Este é um tópico sobre o qual poderia escrever um livro inteiro. Mas aqui vou cobrir uma pequena parte desse terreno – se a IA pode ou não nos salvar do hiperpartidarismo que define a política atual em diversos países.
Eu estava em processo de entrar na faculdade no começo dos anos 2000, quando a internet já começava a mudar diversos cenários e trabalhos da área de mídia e comunicação, e uma citação comum que eu ouvia desde o final da década de 90 de modo empolgado era que a internet seria muito boa para a democracia. Parecia que havia uma ideia de que, de alguma forma, os cidadãos são racionais, atenciosos e querem o melhor para todo o país, mas não têm acesso adequado às informações certas. E a internet agora lhes daria essa informação.
Eu fui um blogueiro jovem – comecei meu primeiro blog em 2002, fui a algumas conferências de novas mídias e conheci muitas pessoas no início do mundo da mídia online. O pensamento era semelhante – isso vai ser tão incrível para a democracia porque agora todos podem ter uma voz. Todos podem escrever o que quiserem e todos podem ler tudo o que está escrito e haverá um debate aberto.
Avance alguns anos para que as redes sociais se tornem uma realidade. Mesma história. Excitação pela democracia.
Exceto que estávamos todos errados. A internet, os blogs, as mídias sociais, com o tempo, e por dezenas de fatores, ajudaram a destruir a discussão sensata e hoje são grandes motivo desta época mais partidária da história moderna. As pessoas não apenas desgostam das ideias do outro lado, elas odeiam as pessoas que votam dessa forma. – Não que seja novidade, afinal, temos histórias de guerras e dezenas de outros acontecimentos complexos na história política global que também foram motivados por isto, mas talvez a falta de acesso aos detalhes de tantas coisas permitiam as pessoas a tratarem dos assuntos – e do respeito ao seu meio ambiente – de modo melhor?
Mudamos da Era da Razão para a Era do Ódio.
A mídia de todos os tipos tem como foco principal a manipulação de espíritos animais para angariar apoio para o time vermelho ou azul, seja qual for seu lado. É difícil voltar atrás porque a razão não é muito empolgante comparado a fúria. Na verdade, se você tenta ter uma conversa racional com alguém hoje, geralmente vai gerar um pouco de fúria explicando por que você deveria estar cheio de fúria em vez de ser calmo e racional. Você pode ser criticado por não se importar o suficiente, porque se você se importasse o suficiente, você seria preenchido com “um nível apropriado de fúria”.
Todos caímos nisto em certo momento, a questão está no identificar, corrigir e melhorar o modo de pensar. Precisamos voltar ler os fatos, dados, entender de modo frio, mas lembrar de adquiri-los sempre das melhores fontes possíveis, ou a conversa vai viver em um carrossel de achismo, e não de ciência, pesquisa e lógica.
A questão é – a IA pode de alguma forma reverter essa tendência?
Sabemos que a IA pode acelerar a tendência para o ódio. Na verdade, tenho quase certeza de que isso acontecerá quando a mídia sintética criada pela IA permitir que a infraestrutura política produtora deste ódio simplesmente acelere e se torne mais personalizada. Então, como seria uma solução que pudesse reverter essa tendência?
A principal tendência que vi até agora é que as pessoas estão tentando usar a IA para encontrar e combater as “fake news”. Em última análise, não acredito que isso seja o principal e único problema, porque só cria um ambiente para as pessoas debaterem o que são ou não notícias falsas e questionem a viabilidade da IA. De alguma forma, a IA precisa reverter a tendência desse movimento do ódio.
A única maneira de ver isso é voltar para os princípios éticos básicos. Os guardiões da mídia mantiveram o material insano e indutor de ódio fora do mainstream. E com a internet, os blogs e as mídias sociais ficou mais fácil contornar esses princípios, os pontos de vista com base em nada, além do próprio pensamento, foram lançados na população sem qualquer filtro. E concordo que não seria difícil prever esse caos no começo do digital se um país – seja esse qual for – aplica um tipo de ensino modulado para manter o sistema político atual. Acreditávamos que a educação era amplo, justo e universal, e nunca foi.
Estados Unidos, por exemplo, não estimula o além do básico de geografia, porque causaria perguntas envolvendo geopolíticas, históricas e atuais, quando esses estudantes tivessem entendimento maior do mundo (algo que acontece hoje pela Gen Z, que aprendeu a ir buscar informações, além da própria escola). E causaria uma rachadura no sistema político local e suas vendas de pacotes de “sonhos”. Brasil, por algum motivo, não estimula a educação econômica básica nas escolas e causa um fluxo contínuo de pessoas que não tem menor ideia de como economizar, ou fazer o melhor negócio dentro e uma dívida básica – seja para comprar uma casa ou um carro.
Mas como melhorar?
Imagine uma IA que, com base no que você lê, tenta equilibrar a mídia a que você tem acesso, de modo que não possa descer, digamos, uma toca de coelho da QAnon. É interessante? Sim. Mas isso viola todos os tipos de direitos existentes em torno da liberdade de expressão. E se o sistema dependesse de pessoas para instalá-lo voluntariamente, as pessoas que o fariam são exatamente o tipo de pessoa que provavelmente não precisariam do sistema.
A saída então, de repente, pode ser a intervenção de governos menos emocionais e mais IA? Seja qual for o governo, existem poucos motivos para intervir enquanto a cultura do ódio impulsiona tanto a política hoje. Ajuda os políticos a serem eleitos. Passarem leis, impostos, etc… Nenhum teria um incentivo para pará-lo.
O que significa que precisa ser feito algo em nível de sociedade, de base. Precisa haver uma massa crítica de pessoas importantes, celebridades, estrelas do esporte, intelectuais e outros, que comecem a promover qualquer solução de IA que possa ser um contrapeso para a política cheia de raiva que temos hoje. Precisamos aproveitar a IA para retornar à cultura da razão e princípios éticos básicos.
Inteligência Artificial é o gigante passo evolutivo pós uso da big data, e vai mudar o mundo, mas todos precisamos urgente levar a conversa para um caminho com maior clareza e lucidez. Até lá, eu espero que a IA torne a política muito pior antes que alguém descubra como usar a IA para torná-la melhor.
Obrigado pela leitura e ótima semana para nós.
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Não sei dizer se a falta de acesso aos detalhes era responsável pelo aparente respeito ao meio e melhor trato de assuntos pelo ser humano.
A internet deu voz geral, uniu opiniões que, muito provavelmente, já existiam isoladamente e/ou em grupos menores. Ela deu força ao que já existia por meio dessa união de pensamentos em um lugar comum, no qual todos podem expor o que quiserem e quando quiserem, independentemente de sua localização espacial. E, obviamente, influenciou muitas pessoas que antes não tinham uma opinião formada sobre determinados assuntos para o lado A, B, C..
O que temos hoje é uma noção maior da dimensão de vários tipos de pensamentos e valores sobre assuntos diferentes.
O propósito defendido sobre os benefícios da internet era muito simplório. Na proposta dessa incrível ferramenta de comunicação esqueceram de considerar que o ser humano é complexo e, muitas vezes, destrutivo.
Vamos pegar como exemplo a questão sobre o desistímulo dos EUA em repassar algumas informações importantes aos alunos sobre Geografia, e no Brasil, sobre a educação econômica. Não consigo conceber que a IA tentaria resolver nada além das fakes news e dissipação do ódio. Ao meu ver, algumas pessoas estão mais preocupadas em obter poder e dinheiro do que resolver questões irracionais e minimalistas do resto da população.
Tantas outras questões sempre requeriram atenção e pareciam ser tão importantes quanto esta que estamos vivendo hoje e continuam ao descaso. O que nos levaria a acreditar que isso seria, de fato, “resolvido”? Mais uma vez, é mais complexo do que parece: muita gente envolvida que só quer benefício em detrimento de outros e, aquém disso: a população/ser humano em geral precisa entender melhor onde começa o direito dele, sem esquecer que tem seus deveres também. Parece que o racional desrracionalizou – ou, como falei acima, nunca tenha racionalizado de verdade. Há muitas questões de auto-conhecimento do indivíduo que boa parte das pessoas não consegue entender/aceitar/respeitar.
Antigamente, a cultura da razão e princípios éticos básicos eram pautados na limitação de informação e imposição. Penso que a maioria das pessoas não está preparada para lidar com a realidade dos tempos atuais e não será IA que irá nos salvar, infelizmente. Queria ter a resposta para essas questões, mas não tenho :(
Não pretendo ficar discutindo sobre isso, é apenas a minha opinião. Respeito a opinião de quem pense diferente.