Com a pandemia da COVID-19, o mundo inteiro precisou mudar rapidamente. As escolas, as marcas, os processos e modelos de trabalho foram impactados e o digital se fortaleceu como uma ferramenta poderosa para melhorar, amparar e desenvolver as áreas afetadas. Todo mundo correu pra dizer que “antecipamos o futuro”.
Eu não tenho tanta certeza disso justamente pelo modo como essas mudanças aconteceram: em consequência de uma pandemia. Muda tudo trabalhar de casa para salvar a sua vida e a dos outros; muda tudo ter que fazer compras no supermercado por um aplicativo ou qualquer outro serviço delivery; muda tudo você fazer cursos online nesse momento; muda tudo ter que se virar em outra profissão.
O contexto do passado: nem todo mundo tem login
No último censo do IBGE, de 2015, descobriu-se que, no Brasil, quase três milhões de pessoas vivem sem nenhum documento. Não possuem RG, nem carteira assinada, muito menos conta bancária digital.
De acordo com um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 44% dos moradores de áreas rurais fazem uso de internet. Nas áreas urbanas, o índice é de 70%.
Ao site do Jornal Do Brasil, a especialista na área de Internet e telecomunicações e coordenadora executiva da organização de comunicação social Intervozes, Marina Pita, destacou a ausência de investimento em infraestrutura e a forma como o distanciamento social, na verdade, provocou uma ruptura ao acesso.
“Para ter garantida uma série de direitos hoje se depende de Internet. Este quadro é exacerbado em uma situação de distanciamento social, em que pessoas que tinham acesso à Internet em cafés, bares, no emprego, na casa onde fazia faxina, já não têm acesso, ou têm um acesso ainda mais limitado”, contou.
Outro dado preocupante foi levantado pelo Movimento Web Para Todos: menos de 1% dos 14 milhões de sites brasileiros são adaptados para pessoas com deficiência.
O contexto do presente: digital vs. digitalizado
Comprar em um e-commerce não é ter um negócio digital. É ter um negócio digitalizado. A provocação veio do curso “Digital First”, dado pela Aerolito. Nele, a diferença entre negócio digital e digitalizado é exemplificada de maneira simples: numa loja online, você reproduz o comportamento fora dela. Existem os departamentos, você vê modelos e marcas e – muitas pessoas fazem isso – depois vai até a loja física para experimentar o produto.
Já a Intelligentx, uma cervejaria que usa inteligência artificial pra criar bebidas personalizadas, é um negócio digital. O comportamento da produção e do consumo mudaram, em vez de apenas reproduzir um processo de compra, no caso do e-commerce.
O contexto do futuro: um passo atrás
A digitalização de vários negócios foi antecipada pela pandemia, é verdade. E, provavelmente, alguma parcela da população – que já se familiarizava com esses processos – se manterá fiel a eles.
Entretanto, não dá pra ignorar que o nosso cenário pós-pandêmico não é inovador, não é inspirador, muito menos propício a uma transformação rápida entre o produtor e o consumidor.
Para o Brasil, a discussão sobre as novas plataformas de acesso, se não me parece apressada, soa restritiva, uma vez que ignoramos um histórico de itens básicos para um resultado minimamente moderno.
E se em vez de oferecer o plano mais rápido, as operadoras trabalhassem na universalização do acesso à internet? E se os bancos e escolas trocassem a pressa em tornar todo mundo em um item de aplicativo, traduzissem melhor os conceitos da educação básica e financeira? Uma tragédia global é a única oportunidade para que as grandes marcas institucionalizem seus valores em iniciativas sociais para os consumidores? Daqui pra frente, isso precisa fazer parte de qualquer planejamento e estratégia.
Talvez, o conteúdo produzido, os produtos e mecanismos que operam agora para atingir o usuário precisam dar um passo atrás na expectativa temporal. Entender o tamanho do país, as dificuldades sociais que já enfrentávamos antes da quarentena e a necessidade urgente de resolvê-las, é o único insight relevante tirado desse momento.
Sua marca, conteúdo ou empresa quer mesmo antecipar o futuro? No atual contexto, essa mudança me parece muito mais de “como” para “quando”.
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Sensacional. ??