O que é NFT: oportunidade, evolução de mercado, doença social ou tudo junto?

O que é NFT: oportunidade, evolução de mercado, doença social ou tudo junto? O que é NFT: oportunidade, evolução de mercado, doença social ou tudo junto?

Você provavelmente leu, viu, recebeu links ou foi impactado na última semana por alguma notícia sobre a loucura que virou o tal do NFT. E talvez não tenha entendido exatamente o que isso significa de verdade – e, mais do que isso, como isso vai impactar, em pouquíssimo tempo, negócios, marketing, comunicação e principalmente o universo da arte e da cultura.

Calma. Tá tudo bem. Eu também me vi perdido nesse universo totalmente novo (para nós, mortais) e resolvi fazer um mergulho no assunto, de reportagens da CNN a fóruns de criptomoedas, para tentar entender tudo melhor. As possiblidades que ele traz são tão empolgantes quanto assustadoras.

Para quem está boiando totalmente, a definição básica de NFT (Non-fungible token, ou “Token não-substituível”, em tradução livre) é: um sistema de autenticação de qualquer arquivo digital que é 100% único, não pode ser forjado e, graças à blockchain, torna-se seguro, rastreável e público. Ou seja: com ele, um arquivo de qualquer formato – de uma foto ou gif a uma música ou vídeo – passa a ter um registro que garante sua singularidade, propriedade, autenticidade e originalidade.

Até aí tudo bem, certo? A partir daqui, as questões principais são: para que serve na prática? Em qual setor isso é benéfico? Como e quando eu posso usar isso? E, principalmente, por que alguém pagaria milhões de dólares por algo que eu posso ter de graça com uma busca no Google? É aí que o negócio vai ficando complexo. :)

Uma incrível oportunidade artística

A principal aplicação inicial do NFT tem um motivo nobre e muito interessante: incentivar e remunerar o trabalho artístico, das mais diferentes vertentes, levando aos autores diretamente a chance de comercializar e receber valores pelo seu trabalho, sem a necessidade de intermediários. Isso é bem positivo especialmente no cenário musical, já que qualquer artista pode vender o fonograma original de uma canção de sua autoria, passando a dividir com o comprador os direitos autorais e possíveis lucros futuros em cima deles.

A mesma situação acontece com as artes digitais. Você pode comprar os direitos das obras de grandes fotógrafos, ilustradores e outros talentos, mesmo que elas não existam fisicamente. Até hoje, a forma de garantir a originalidade e autenticidade de cada uma dessas obras é em um registro de cartório e/ou imprimindo e assinando/numerando cada uma delas. Com o NFT, esse registro passa a ser universal, confiável e caso alguém queira comprar, mesmo que outros repliquem, os reais proprietários são aqueles que pagaram pelo arquivo e o autor da obra em questão. Isso pode, inclusive, ajudar a democratizar o acesso (alô, Vik Muniz! Vamos conversar?).

Mal comparando, pense na Monalisa. Você pode comprar um pôster oficial, uma réplica perfeita pintada por outro artista ou baixar um JPEG incrível e imprimir como quiser. Mas só a original tem aquele valor, porque é única. Com os NFTs, apesar de arquivos digitais serem mais facilmente duplicados, o “valor real” está naquele arquivo único e em seu registro – sem chances de ser forjado e tão difícil de ser “roubado” quanto o quadro do Louvre. A mesma ideia vale para edições limitadas de outras peças físicas, como pares de tênis, cards colecionáveis ou itens de decoração assinados – mas agora também digitais.

O que é NFT: oportunidade, evolução de mercado, doença social ou tudo junto?
As obras de Vik Muniz são produzidas fisicamente, fotografadas e muitas vezes destruídas depois. Com o NFT, o arquivo “Original” pode gerar ainda mais valor para o trabalho de artistas como ele

O maravilhoso (e tenebroso) mundo das oportunidades

Na nova lógica do NFT, qualquer coisa virtual – ou digitalizada – passa a poder ser comercializada e ter um ou mais novos donos. Para quem pensa com a cabeça de negócios, isso já começa a fervilhar em oportunidades. Mas pelo viés comportamental, pode se tornar em uma prática assustadora e até perigosa.

O novo sistema tem tudo para virar uma importante rede apoio a artistas e personalidades dos quais somos fãs. Por ele, você poderia por exemplo comprar e virar dona, literalmente, de “Everlong”, do Foo Fighters; ou do post mais curtido da Kim Kardashian no Instagram. Ou mesmo comprar coisas menores de artistas que você gosta para incentivar e apoiar seu trabalho, passando a ser “sócio” do seu ídolo.

A NBA já começou a lucrar absurdos ao iniciar a venda de lances em uma plataforma própria de NFT, tendo lucrado mais de US$ 230 milhões até o fim de fevereiro com isso. É isso mesmo: só um compilado de melhores momentos em vídeo do LeBron James, por exemplo, foi adquirido por US$ 200 mil (mesmo que qualquer um possa assisti-lo no YouTube). Jack Dorsey, fundador do Twitter, vendeu seu primeiro tweet por US$ 2,9 milhões. E é no meio desse universo turvo, entre novo negócio e prática questionável, que a coisa acontece.

Por natureza, o ser humano tem uma necessidade quase patológica de posse, de acesso ao exclusivo, do “eu tenho e você não tem”. Nos dois exemplos acima, os conteúdos comercializados podem ser acessados, vistos e usados de forma não-comercial por qualquer um, mas só quem pagou pode dizer “é meu”. E na maioria dos casos, essa será a única diferença real entre pagantes e não pagantes.

Do mesmo jeito que o NFT abre formas sensacionais de incentivo e imortalização da arte – peças de graffiti, uma arte temporária e efêmera, podem ser fotografadas e transformadas em uma obra original/oficial, por exemplo –, essa exploração do fanatismo e do amor incondicional do público por aquilo ou aqueles que idolatram pode destruir a saúde financeira – e mental – de muita gente.

Imagina em qual valor poderia chegar o trecho de “Luke, I’m your father” para um fã de Star Wars, ou a casa de “Resident Evil”. Coisas impensáveis, como o a cruzada de pernas de Sharon Stone em “Instinto Selvagem” ou um circuito do Super Mario Kart, passam a poder ser adquiridos usando NFT – se quem possui seus direitos, claro, resolver vender. O mundo dos games certamente virará nos próximos anos um grande loteamento virtual, recheado de especulação imobiliária. É incrível e bizarro ao mesmo tempo.

O que é NFT: oportunidade, evolução de mercado, doença social ou tudo junto?
O primeiro tweet de Jack Dorsey, feito em 2006, foi vendido para @sinaEstavi por US$ 2,9 milhões!

Uma nova Wall Street

Os “Faria Limers” mundo afora já estão estudando a fundo as possibilidades trazidas pelo NFT também para o universo dos investimentos. Como tudo ainda é relativamente novo, muitas empresas, artistas e detentores de diferentes propriedades têm feito testes iniciais, colocando uma coisa ou outra à venda, algumas vezes por preços simbólicos. Com isso, oportunistas já têm comprado elementos que acreditam ter grande poder de valorização, visando uma revenda em médio ou curto prazo com boa margem de lucro. Na prática, é como se cada gif perdido virasse um potencial bitcoin.

E se nas bolsas de valores em geral a especulação já transforma do dia para noite o valor de uma grande corporação, imagina o que um trabalho tendencioso de comunicação, marketing e uso de influência pode fazer com alguns ativos. Um post “despretensioso” de Elon Musk sobre uma propriedade intelectual pode multiplicar por 10 o valor dela no mercado digital quase que instantaneamente, garantindo que muita gente faça dinheiro e, por consequência, muita gente perca dinheiro.

Vale lembrar o que aconteceu recentemente com a GameStop, tradicional rede de varejo físico ligado a games, que estava pedindo falência e, graças a fóruns de investidores amadores em ação orquestrada, registrou uma alta histórica que superou os 900%. Se isso ocorre num mercado ultra regulamentado e lastreado em empresas sólidas e “tangíveis”, imagina o que pode acontecer numa terra com até então pouquíssimas leis além da oferta e procura.

O que é NFT: oportunidade, evolução de mercado, doença social ou tudo junto?
Print do gif Nyan Cat, um dos mais famosos “memes de gatinho” da internet, comprado via NFT por US$ 3,19 milhões (não fomos nós)

Olha o golpe!

Claro que qualquer novidade, tendência e tecnologia pouco conhecida também abre grande espaço para golpes, dos mais bobos aos mais criativos. Por isso, não se empolgue e saia comprando o que quiser por aí. Se tem gente que cai no golpe do dinheiro emprestado por Whatsapp em pleno 2021, imagine com aquisição de direitos por NFT.

Existem marketplaces especializados e certificados que realmente oficializam essa transação de forma contratual, como OpenSea, Mintable, Nifty Gateway e Rarible. No Brasil, o sensacional André Abujamra e outros profissionais lançaram o Phonogram.me, que pretende concentrar a venda de fonogramas musicais brasileiros (e que você já deve ter lido aqui mesmo, no UoD). Afinal, algo tão complexo e envolvendo tanta tecnologia de certificação não pode ficar só no boca a boca – portanto, não acredite no influencer que te vende aquela selfie exclusiva por PIX. 😊

O que é NFT: oportunidade, evolução de mercado, doença social ou tudo junto?
“Everyday: the first 5000 days”, de Beeple, obra mais cara já vendida por NFT: US$ 69 milhões pelo “original digital”

O universo (ainda) cinzento do direito autoral

Voltando ao uso artístico, uma das possibilidades que acho mais incrível é a de vincular eternamente aquela obra digital ao seu verdadeiro autor. Com isso, é possível pré-definir uma espécie de parcela vitalícia e indissociável dos valores que envolvem a propriedade para ele.

Explicando: se assim for definido na criação do NFT, um músico pode garantir 10% de uma música para sempre, mesmo quando vendê-la. Se ele vender essa música por R$ 1 mil, recebe o valor integral. Se o comprador revender 8 anos depois por R$ 10 mil, recebe 9, e o outro 1 mil vai para o bolso do autor. E assim sucessivamente, em qualquer transação – que como é feita usando blockchain, rastreável e inviolável, não pode ser “driblada” no jeitinho. Um jeito justo de garantir ao real criador um possível lucro recorrente, de acordo com a valorização da sua obra.

De imediato, se você compra os direitos de um fonograma, recebe os rendimentos (parciais ou integrais) que ele conquistar – seja por reproduções numa plataforma de streaming, uso em campanha publicitária etc. Mas e se alguém comprar um meme, como aconteceu com o famoso Nyan Cat, vendido por US$ 3,19 milhões nos EUA (acredite se quiser), também poderá cobrar por qualquer uso comercial dele.

Só isso já dá calafrios em agências e anunciantes que saem usando sem pudores gifs disponíveis por bancos de imagem. Imagina se um novo dono sai cobrando por aí o retroativo ou pedindo para tirar campanha do ar? Em muito breve, regulamentações digitais claras e objetivas vão precisar ser definidas para evitar uma enxurrada de processos e batalhas judiciais por gatinhos pianistas.

Até o momento, o maior fenômeno da arte vinculada ao NFT é “Everydays: The First 5000 Days”, de Mike Winkelmann, o Beeple. Colagem de 5 mil outros trabalhos do artista, ela foi comprada no último mês por – pausa dramática – 69 milhões de dólares! Com isso, se tornou a terceira obra mais cara de um artista vivo no mundo, mesmo sendo, na essência, um JPEG com colagens gerais (que inclusive eu publico aqui em cima, sem pagar nada – espero).

É nessa loucura de opções, possibilidades e desdobramentos – alguns empolgantes e outros assustadores – que o NFT vai definitivamente fazer parte da vida de quase todos nós em algum momento, de alguma forma. Inclusive você, você mesmo, pode entrar em uma dessas plataformas agora, subir suas próprias “obras artísticas” (ou não) e colocá-las à venda pelo preço que quiser.

Aliás, quanto você pagaria por um belo print deste artigo, hein?

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