Eles querem seus filhos

Trabalho remoto ou presencial, uma disputa entre team building e family raising.
Mulher segura bebê com notebook ao fundo Mulher segura bebê com notebook ao fundo

A controversa volta aos escritórios é um debate quase sempre concentrado nas perdas e ganhos de produtividade.

O recente endurecimento das políticas presenciais marca o fim do romance com a ideia de que é possível ter uma vida produtiva a partir de casa. 

Até a empresa Zoom Inc, tão beneficiada pelo trabalho remoto, está pedindo que seus funcionários voltem ao escritório.

A despeito do tiro no pé que é uma empresa que desenvolve tecnologias para o trabalho remoto chegar a este ponto, outras começam a endurecer a exigência de idas ao escritório. 

“Provavelmente não vai dar certo pra você na Amazon”

Foi a mensagem do CEO Andy Jassy para os funcionários que ainda resistem à ideia de voltar ao formato presencial. 

Além das punições para quem não responder ao chamamento, estão previstos incentivos aos que concordarem com o retorno ao ambiente de trabalho, com 87% dos CEOs reconhecendo que aqueles que fizerem esse esforço estarão mais elegíveis a aumentos e promoções

Alguns chegam a apostar que, em 3 anos, o trabalho presencial de 5 dias por semana voltará a ser a norma.

Tamanha vontade de ver as coisas voltarem ao que eram antes levanta dúvidas sobre qual seria a real motivação para contrariar 90% dos profissionais que preferem seguir trabalhando de casa. 

Teóricos da conspiração debatem um possível movimento das famílias mais ricas do mundo tentando proteger seus ativos imobiliários, uma vez que o trabalho remoto esvazia escritórios em regiões outrora valorizadas.

Emergem pesquisas que apontam riscos relativos à saúde mental de quem trabalha remoto, potencial desconexão com as equipes, com os clientes e, por fim, com o propósito das empresas, como se o ambiente corporativo fosse algum antídoto.

E ainda temos os isentões que preferem o modelo híbrido.

Vai ficando cada vez mais difícil defender o trabalho remoto, afinal, as empresas controlam as estatísticas de produtividade, podendo moldá-las às suas preferências. 

De fato, será impossível defender o trabalho remoto se o debate permanecer restrito ao trabalho. 

E se pudéssemos expandir um pouquinho a perspectiva para fora do mundo do trabalho?

A vida é mais que trabalhar, as empresas adoram afirmar que seu maior ativo são suas pessoas, que oferecem um bom equilíbrio entre vida e trabalho.

Deixe o elemento vida entrar nesse debate e qualquer defesa do trabalho presencial ou híbrido se dissolve.

Não é apenas a vida que você pode se permitir depois do trabalho, é a vida como um todo que lhe é negada por conta do trabalho.

A volta aos escritórios é também a volta às cidades grandes, ao transporte lotado, aos micro-apartamentos com aluguéis nas alturas, à decisão de não ter filhos.

Observe:

Não é por birra que as pessoas não querem voltar ao trabalho presencial, é pelo desejo de constituir uma família. 

O mesmo desejo tão legítimo para os CEOs. 

Ao longo das últimas décadas, o mundo vive um acelerado processo de concentração urbana, muito relacionado à busca por melhores empregos em grandes cidades, que se desdobra numa incrível redução na taxa de natalidade.

Tamanha pressão leva a cenários de total mudança de comportamento, com a falta de interesse em sexo preocupando o governo do Japão

A queda é tão intensa que já é considerada uma prioridade nacional em alguns países, que oferecem renda mensal para as famílias que decidem ter filhos, extensão dos períodos de licença-maternidade, redução na idade mínima para aposentadoria de mulheres que tenham filhos. 

Em nenhum lugar essas políticas tiveram o efeito esperado, pois elas não atacam o centro do problema. 

Como cuidar de uma família num centro urbano lotado, em que os pais estão sujeitos a horas de deslocamento até seus trabalhos, pressionados pelo altíssimo custo de moradia, com pouco tempo de convívio e ainda preocupados com o risco de perder seus empregos?

“Não posso me dar ao luxo de ter filhos”

Glória que é casada e está na casa dos 30 anos. 


A saída para a crise demográfica está no trabalho remoto.

É muito mais fácil comprar uma casa numa cidade menor e de lá trabalhar em qual seja seu novo emprego.

Mesmo que alguma crise reduza seu salário, os custos de mudança e deslocamento não existem, as crianças seguem estudando na mesma escola, mantendo suas rotinas. 

Estamos falando de um movimento que leva a ganhos em diversas esferas, como a crise habitacional, o estrangulamento dos sistemas de transporte, a renda para viver numa cidade grande, poluição, clima e a dor das pessoas que, assim como os CEOs de suas empresas, também gostariam de ver sua família crescer.

Por isso, voltando ao mundo do trabalho, a melhor resposta ao movimento de retorno aos escritórios deve vir das empresas que valorizam a vida de seus funcionários.

A liberdade que o trabalho remoto permite é um benefício que já foi experimentado e será continuamente valorizado pelos profissionais que puderem escolher este formato.

Em geral, o poder de escolha é maior nos melhores profissionais e eles irão demandar um ágio para abrir mão de sua liberdade, um valor proporcional à penalidade que é a volta aos escritórios.

As empresas que insistirem no trabalho presencial terminarão com profissionais que topam o sacrifício ou terão que pagar cada vez mais caro, reduzindo sua competitividade.

Isso cria oportunidades para empresas menores atraírem talentos que antes estariam fora de seu alcance, bastando oferecer o formato de trabalho preferido, 

O artigo que conta como a Zapier alcançou um valor de mercado de 5 bilhões de dólares partindo de um pequeno investimento, destaca a vantagem que foi trabalhar em sistema remoto desde 2012

Trabalho remoto ou presencial, uma disputa entre team building e family raising

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