Eu gosto de acompanhar lançamento de games da mesma maneira que aprecio acompanhar o lançamento de filmes e livros. Nesse sentido, especificamente falando de games (sejam analógicos ou digitais), tenho um interesse especial em ler as discussões de consumidores que antecedem grandes hits que estão para chegar no mercado.
Nos últimos dez anos para cá, há um ponto que tem me chamado muito a atenção: a preocupação de um sem número de pessoas com a relação “preço vs. horas de gameplay”. É completamente lógico, certo? Se você vai pagar R$ 250,00 em um game é bom que ele dure o máximo de horas possíveis de gameplay, correto? Eu confesso que já pensei desse jeito, mas de uns cinco anos para cá tenho mudado muito minha percepção em relação a esse contexto (e, veja bem, isso é apenas uma opinião pessoal de jogador e game designer). Vou falar um pouco disso nesse post. Ah! Um detalhe importante: não estou considerando jogos multiplayer online nesse contexto, mas isso a gente discute em outro papo.
Eu supervisiono as disciplinas de games do curso de Sistemas de Informação da ESPM onde também leciono design de jogos. Nos eventos que organizamos para os pais no início do curso sempre há um pai ou mãe de alguém interessado em seguir carreira em games e há uma dúvida recorrente que eles trazem pra mim: “por que jogos de videogame são tão caros?”. Eu costumo responder brincando que videogame é o entretenimento mais barato do planeta, pois se você paga R$ 250,00 em um jogo que vai jogar – pelo menos – 50 horas está pagando R$ 5,00 a hora e – convenhamos – é bem barato (afinal, se você sentar por uma hora em um boteco e tomar três “litrão” com um pacote de amendoim é bem provável que gaste algo em torno de R$ 50,00).
Brincadeiras à parte, eu não acho que é somente isso que deve justificar o preço de um jogo (veja bem, eu coloquei itálico e bold no “somente”). As horas de gameplay são um fator essencial para justificar parte do preço de um game, mas é sempre bom lembrar que jogos – encarados como mídia e meios de entretenimento – possuem muitos outros fatores para justificar o que custam. Eu resolvi escrever esse texto pois muitos dos games que joguei nos últimos anos pecam por justamente adicionarem horas excessivas de gameplay em suas narrativas. A lista é grande, mas vou dar dois exemplos: “Jedi Fallen Order” e “Last of Us 2”.
Eu achei Jedi Fallen Order um jogo ok. Narrativamente ele insiste em um plot manjado para quem acompanha o universo expandido de Star Wars: você é um aprendiz de jedi que fugiu da Ordem 66 e precisa acender uma chama do bem apagada na galáxia (entra música orquestrada do John Williams). Em termos de gameplay, me cansou absurdamente. Você precisa sair da sua nave para chegar em um determinado checkpoint para, depois de cumprir a missão – na maioria da vezes – ter que voltar todo o caminho sem nada de interessante para fazer. Nitidamente isso foi inserido para aumentar as horas de gameplay. Acho desnecessário. Isso, na verdade, atrapalhou minha experiência do jogo. Trocaria esse tempo de andança sem sentido por uma narrativa mais objetiva; trocaria por uma experiências mais curta e mais legal (ou por uma fase extra secreta).
Jedi Fallen Order
Jedi Fallen Order é um dos muitos casos que temos hoje de horas desnecessárias de gameplay. Eu sempre me questiono se o estúdio faz isso por conta de uma tentativa de narrativa mais imersiva ou só para aumentar as horas de gameplay e justificar o preço. Costumo comparar games com livros aqui. Você paga um valor de um livro pelo número de páginas? Se você chega na livraria e quer muito comprar o romance X que custa R$ 40,00 e tem 100 páginas você vai achar melhor comprar o Y que também custa R$ 40,00 e tem 500 páginas? Eu sei que é comparar maçã com banana, mas o que eu quero levantar aqui nessa discussão é que horas de gameplay nunca deveriam ser mais importantes que o tempo de experiência (e isso eu acho que vale para qualquer mídia ou produto de entretenimento).
Tive o mesmo problema com Last of Us 2. Em termos de história achei fantástico. Toca em temas sensíveis de maneira brilhante (e acho que os games têm que fazer isso cada vez mais). Apesar das inúmeras críticas a respeito do roteiro, achei boa a história e me empolguei com os arcos das personagens. O que eu acho que poderia melhorar na experiência do game (e é o Vince que acha isso, não é uma verdade pra todos) Last of Us 2 poderia ter de 5 a 10 horas a menos de gameplay na minha opinião. O cenário é maravilhoso e eu acho que merece ter cada canto explorado, mas o que me incomoda no jogo é que muito tempo do gameplay é empregado em ações repetitivas que se traduzem em tentar subir numa determinada caixa para encontrar uma janelinha quebrada para poder avançar no mapa. Também senti falta de inimigos interessantes (basicamente os mesmos do primeiro).
Last of Us 2
Tem uma frase da área de UX que é “a experiência acontece na mente do usuário, não na tela” e acho que isso se reflete muito nos exemplos que eu dei. Boa parte da empolgação narrativa desses games que eu citei, para mim, são interrompidas por longas passagens que, a meu ver, são meramente para dar tempo de gameplay inútil e justificar para os sites especializados que o produto tem 15, 20 ou 30 horas de duração.
Me lembro muito bem quando Monument Valley foi lançado para smartphones. Uma galera caiu de pau em cima do game porque ele custava dois dólares e era possível terminá-lo em pouco mais de uma hora. Me lembro de um comentário que li na App Store que dizia “O jogo pode ser incrível, mas me senti assaltado por pagar dois dólares em um jogo com uma hora de gameplay“. Pra mim isso não faz sentido. Eu não pago livro pelo número de páginas. Eu não pago o show pelo número de músicas. Eu não pago o game por horas de gameplay. Eu consumo produtos de entretenimento pelo poder de experiência que eles me oferecem.
Monument Valley
O mercado de games, como qualquer mercado, funciona como um ecossistema. Os estúdios e produtoras operam, muitas vezes, em função de demandas do público. Isso me incomoda porque parece que as grandes produções caminham muito para isso: aumentar horas de gameplay para justificar preço ou grandiosidade de um projeto. Muitos dos últimos mega games que joguei se perdem justamente em sua grandiosidade. Sinto uma falta gigante de balanceamento entre tensões narrativas, exploração de mapa, andanças ocasionais e desafios de habilidade. Tenho jogado cada vez mais indie games e – pelo menos nas minhas últimas vinte experiências – tenho encontrado um balanço muito bom entre gameplay, tempo e fator diversão.
Um ponto importante: continuo tendo vontade de jogar de tudo. Acho extremamente importante, até por questões de repertório, jogar indies e AAA; mas confesso que sinto saudade de alguns AAA mais “sintéticos” de alguns anos atrás. Ou só estou ficando velho e resmunguento mesmo. =)
Este texto foi inspirado por essa discussão aqui do Kotaku.
#GoGamers
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vdd
Rockstar e Ubisoft, uma relação de amor e ódio…
oh loko, Vince… até separei pra ler no fim de semana :)
Esse post vai ser a primeira leitura da minha disciplina de Game Design do próximo semestre! =)
Arthur já falou que vai se infiltrar nessa aula ;)