O ChatGPT, apesar de ainda não ser um produto totalmente finalizado e sim uma iteração inicial de inteligência artificial generativa – IA que produz conteúdo original em vez de simplesmente agir ou analisar dados existentes – teve sua nova versão lançada na primeira semana de março pela OpenAI.
Há muito mais ainda por vir. O Bing, da Microsoft, lançou sua versão argumentativa e emocional do ChatGPT há algumas semanas. A Google está trabalhando no Google Bard, seu concorrente para o ChatGPT. A Meta afirma ter uma versão, mas ainda não decidiu se a lançará. A chinesa Baidu espera lançar seu serviço este mês, assim como a ferramenta de busca sul-coreana Naver.
Em breve estaremos bem abastecidos com serviços de IA generativos concorrentes e de rápida melhoria e nadaremos nos oceanos de conteúdo que eles produzirão.
E o Brasil, como vai surfar essa onda?
Não estou muito certo se conseguiremos participar ativamente como desenvolvedores ou se seremos apenas consumidores. Direito é o curso mais procurado na rede privada e Administração na rede pública, quando o assunto é a modalidade presencial [1]. No EAD, temos Pedagogia vencendo tanto na rede privada quanto na pública [1].
Os cursos de graduação em disciplinas ligadas à computação (eg., Ciência da Computação, Sistemas de Informação, Engenharia de Software, etc.) não figuram entre os mais procurados no Brasil [1]. Sistemas de Informação fica em sétimo lugar no presencial da rede pública e em sexto no EAD da rede privada. A Licenciatura em Computação fica em sétimo no EAD oferecido pela rede pública.
Isto, referente ao número de matrículas. Não se está contando com a taxa de abandono, que gira em torno de 50% nas universidades federais para os cursos ligados à computação.
Estes dados são uma preocupação que tenho, mas também apontam para oportunidades. Há muito espaço para a comunidade informática crescer no Brasil.
Mas há ainda uma questão que não tenho visto ser muito discutida quando o assunto é IA generativa. Essas ferramentas terão um impacto muito profundo em algumas profissões. Conversando sobre o assunto com alguns amigos jornalistas dias atrás, expressei minha angústia e causei terror a eles. Replico abaixo, não por maldade, mas para oferecer um exemplo mais concreto.
Celebramos o jornalismo por suas grandes peças investigativas, análises aprofundadas e capacidade de forçar gente poderosa a prestar contas. Mas como em toda profissão, a maior parte da atividade jornalística é rotineira: reportar uma coletiva de imprensa, relatar uma decisão judicial, resumir um relatório do governo ou mesmo o relatório anual de uma empresa. Acredito que em breve, ferramentas como o ChatGPT farão elas mesmas uma grande porcentagem do que os jornalistas fazem rotineiramente, infinitamente mais rápido e em volumes infinitamente maiores, sem nenhum custo (ou custo mínimo) com precisão e confiabilidade semelhantes, se não aprimoradas.
Notícias e comentários gerados por humanos lutarão para serem vistos em um oceano de material gerado por bots, que provavelmente otimizarão suas “criações” para superar o produto humano em pesquisas algorítmicas, como as feitas por ferramentas de busca ou pelas redes sociais para definir o que mostrar na sua timeline. O texto gerado pela máquina será bom o suficiente para a maioria das pessoas e para a maioria dos propósitos. O conteúdo produzido por humanos em empresas de mídia poderá ser desvalorizado por algoritmos de busca e relegados a posições inferiores em rankings de SERPs (search engine results pages) e timelines, tornando difícil para essas empresas pagar jornalismo humano original e de alto valor.
Provavelmente ainda haverá um mercado para o jornalismo humano original e de alto valor, mas ele tenderá a encolher. Alguns de nós pagarão por um artigo investigativo de 5.000 palavras escrito por jornalistas em alguma plataforma; alguns de nós aceitarão uma réplica gratuita produzida por um bot treinado para evitar plágio e violação de direitos autorais; alguns de nós pedirão ao ChatGPT um resumo de 500 palavras na voz do Galvão Bueno; alguns de nós abrirão mão da história jornalística para ler um diálogo inventado entre um vampiro e um unicórnio sobre os méritos de, sei lá, chupar sangue versus comer arco-íris.
Creio que essa possibilidade é real e acontecerá em anos, não em décadas.
Como a IA generativa impactará outros mercados?
Pegando, por exemplo, o mercado literário, que já tem um histórico de disrupção causado pela tecnologia gerada pela computação. Vimos como e o quanto a internet atingiu a publicação e a venda de livros. Primeiro, varejistas online, como a Amazon, aumentaram drasticamente o número de livros disponíveis para os compradores. Cada novo livro lançado competia não apenas por espaço dentro de livrarias, mas contra todos os livros já publicados em qualquer lugar do mundo. Tente aumentar seus preços nesse ambiente. Segundo, a internet estimulou a autopublicação, retirando das editoras o papel de curadoria das obras literárias.
Talvez isso não seja problema para famosos como o príncipe Harry, JK Rowling ou o Chico Buarque. Seus livros, todos conhecem. Mas, é um problema para quase todo mundo, porque é muito difícil fazer com que sua publicação seja notada.
Tenho a expectativa de que o ChatGPT não será usado para escrever livros inteiros, mas para ajudar autores a escrever livros mais rapidamente. Existem escritores de romance, suspense e fantasia que produzem um livro a cada dois meses atualmente. No futuro, esse pessoal poderá fazer dois livros por mês.
Vejo desta forma porque sei que o ChatGPT será treinado para escrever por prompt de voz. Com isso, bastará criar um conjunto de dados com sua própria escrita e processá-lo por meio de uma ferramenta como a biblioteca Transformers da Hugging Face ou a API da OpenAI, basta configurá-la para o GPT-3. O bot captará seu uso da linguagem e outros padrões de escrita e gerará uma cópia que se aproxime ao seu estilo pessoal. Acreditem, não será difícil para leigos configurarem esses produtos.
O resultado será que a Amazon e outros sites de venda de livros ficarão entupidos de produtos, tornando mais difícil a descoberta de livros escritos na sua totalidade por humanos (certamente os metadados para os livros escritos com a ajuda do ChatGPT serão definidos, em termos algorítmicos, de maneira mais malandra do que os seus ou os meus). Isso possivelmente minará o valor de muito do que é publicado hoje pelas editoras tradicionais e tornará mais difícil para essas empresas pagarem por livros originais e de alto valor, escritos completamente por humanos (assim como as empresas de mídia no exemplo anterior).
Em poucas palavras, a IA generativa tem o potencial de destruir muito valor da produção baseada em escrita original sem produzir uma única grande obra literária.
Sei que pode parecer que misturei alhos com bugalhos. Comecei falando sobre a falta de pessoal estudando e produzindo informática e terminei discorrendo sobre possíveis impactos para quem produz informação. Mas, penso que há uma ligação. Mais do que saber se seremos produtores ou consumidores de tecnologia, o importante mesmo é a diferença entre participar ou não do desenvolvimento dessa tecnologia. Isso é importante porque ela pode influenciar outros mercados de uma maneira que ainda não temos ideia e se ficarmos de fora, não teremos como acertar o rumo da coisa pela via da computação.
REFERÊNCIAS
[1] Baldissera, Olívia. Os cursos mais procurados pelos brasileiros no Ensino Superior. https://www.blogdoead.com.br/cursos-mais-procurados. Acessado 3 de março de 2023.