Acontece que eu não tenho só um. Eu tenho vários demônios em mim.
Fato!
Tem o demônio que me impede de viver experiências novas e me diz pra ficar em casa. Só por hoje.
Tem o demônio que me boicota quando ainda estou conhecendo o guri que só encontrei umas duas ou três vezes. Este é de lascar. Enche a minha cabeça com pensamentos enviesados do tipo:
– Não vai dar certo. Você é diurna. Ele: notívago.
– Você é toda metódica e comprometida. Ele é livre e bagunçado.
– Você gosta de esportes. Ele já não liga tanto.
E ainda me provoca com uma pergunta precisa:
– Pra que se enfiar numa história dessas? Roubada – responde sem titubear.
O demônio da preguiça eu odeio com todas as minhas forças. O problema é que na maioria das vezes eu estou tão cansada e sem traquejo social, que mal tenho energia para encará-lo.
Com o demônio do julgamento, minha luta é diária. Afe! Dia sim e dia também o danado não larga do meu pé. É num trabalho em equipe, numa amizade que se inicia, num projeto com pessoas que não conheço, numa conversa aleatória, na leitura de uma nova autora. Se eu tô em silêncio, quieta na minha, o desgraçado já me desperta. Verdadeiro inferno.
O demônio da assexualidade eu tenho uma relação de “ame-o ou deixe-o”. É louco, eu sei. Mas tenho fases que passo meses sem sexo e sem me sentir atraída por alguém. Eu me satisfaço de outras maneiras. Ou como diz um amigo: “você tem relações sexuais com você”. Eu tenho um pacto, invisível, com este demônio. Eu sei que tenho. Como eu sei? Eu não sei. Eu sinto. Quem sabe um dia, eu o levo para dar uma volta comigo a um consultório de um(a) terapeuta sexual.
Tem o demônio da expectativa. Puta que lá merda. Este é fogo-ardente-em-chamas-inflamável. O mano não dá uma folga. Nem aos domingos. Não tem reza nem banho de sal grosso que dão jeito no chifrudo.
Eu levei quatro décadas para conhecer cada um deles. Conversa olho no olho mesmo. Foram e ainda são conversas difíceis, não tenha dúvida. Já são seis ou sete anos encarando essas conversas. Elas são intermináveis, muitas vezes cansativas. Sem ter um ganhador e um perdedor. Não é sobre isso.
Essas conversas, mesmo difíceis, são luz para dias sombrios. São sobre respeitar e acolher minhas emoções. Sobre abraçar a vida como ela se apresenta. Sobre escolher com quem eu vou dividir meu tempo. Sobre o que me preenche e o que me esvazia. Sobre encontrar em mim as deusas que trazem paz para dias em que meus demônios estão irritados. Sobre tréguas, descanso e paz interior.