Porque ser focado ou persistente não é o que você pensa

A principal coisa que eu quero fazer neste texto é chacoalhar suas crenças e ideias sobre autodisciplina na aprendizagem.
Porque ser focado ou persistente não é o que você pensa Porque ser focado ou persistente não é o que você pensa

O que eu quero dizer é que o que apresentarei aqui provavelmente vai desafiar a maneira como você pensa esse tema. E isso é ótimo — ainda que às vezes seja um pouco difícil também. Faz parte do aprendizado.

Dito isso, vamos lá.

Por que a maioria das pessoas acredita que não é disciplinada, persistente ou focada? Você é uma dessas pessoas? O que você acha que está por trás dessas crenças?

Pra muita gente, a razão pra não ser disciplinado é porque falta força de vontade. “Se eu me esforçasse de verdade e me dedicasse, aí sim eu conseguiria”. Reconhece esse tipo de frase?

Uma pesquisadora e psicóloga que eu adoro, a Wendy Wood, nos conta sobre o mito da força de vontade.

Basicamente, o mais comum em nossa sociedade é acreditar que, se alguém não muda algum comportamento que gostaria de mudar, é porque falta força de vontade, persistência, compromisso, até mesmo “vergonha na cara”.

A questão é que quem deseja mudar geralmente tem muita força de vontade. Um estudo realizado com pessoas obesas nos Estados Unidos revelou que quase todas tentaram concretamente emagrecer, algumas mais de vinte vezes.

Ainda assim, 81% dessas pessoas acreditavam que era sua falta de força de vontade que estava atrapalhando seu sucesso.

Qual era o obstáculo no caminho delas então, já que não era a (falta de) força de vontade?

Em uma palavra: hábitos.

Hábitos são ações que repetimos geralmente de maneira inconsciente e que governam boa parte da nossa vida. Quando agimos em função de um hábito, não estamos tomando nenhuma decisão racional.

Segundo Wendy Wood, 43% das nossas ações diárias são baseadas em hábitos. É muito mais econômico e seguro para o cérebro agir com base em uma rotina preexistente do que ter que criar uma nova.

Felizmente, o conhecimento humano já avançou a ponto de sermos capazes de compreender como os hábitos funcionam. E isso nos permite manipulá-los.

Bom, você pode estar se perguntando porque eu estou falando de hábitos. Não é só porque eu amo esse assunto. Vou te explicar.

A solução clássica quando queremos realizar alguma coisa — por exemplo, ser mais autodisciplinado ao aprender — é “se esforçar mais”, “se dedicar mais”, “persistir mais”. Tudo isso requer que nosso cérebro nade contra a corrente.

Você vai gastar uma quantidade enorme de energia se continuar apegado a esse tipo de solução. E provavelmente vai continuar se frustrando porque os hábitos estarão sempre no seu caminho.

A alternativa é entender seus hábitos atuais e aprender estratégias para “hackeá-los”. Neste minicurso, você verá várias estratégias para fazer isso.

Mas antes, um pequeno adendo sobre disciplina.

Disciplina = obediência?

Disciplina pode ser desenvolvida. Não é algo que nascemos com ou sem. É muito comum encontrar pessoas incapazes de acreditar que podem ser disciplinadas, persistentes ou focadas.

Elas podem passar a vida toda sem encontrar formas concretas de modificar essas crenças e, por causa disso, nunca conseguir conquistar o que realmente querem.

Por que será que essas pessoas são assim?

Se você imaginar por um momento os ambientes sociais nos quais estamos inseridos — famílias, escolas, universidades, organizações — , ao menos um padrão vai aparecer.

Na maioria deles, existem relações de obediência muito fortes. Obediência é um sinal de heteronomia, que significa o outro escolhendo ou decidindo pra mim, ou seja, o contrário de autonomia.

“O pai manda, eu faço”. “O professor escreveu no quadro, eu tenho que copiar”. “O chefe falou que é pra ontem, então tenho que entregar”. Soa familiar, né?

Na escola, existe toda uma arquitetura (física e simbólica) pensada pra colocar crianças e adolescentes em fôrmas criadas por adultos — ou melhor, por um sistema opressor que governa a vida dos adultos.

Os estudantes não decidem o que querem aprender, isso já foi decidido por eles. Mesmo que eles esqueçam algumas semanas depois o que caiu na prova, não importa.

Eles não decidem como vão usar o próprio tempo. Não decidem quais espaços habitarão. Se conversar, perde ponto. Se colar, fica de suspensão e leva bronca.

O que estou querendo dizer aqui não é que a escola deveria ser um espaço sem nenhuma regra e combinado. A questão é como essas regras e combinados são criados: com pouca ou nenhuma participação de quem mais sofre as consequências deles.

Bom, e o que isso tem a ver com nossa conversa sobre autodisciplina na aprendizagem?

A citação abaixo, da Helena Singer, nos dá algumas pistas:

A disciplina pode ser de dois tipos: a da orquestra e a do exército. Normalmente a disciplina das escolas e das famílias é deste segundo tipo, o que leva ao ódio. A disciplina da orquestra caracteriza-se por conjugar todos num mesmo espírito, e por permitir que cada um se desenvolva ao máximo. Já a disciplina do quartel precisa lidar com escravos, incapazes de apreciar a liberdade, inferiores, masoquistas.

Quando vivemos muito tempo em ambientes opressores e autoritários — e infelizmente essa ainda é a realidade de boa parte dos nosso espaços sociais hoje —, começamos a acreditar que a disciplina só se dá como uma imposição do outro sobre mim.

Quanto mais acreditamos nisso, menos entendemos a disciplina como um poder que cada um é capaz de cultivar por si próprio.

Ou seja: para muitos de nós, disciplina virou sinônimo de obediência.

E se eu me acostumei com ser governado o tempo todo, como é que eu vou desenvolver soberania sobre mim mesmo? Como é que eu vou construir autodisciplina na aprendizagem se o espaço que moldou boa parte das minhas crenças educacionais promove o contrário?

Precisamos quebrar esse ciclo e começar a entender disciplina de uma outra forma. E é aí que entra a ideia de autodisciplina.

Autodisciplina é você fazer as pazes com o seu poder interno de persistir, perdurar, insistir, ir até o final (ou pelo menos até onde faz sentido ir), construir pouco a pouco, caminhar com consistência.

Autodisciplina é ser livre… de você mesmo.

Ou pelo menos de uma parte de você mesmo que te atrapalha a chegar aonde você quer.

Só que, como vimos, não podemos nos render ao mito da força de vontade. Esse poder interno que estou falando não é um poder no sentido de “mais dedicação” ou “mais esforço”.

Esse poder interno é sobre você entender mais sobre aquilo que governa quase metade da sua vida sem você perceber. E, a partir desse novo entendimento, implementar mudanças que vão fazer seu cérebro parar de nadar contra a corrente.

Existem várias formas de se fazer isso. Aqui, vou te apresentar três delas.

Identidade, Ambiente e Rotina: três pilares da mudança

Porque ser focado ou persistente não é o que você pensa

Segundo esse modelo que criei, a autodisciplina é influenciada por três perspectivas interdependentes: Identidade, Ambiente e Rotina.

Essas três coisas são caminhos para que você crie mudanças na sua vida e na forma como enxerga a si mesmo. Eles vão te ajudar a mexer nos seus hábitos, que, como vimos, muitas vezes nos governam sem a nossa permissão — assim como a cultura opressora da escola.

Podemos definir cada um desses caminhos da seguinte forma:

Identidade: é como você se vê, suas crenças, valores e o que você faz repetidamente. A palavra identidade, de acordo com James Clear, deriva das palavras latinas essentitas, que significa ser, e identidem, que significa repetição. Ou seja: sua identidade é o seu “ser que se repete”.

Ambiente: é o conjunto de fatores internos e externos que influenciam ativamente seu comportamento. Algumas dessas variáveis são: lugar, horário, estado emocional, outras pessoas, ações anteriores, dispositivos eletrônicos (celular, computador, TV etc).

Rotina: é a sequência de ações cotidianas do seu dia, semana, mês etc. Essas ações têm um enorme poder de se converter em hábitos, ou seja, você deve manipulá-las com cuidado para que elas estejam sempre a seu favor, e não contra você.

O grande segredo é você entender que Identidade, Ambiente e Rotina são manipuláveis. Você pode recriar a forma como você se vê, o ambiente ao seu redor e o que você faz rotineiramente.

Esse é o poder interno da autodisciplina.

E é ele que vai aumentar as chances de você ter sucesso na sua aprendizagem, seja qual for a definição de sucesso que você escolher adotar.

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