Precisamos do Tédio

Todo mundo sente tédio.
Sentir tédio é normal.
Gostar dele, não.

Pessoas, em geral, não gostam do tédio.
Mentes criativas detestam.

É por isso que boa parte do fosfato gasto nos últimos anos pelos mais brilhantes empreendedores, artistas, cineastas e criativos em geral foi empregada tentando acabar com o tédio.
Inútil.
O tédio é um paradoxo.
Quanto mais tentamos acabar com o tédio, mais entediante fica a vida.

Veja você as novas gerações.
Os caras têm um arsenal para destruir o tédio nunca antes visto na história deste planeta.
E nem por isso é uma geração menos entediada.
Muito pelo contrário.

Deveríamos aceitar o tédio.
Respeitar o tédio.
Reverenciá-lo, de certa forma.
Ele é a figura oculta por trás de muita coisa boa.
Precisamos sentir tédio, nem que seja de vez em quando.
Se a necessidade é a mãe da invenção, o tédio é o pai da necessidade.

Você lê a biografia do Winston Churchill e pensa que ele fez tudo o que fez porque queria ser eternizado como o maior estadista de todos, um grande líder em uma época de guerra, etc.
Nada disso.
Ele era um sujeito entediado.
E o que ele queria com tudo o que realizou era acabar com o tédio.
O resto foi efeito colateral.
Tanto que suas últimas palavras, antes de entrar em coma, foram: “Estou entediado com tudo isso”.

Voltando para os dias de hoje.
O que mudou nos últimos 10 anos não foi o tédio em si.
Foi a nossa intolerância ao tédio.
Hoje em dia está na moda ser intolerante ao tédio e ao glúten. É chique.
Rende posts com muitos likes no Facebook.

A aula começou a ficar chata?
WhatsApp.
O livro não engrenou na segunda página?
Netflix.
O namoro não é exatamente aquela maravilha?
Nutella.

A minha geração, não. Esta sim sabe lidar com o tédio.
Fomos treinados em um campo de provas extremamente rigoroso.

Canal com desenho animado só existia até a hora do almoço. À tarde só nos restava o tédio.
Não tinha essa mamata de canal com desenho 24 horas por dia.
Videogame era o Telejogo. Só depois veio o Atari.
Hoje é cult, mas eu lhe garanto: era um tédio só.

Para ver alguma coisa mais picante, tinha que esperar até sexta-feira, dia do programa Sala Especial. Já pensou? Pois é, um tédio só.

Aliás, esperar é algo em que minha geração foi treinada.
Esperar o disco ser lançado.
Esperar o gibi novo chegar às bancas.
Esperar na fila do orelhão para ligar para os parentes no verão.
E esperar sem um smartphone nas mãos, meu amigo, é tarefa para profissionais.
Não é um tédio para principiantes.

O lado bom disso?
Quanto maior a espera, quanto maior o tédio, quanto mais tempo você convive com ele, maiores as chances de você fazer coisas grandes, criativas, diferentes.
Não é o tamanho da ambição que o move para grandes feitos. É o tamanho do tédio.

Então é isso.
Minha dica aos mais novos é que convidem o tédio para passar algumas semanas com você, deem conforto ao tédio, deixem ele se aproximar e ficar íntimo.
Aí, quando ele estiver se sentindo em casa, todo pimpão, você lhe dá um tremendo pé na bunda e mostra quem é que manda.
Só não vá fazer isso pelo WhatsApp.
O tédio não respeita as novas tecnologias.
Muito menos os amadores.

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