizador ser imoral, inaceitável e possivelmente ilegal em detalhes, e só então seguir com nossos pontos de discussão habituais sobre segurança do trabalhador“, escreveu Zapolsky. “Faça dele a parte mais interessante da história e, se possível, faça dele a cara de todo o movimento sindical / organizador.”
Apesar da empresa gostar de divulgar sua diversidade, os funcionários, segundo a Recode, expressaram choque na fala de Zapolsky e na organização.
“É absolutamente nojento que eles falem sobre um colega de trabalho desta maneira“, disse um funcionário corporativo da Amazon à Recode. “Eu duvido que eles usariam essas palavras se ele fosse um funcionário branco.”
Nota que vale lembrar: A Amazon também continua oferecendo seu software de reconhecimento facial, que o MIT Technology Review chamou de “espinha dorsal invisível” para a repressão, usado pelos departamentos de polícia de todo o país, que demonstraram, através de vários estudos, ser racialmente tendencioso.
A empresa de tênis há muito se associa a causas. A ação mais recente, se não a mais notável, a forma como se ligou a Colin Kaepernick, que se tornou um símbolo moderno de protesto. E, embora a empresa tenha defendido o ajoelhamento de Kaepernick, também viu o benefício de se associar a um protesto.
A Interbrand classifica a Nike como a 16ª melhor marca do mundo. De fato, quando divulgou seu famoso anúncio no fim de semana do Dia do Trabalho em 2018, a empresa viu um aumento de 31% nas vendas online.
No último fim de semana, a empresa publicou um anúncio de apoio ao que acontece lá fora, sobre uma mudança necessária. É um bom anúncio. Mas é mais fácil apoiar as lutas de outras pessoas e, como Cindy Gallop observou:
A empresa também tem uma longa história de precisar corrigir sua própria história. Desde questões de trabalho infantil nas décadas de 1980 e 1990 até a liquidação de US$ 7,6 milhões em 2007 de um processo por discriminação racial, ou o grande processo de ação coletiva de discriminação de gênero em 2018, a empresa – não raro – entra dentro do padrão “faça o que eu digo, não o que eu faço” – Aqui uma referência de leitura do histórico da empresa.
O ponto é bem claro, se és marca, nunca antes se pediu para tomarem mais e mais posições, mas nunca antes também se pediu tanto para “não abrirem a boca“.
O pedido é para mudanças reais e profundas dentro da roda-dentada da empresa que divulga a marca. Não adianta mais sequestrar ou fazer parte de uma conversa que só se acredita em partes – ou só porque enxerga necessidade de aprender naquele momento.
As empresas têm que aprender antes do acontecimento, corrigir e aplicar, precisam contar com uma área de diversidade, bom senso histórico e local e permitir profundas conversas sobre o que lançar ou o porque.
Aproveitando o momento de #blackouttuesday, não publique nas suas redes, junte sua equipe de criativos e entregue uma solução realista para o dia de amanhã, faça campanhas e movimentos internos, não somente para o público comprar.
A mudança já está acontecendo, queira sua empresa-marca ou não.
Nota: Por que utilizei de nomes de músicas – ou citações – conhecidas? Pesquise a história sobre elas, do motivo da escolha, e vai entender um pouco melhor a situação lá fora.
*Agradecimentos ao J. Sternberg que abordou o assunto em sua news TMT e permitiu trazer a pauta e informações para cá.