Escritórios incríveis, coloridos, com comidas grátis, chefs de cozinha particulares, mesas de ping-pong, cervejas artesanais no happy-hour semanal, video-games, áreas de descanso, aulas de Yoga, vestiários para banho com shampoos incríveis e biodegradáveis e até espaço para o seu pet “trabalhar” ao seu lado.
As ditas melhores empresas para se trabalhar do mundo, quase todas seguiram à risca esse modelo e se tornaram objeto de desejo de uma geração de trabalhadores. O movimento nascido com as big-tech do Vale do Silício tomou o mundo. Google, Facebook, Microsoft, Amazon e Salesforce são exemplos de empresas pioneiras na revolução dos ambientes corporativos, que historicamente seguiam a linha de ambientes mais neutros, formais e corporativos.
Os escritórios foram redesenhados pensando em fazer com que os funcionários passassem o máximo de tempo possível por alí, não apenas trabalhando mas se alimentando, se divertindo, se exercitando, socializando e até mesmo descansando. Com um pouco mais de tempo, suspeito que o modelo iria evoluir para ter “benefícios” como a sua própria cama caso tivesse que dormir por lá em dias onde aquele projeto importante atrasou e você teve que trabalhar até mais tarde. Sim, o próprio Google e o Facebook (agora Meta) são exemplos de empresas que já possuíam os chamados “Nap Rooms” ou quartos de descanso dentro dos escritórios, alguns com camas, travesseiros e despertadores.
No Brasil, não apenas as gigantes de tecnologia americanas mas o argentino MercadoLivre seguiu à risca a tendência e tem seu escritório sede na cidade de São Paulo autointitulado de MeliCidade. O nome evidencia a ambição por trás do movimento: com tantas facilidades disponíveis, o escritório é realmente uma verdadeira cidade, que oferece tudo para que você não precise sair de lá.
Mas aí veio a pandemia. E depois do susto inicial de ter estes maravilhosos escritórios fechados por meses e operar de forma 100% remota por um período muito mais longo do que qualquer um poderia imaginar, vivemos agora o período do retorno ao trabalho presencial. Para além das intermináveis discussões sobre o modelo híbrido ideal e mais eficiente, o fato é que muita coisa relacionada às expectativas e prioridades dos funcionários mudou. Os tempos são outros.
Distintas pesquisas mostram que a maioria das pessoas se acostumou ao trabalho remoto e que não houve nenhum tipo de redução de produtividade atrelada ao novo modelo.
Nesse novo cenário, já não é mais unânime que as refeições “grátis” façam tanto sucesso como antes. A comida preparada em casa, com a família e desfrutada de forma cômoda e lenta, despontou como uma opção mais atraente para muita gente. A estação de trabalho super equipada com sala própria e posição privilegiada no escritório parece não ser tão boa quanto a cadeira-gamer recém instalada no conforto do escritório de casa, que agora já conta com vários monitores, decoração própria e todo o tipo de comodidades.
O dresscode corporativo bastante informal que antes era visto como sinônimo de empresa moderna, atingiu outro nível no trabalho remoto. A possibilidade de levar o seu pet para os escritórios alguns dias por semana não consegue superar o prazer de poder tê-lo ao seu lado todos os dias, inclusive durante reuniões em home-office.
Mas e então, o que fazer com as verdadeiras cidades-escritório já construídas? O que fazer com toda uma política de benefícios pensada, testada, orçada e estruturada durante anos?
Parece que o trabalho começou a voltar ao seu lugar: o de trabalho. Não o de academia, não o de restaurante, não o de bar e nem de “centro mindfulness”. Isso tudo sempre existiu fora das paredes do escritório, oferecido de distintas formas nas grandes cidades e, quase sempre, podem ser desfrutados facilmente pelos funcionários dessas empresas. Caso o queiram. Ou não.
Mas isso tudo custa caro, e a empresa me dava isso de graça? Pois bem… Sinto muito informar, mas o bordão cliché era verdade: não existe almoço grátis! Todas essas mordomias sempre tiveram um custo. Um custo alto, porém invisível aos olhos dos funcionários. Um custo para as empresas que financiavam e um custo para os funcionários, que recebiam (ou ainda recebem) parte da sua remuneração na forma desses benefícios. Sejam eles utilizados ou não.
Paralelamente aos novos interesses e demandas dos funcionários, vivemos um momento econômico global no mínimo complicado, forçando empresas do mundo todo a buscarem maior eficiência financeira. Talvez exista aí uma oportunidade para uma nova dinâmica na relação empresa-funcionário. Uma dinâmica que contemple os (novos) interesses de ambas as partes. Não seria mais adequado pensar em reverter parte desses benefícios em pagamento direto para os empregados (leia-se maiores salários)?
Segundo pesquisas, em todo o mundo, a maioria dos funcionários da nova economia não quer retornar ao escritório de forma tão frequente como antes. Se vamos ter menos gente nos escritórios-cidade, e se os funcionários estão mais interessados em atividades pessoais fora do escritório, o mínimo esperado é que o tamanho desses espaços seja reduzido, e que a oferta de benefícios seja adaptada.
Um novo modelo possível incluiria menos refeições gourmet no escritório e a conversão dos valores equivalentes em maiores salários. Mais liberdade de formatos e locais de trabalho, porém com maior compromisso com performance e produtividade nas entregas individuais. E, quem sabe, uma relação mais saudável e equilibrada entre empresas e funcionários, com menos ilusão de que existem almoços grátis.