Na semana passada publiquei um post sobre a mudança do logo da J&J. Um dos comentários chamou minha atenção, porque trazia uma possível ligação com o fato da escrita cursiva não ser mais obrigatória nas escolas dos Estados Unidos.
Hein? Como assim?
Fiquei surpreso. Isso é verdade mesmo? Não é mais ensinada? As crianças americanas não precisam mais escrever à mão?
Sim, é verdade. Acho que até já faz um tempinho, mas eu não sabia.
Atualmente, a caligrafia não é mais um assunto obrigatório em muitas escolas, especialmente nos Estados Unidos. No entanto, muitos educadores e especialistas ainda acreditam que a escrita manual é importante para o desenvolvimento cognitivo das crianças.
Fiquei remoendo essa novidade. E acho que merece uma remoída sua também. Vai além de uma atualização ferramental, da caneta e do lápis para as teclas. Escrever é um ritual e a etapa que sai da cabeça e passa pelas mãos e dedos tem uma influência grande no processo. Talvez seja parecido com o abandono da manipulação do “dinheiro vivo”, em notas, que já foi quase que totalmente substituído também pelas teclas e pelos dígitos em telas, sei lá.
Coincidentemente, achei esse artigo (“The Importance of Handwriting is becoming better understood”, reproduzido em tradução livre abaixo), publicado no The Economist e sugerido no LinkedIn pela jornalista Juliana Mariz e pelo amigo e publicitário, Ruy Lima Nogueira.
A importância da escrita à mão está ficando mais clara
Há dois milênios e meio atrás, Sócrates reclamava que a escrita prejudicaria os alunos. Com esse recurso para armazenar ideias de forma permanente e externa, eles não precisariam mais memorizar nada. É tentador rotulá-lo como mais um velho reclamando sobre mudança.
Sócrates não tinha muitos pares para questionar seu argumento sobre a utilidade de reter conceitos sempre na cabeça.
Hoje, um debate diferente está se desenrolando sobre os perigos de outra tecnologia – os computadores – e a digitação que as pessoas fazem neles.
À medida que os alunos do ensino fundamental e os doutorandos voltam para um novo ano letivo no hemisfério norte, muitos o farão com uma dependência maior do que nunca dos computadores para fazer anotações e escrever trabalhos. Alguns pais de alunos mais jovens estão desanimados porque seus filhos não são apenas incentivados, mas obrigados a levar laptops para a aula. Professores universitários reclamam de muita distração, com alunos lendo e enviando mensagens em vez de prestar atenção as aulas.
Uma linha de pesquisa mostra os benefícios de uma “inovação” que antecede os computadores: a escrita à mão. Estudos mostram que escrever no papel pode ser bom por vários motivos, desde a lembrança de uma série aleatória de palavras até a obtenção de uma melhor compreensão conceitual de ideias complexas.
Para aprender material de cor, das formas das letras até as peculiaridades da ortografia inglesa, os benefícios do uso de uma caneta ou lápis estão na forma como a memória motora e sensorial de colocar palavras no papel reforça esse material. A disposição de rabiscos em uma página se alimenta da memória visual: as pessoas podem se lembrar de uma palavra que anotaram na aula de francês como estando no canto inferior esquerdo de uma página, par exemple.
Uma das vantagens mais bem demonstradas da escrita à mão parece estar na superioridade na tomada de notas. Em um estudo de 2014 de Pam Mueller e Danny Oppenheimer, os alunos que digitavam anotavam quase o dobro de palavras e mais passagens literais a partir de palestras, sugerindo que não estavam entendendo tanto quanto copiando rapidamente o material.
A escrita à mão – que leva mais tempo para quase todos os alunos universitários – força os anotadores a sintetizarem ideias com suas próprias palavras. Isso ajuda a compreensão conceitual no momento da escrita. Mas aqueles que fazem anotações à mão também têm um desempenho melhor nos testes quando os alunos podem estudar posteriormente a partir de suas anotações. O efeito persistiu mesmo quando os alunos que digitavam receberam instruções explícitas para reescrever o material com suas próprias palavras. A instrução foi “completamente ineficaz” na redução da transcrição literal de anotações, observam os pesquisadores: eles não entenderam o material tanto quanto o repetiram.
Muitos estudos confirmaram os benefícios da escrita à mão e os formuladores de políticas tomaram nota disso. Embora o currículo “Common Core” dos Estados Unidos de 2010 não exija instrução de escrita após a primeira série (cerca de seis anos), cerca de metade dos estados desde então exigiu mais ensino disso, graças a campanhas de pesquisadores e defensores da escrita à mão. Na Suécia, há um empurrão para mais escrita à mão e livros impressos e menos dispositivos. O currículo nacional da Inglaterra já prescreve o ensino dos rudimentos de cursiva aos sete anos de idade.
No entanto, vários sistemas escolares nos Estados Unidos foram tão longe que proibiram a maioria dos laptops. Isso é muito extremo. Alguns alunos têm deficiências que tornam a escrita à mão especialmente difícil. Quase todos eventualmente precisarão de habilidades de digitação. E digitar pode melhorar a qualidade da escrita: ser capaz de anotar ideias rapidamente, antes que sejam esquecidas, obviamente pode ser benéfico. Assim como diminuir a velocidade da digitação, diz o Dr. Oppenheimer.
Virginia Berninger, professora emérita de psicologia na Universidade de Washington, é uma defensora da escrita à mão há muito tempo. Mas ela não é uma purista; ela diz que existem benefícios comprovados por pesquisas para a escrita “manuscrita”, também para a cursiva (que permite maior velocidade) e também para a digitação (que é uma boa prática para compor passagens). Como os alunos passam mais tempo em dispositivos à medida que envelhecem, ela defende um “ajuste” ocasional da escrita à mão nos anos finais da escola.
E talvez até na idade adulta. Johnson não havia escrito nada mais longo do que uma carta à mão em décadas antes de colocar a caneta no papel para escrever o primeiro rascunho desta coluna. Se isso fez alguma diferença no resultado é uma questão que os leitores devem decidir.
Sócrates pode ou não ter tido um ponto sobre os lados negativos da escrita. Mas ninguém se lembraria, muito menos se importaria, se seu aluno Platão não o tivesse anotado para o benefício da posteridade.
Quer ler mais sobre o assunto?
Separei mais 3 artigos (em inglês) que detalham o debate sobre a necessidade de caligrafia na educação das crianças:
- The Guardian – Handwriting vs typing: is the pen still mightier than the keyboard?
- New York Times – What’s Lost as Handwriting Fades
- Washington Post – Once all but left for dead, is cursive handwriting making a comeback?
E você? O que acha disso tudo? Colabore com a sua opinião usando a caixa de comentários abaixo.
Ficha Técnica
Pesquisadores citados no texto:
- Pam Mueller e Danny Oppenheimer
- Dra. Virginia Berninger, professora emérita de psicologia na Universidade de Washington.
Pesquisa mencionada:
- Estudo de 2014 de Pam Mueller e Danny Oppenheimer sobre a eficácia do ato de escrever à mão comparado à digitação durante anotações de aulas.
Instituições referidas:
- Universidade de Washington
- Common Core
- Políticas educacionais dos Estados Unidos, Suécia e Inglaterra
Tópicos abordados
- Benefícios da escrita manual
- Influência da tecnologia na educação
- Debate sobre o uso de laptops em sala de aula.
Quando uma pessoa deixa de escrever ela não ativa áreas neorais suficiente para que a mente funcione completamente.
Com excecão de algum povo ainda não civolizado (ainda!), eu não consigo enxergar o homem volrando a comer com as mãos e dispensando os talheres; não consigo enxergar uma carroça dando quinhentas viagens pra entregar uma carga ali ‘
bem pertinho”… Não vejo como o homem pederá retornar para o lápis e o papel, abandonando as telas inteligentes. Inconcebivel: a única placa que não cabe na estrada onde nos achamos, é a de retorno.
É interessante saber que a escrita, a forma física dela, está no hall de “tecnologias” a serem substituídas.
Me surpreendeu um pouco, pois nunca havia considerado que isso fosse algo a ser considerado e, no entanto, parei para observar meus próprios hábitos e escrevo (fisicamente com lápis, caneta, carvão ou giz) muito menos do que eu pensava e digito um montão. :)
Mas me entristece ao ver algumas informações de que, sim, eu realmente aprendi mais quando coloquei no papel. Tenho/tinha moleskines lotados de anotações de insights de livros que ia lendo, ideias que ia tendo, entendimentos de cursos, aulas, palestras que eu ia fazendo. Consegui lembrar de algumas anotações só de refletir sobre este texto.
Já as anotações recentes, vou precisar reler, usando algumas das hashtags que usei para classificar em algumas das ferramentas que utilizei pra anotar, digitalmente claro.
Valeu pelo texto.