Para trabalhar em uma agência de marketing digital, Tomasz (Maciej Musalowski) deve criar uma campanha que destrua a reputação de uma influenciadora. O polonês “Rede de Ódio”, lançamento da Netflix, abre os bastidores dessa fábrica de mentiras e imagina as consequências da escalada desenfreada de informações falsas.
O primeiro dano é particular. Tomasz transforma a mentira em pedágio social. A ascensão imaginária mira Gabi (Vanessa Aleksander), a filha do casal de ricaços progressistas que paga a faculdade dele. Os Krasuck personificam a elite salvadora pronta a ajudar na mesma medida em que debocha. Depois de jantar com eles, por exemplo, Tomasz deixa o celular gravando de propósito e escuta comentários bem maldosos. O fato não o deixa vitimado. Ele é um ressentido nato; um perfil psicótico que trata a falta de oportunidades como má sorte a ser corrigida.
Expulso da faculdade de direito por plágio, o trabalho na agência é a camuflagem perfeita para fazer esse alinhamento.
Quando seu novo alvo é o candidato a prefeito, Paweł Rudnicki, o armamento de ódio para destruí-lo também cresce. O dano agora é coletivo. Mais do que tomar gosto pelo submundo das fakenews, Tomasz encontra seu propósito nele.
É interessante a forma como o diretor, Jan Komasa, trabalha os duplos. Enquanto o protagonista despeja todo tipo de lixo digital, “Rede de Ódio” é escuro, pesado; as olheiras de Tomasz são fundas e ele age como um viciado. Fora da rede, o garoto bonito transparece gentileza, inteligência e alguma empatia. A publicidade também patrocina momentos assim, ora servindo ao gabinete de ódio, ora sendo a plataforma para que pessoas essenciais à renovação da política, como Paweł Rudnicki, achem palanque.
O campo de batalha político do filme é inspirado na onda de extrema-direita que tem dizimado sociedades inteiras. Em janeiro de 2019, o prefeito da cidade polonesa de Gdansk, Pawel Adamowicz, foi esfaqueado diante de uma multidão, durante um evento de caridade. Adamowicz era atacado com frequência nas redes sociais e conhecido opositor do atual governo conservador.
A Varsóvia do filme poderia ser qualquer metrópole. Mas o ótimo roteiro de Mateusz Pacewicz desenha personagens sem maniqueísmo, ainda que o retrato seja momentos de puro horror. Tomasz cria diversos perfis, mente sem controle e recruta haters para praticar crimes fora da internet usando um game.
O final de “Rede de Ódio” é uma profecia. O caos já é compartilhável. O terror, instagramável. Valores e ofensas às vezes dividem a mesma tag, e a nuvem de gafanhotos do Twitter cancela o que está pela frente. Jan Komasa não usa seu filme como panfleto, nem demoniza os profissionais da área. Para ele, o protagonista é um sintoma da radicalização política, social e democrática, que achou essa forma animalesca no digital. Sua provocação me parece direta: antes de criar um perfil fake, Tomasz pegou o briefing de alguém. Onde os mentirosos veem a grande chance, você enxerga o quê?
Bem boa a análise. A gente precisa ter responsabilidade sobre o que criamos.
Análise certeira!